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SÃO PAULO – O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) lançou nesta segunda-feira, 20 de março, uma nota técnica onde avalia que as mulheres serão “muito prejudicadas” caso passe o texto da reforma previdenciária como concebido. A análise cita “desigualdades”, “assimetrias” e dados para comprovar o ponto de que a proteção às mulheres não deveria ser diminuída.
No texto de abertura, a instituição cita o “princípio da solidariedade social”, presente na Constituição Federal, o qual prevê tratamento diferenciado a segmentos em condições desiguais de inserção no mercado de trabalho. A análise chega para somar a outras alegações de que o texto proposto pelo governo traz inconstitucionalidades e deveria ser modificado.
Alguns dos itens apontados para chegar à conclusão que gerou a nota são: a equiparação de idade mínima, tempo mínimo de contribuição, regras de acesso às pensões e impactos em trabalhadoras de áreas específicas e idosas. Confira os argumentos a seguir:
1. Equiparação de idade mínima
De acordo com a nota técnica, a aposentadoria por idade tem sido a modalidade de aposentadoria mais comum entre as trabalhadoras, “em razão da dificuldade que a maioria delas tem para alcançar o tempo mínimo exigido pela lei para se aposentar por tempo de contribuição”. O Dieese aponta que as mulheres corresponderam a 62,6% do total de aposentadorias por idade concedidas no RGPS, contra apenas 37,4% de homens.
Para a instituição, os argumentos oficiais para igualar as idades de aposentadoria são “muito questionáveis” em alguns aspectos:
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A) Diferença na expectativa de vida: “a diferença de expectativa de vida entre homens e mulheres cai desde 2000, com projeção de queda ainda maior até 2060”, de acordo com o IBGE.
B) Divisão sexual do trabalho: “segundo a Pnad, em 2006, 92% das mulheres ocupadas no país declararam realizar tarefas domésticas e de cuidados, contra apenas 52,1% dos homens ocupados”. Ao mesmo tempo, “considerando a dupla jornada, ou seja, o somatório das horas dedicadas aos afazeres domésticos e ao trabalho na ocupação econômica, as mulheres praticaram, em 2014, jornada semanal média de 54,7 horas, contra 46,7 horas, no caso dos homens”.
C) Oportunidades no mercado: “a taxa de participação feminina apresentou profundo crescimento no Brasil, nos últimos 55 anos, passando de 16,5%, em 1960, para 54,4%, em 2015. Entretanto, o envolvimento das mulheres na atividade produtiva ainda é pequeno, quando se leva em conta que os homens tinham, em 2015, participação de 76,2% no mercado de trabalho”.
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Outro aspecto dessa diferenciação está no acesso às posições de liderança e de salários mais altos. “Com relação aos rendimentos, as mulheres receberam, em 2015, 18,9%3 menos do que os homens em atividades formais, com a mesma carga horária de trabalho e, apesar de terem, em média, mais anos de estudo”.
D) Outros países: “se é verdade que há uma tendência internacional de equiparação das idades mínimas de aposentadoria entre os sexos, também é verdade que os países europeus, onde isso mais ocorreu, têm níveis menores de desigualdades no mercado de trabalho, possuem políticas públicas específicas voltadas para as famílias, visando estimular uma divisão mais equitativa do trabalho reprodutivo entre homens e mulheres”.
2. Equiparação de tempo de contribuição
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Por consequência dos fatores citados, correspondentes à desigualdade de inserção no mercado, seria desproporcional equiparar o tempo mínimo de contribuição entre homens e mulheres. “Entre as aposentadorias femininas concedidas em 2014, as mulheres tiveram, em média, 22,4 anos de contribuição. Considerando apenas a aposentadoria por idade, 50% das mulheres que acessaram esse benefício comprovaram em média 16 anos de contribuição apenas”, discorre o Dieese.
3. Mudanças nas pensões
Embora mulheres sejam as maiores beneficiárias de pensões do governo por morte, os valores efetivos são, muitas vezes, baixos. Dentro do contingente de beneficiários, “84% (ou 6,2 milhões) eram mulheres e 16% (ou 1,1 milhões), homens. Além desses que receberam apenas pensão, 2,3 milhões (8% do total de beneficiários de previdência) acumularam benefícios de aposentadoria e pensão, sendo 84% mulheres e (ou 1,97 milhões) 16% (ou 364 mil) homens”.
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No texto da reforma, prevê-se uma cota de pensão de 50% do cálculo atual, com acréscimo de 10% para cada dependente e limite de 100% do benefício. O valor real das pensões, neste cenário, diminui quando o filho passa dos 21 anos ou morre. Também é proibido o acúmulo de duas ou mais aposentadoria com pensão por morte.
“Em 2015, do total desse tipo de benefício destinado às mulheres, 53% eram de um salário mínimo e 23% estavam na faixa de um a dois salários mínimos. Ou seja, três quartos das pensões por morte recebidas pelas mulheres não ultrapassavam dois salários mínimos”, discorre o documento. Isso muitas vezes não é suficiente para manter a família, cujas despesas fixas podem encarecer as contas mesmo após a morte dos membros.
4. Mulheres idosas
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Entre as pessoas sem deficiência, as mulheres são hoje as maiores beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que corresponde ao benefício assistencial por excelência para segmentos sociais em condição de pobreza. Elas são 58,5%, contra 41,5% dos homens.
Na PEC 287, se prevê a desvinculação desse benefício do salário mínimo e a adoção de idade mínima para o recebimento do mesmo de 65 para 70 anos – idade que será atingida de forma progressiva.
Para o Dieese, “é possível pensar num “hiato” de desproteção, em que a trabalhadora madura ou idosa estará desempregada, dada a conhecida dificuldade de se manter empregada nessa faixa etária, não conseguirá cumprir os requisitos mínimos de contribuição para a aposentadoria nem os de acesso ao BPC. Esse “hiato de desproteção” colocará sob forte ameaça a sobrevivência da pessoa idosa pobre, em especial da mulher”.
5. Categorias profissionais
Cargos com condições especiais de aposentadoria, como trabalhadores rurais, professores e empregados domésticos, têm grande quantidade de mulheres que serão “atingidas duplamente”, pelos motivos citados anteriormente somados à perda da diferenciação de regime de aposentadoria, de acordo com o relatório. Atualmente, a diferenciação é posta porque os trabalhos exigem esforços além dos demais cargos de trabalho – notavelmente, no meio rural.
No caso das profissionais de educação básica, as mulheres correspondem a 80% da categoria. Essa categoria possui o que o Dieese chama de tripla jornada: “já que a professora, além de dar e preparar aulas, tem que corrigir provas, e executar afazeres domésticos em casa”. Com a ausência da diferenciação, muitas mulheres podem desistir de seguir a carreira, o que pode, no médio prazo, desfalcar a educação no país.
As trabalhadoras domésticas, por sua vez, já têm muito menos acesso à aposentadoria do que a média. “Hoje, essas trabalhadoras enfrentam grandes obstáculos para atingir 15
anos de contribuição em função dos altos níveis de rotatividade, de informalidade e de ilegalidadenas contratações, típicas do exercício desta atividade no país, além dos períodos em desemprego e das frequentes transições entre atividade e inatividade econômica”, argumenta a instituição na nota técnica.
Já no campo, o estudo entende que “a trabalhadora rural será penalizada duplamente: por ser
mulher, e sofrer a discriminação de gênero no ambiente de trabalho e na família, e por
trabalhar no campo, em condições mais austeras, exigentes e desprotegidas do que o trabalho
normalmente executado na área urbana”.