Viciados em bolsa: histórias de quem deixou as operações tomarem conta da vida

Conheça investidores que nunca desgrudam do home broker e não conseguem controlar o desejo de operar

Mariana Mandrote

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SÃO PAULO – Você liga o computador e, como quem não quer nada, abre o home broker para verificar como andam suas ações.

Só que acaba encontrando uma oportunidade aqui, outra ali, e quando se dá conta, passou horas com os olhos pregados no monitor, deixou de fazer atividades corriqueiras – como almoçar – e já está pensando em trocar a data da viagem de férias para não perder a oportunidade de ganhar uma bolada.

Para Vera Rita de Mello Ferreira, psicóloga e autora do livro “A cabeça do investidor”, a compulsão pelo home broker surge sem que a pessoa perceba, como uma forma de preencher a sensação de vazio inerente ao ser humano. “Às vezes o investidor sofre de uma depressão leve, e as situações realizadas na hora de operar traz um alívio imediato para esse desconforto”, explica.

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O psicólogo Waldemar Magaldi Filho afirma que um sujeito mais materialista, com poucos vínculos interpessoais e criado em um sistema mais competitivo está mais sujeito à dependência do home broker, mas não é apenas esse perfil que pode se viciar.

Ele conta que esse tipo de atividade estimula a produção da dopamina, substância envolvida nas respostas do corpo ao prazer. É como se o seu organismo estivesse lhe recompensando por atividades prazerosas, como comer ou praticar exercícios físicos.

“A própria fissura pela atividade produz a substância. É semelhante a quem é viciado em jogos de carta ou relações perigosas. O indivíduo fica dependente de uma substância que é produzida internamente”, diz.

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Histórias de pessoas que se viciaram no home broker mostram que, como em outros tipos de dependência, a compulsão pelo mercado de ações também provoca grandes prejuízos financeiros e, muitas vezes, danos à saúde, como insônia e dores musculares. Confira a seguir casos de investidores que caíram nas garras do mercado.

“Era um vício. Meu corpo não me respondia mais”
Quando a paranaense Mariana Higino, 35, começou a operar o home broker, em setembro de 2009, ela conhecia pouco sobre o mercado de ações, mas tinha um plano: transformar R$ 1 mil em R$ 10 mil até o final daquele ano. Investindo em opções de ações, ela ganhou esse dinheiro e um pouco mais.

“Era um vício. Meu corpo não me respondia mais, eu precisava ficar ali. Acordava às 5h da manhã para buscar informações sobre o mercado internacional, mas tinha ido dormir às 2h”, conta.

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Na época, Mariana havia trancado o curso de Administração de Empresas, mas trabalhava em um banco privado. O emprego, no entanto, não a impedia de acompanhar seus investimentos o dia todo.

“Eu tinha as cinco horas que dedicaria à faculdade para estudar sobre ações e, no trabalho, o home broker ficava sempre aberto. As pessoas comentavam, mas eu achava que o que ia me fazer ganhar dinheiro era a Bolsa, e não o trabalho”, lembra.

O fim de um período de tensão, dores nas costas e noites mal dormidas aconteceu quando, em novembro de 2010, Mariana perdeu R$ 17 mil em uma semana. “Eu tinha altos e baixos, mas naquela semana eu perdi tudo. O dinheiro de Bolsa é virtual, parece um jogo. Talvez, se visse as notas em cima da mesa, eu não teria jogado tudo fora”, recorda.

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A partir daí ela começou a buscar casos de insucesso na Bolsa e leu a declaração de um investidor compulsivo em um fórum na internet. “Eu me vi naquela pessoa e fiquei com medo.” Depois disso, ela não operou mais e diz que não tem vontade. “Eu até abro o home broker, mas consigo não operar”, garante.

“Quem é viciado, não fala que é”
Depois de um início frustrante, em 2008, por conta da crise nos Estados Unidos, o gaúcho Eduardo Carbonera da Silveira, 31, voltou à Bolsa em 2010, e desde então “está na frente do home broker”.

Formado em Comunicação, Eduardo deixou o emprego na área de marketing no ano passado e faz do investimento em ações um trabalho. “Eu não conseguia me recolocar e também não me sentia realizado. Comecei a operar e vi que dava para ganhar dinheiro”, diz.

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Ele se considera um apaixonado pela Bolsa, e não um viciado em home broker, mas sua namorada, que é psicóloga, discorda. “Ela acha que eu sou viciado. Não me considero um porque consigo largar. Mas quem é viciado não fala que é”, brinca. Mesmo assim, ele assume que hoje prefere um papo com seu corretor a uma conversa com amigos, e se sente “perdido” quando o mercado está fechado.

“Eu poderia fazer outras coisas, mas o que eu gosto é de operar. Também tenho a sensação de estar deixando de ganhar, e nisto eu sou viciado: ganhar e ter lucro rápido”, afirma.

Ele acompanha o mercado todos os dias, das 9h às 18h, mas, no momento de dar uma ordem de compra ou venda, liga para o corretor, porque se sente inseguro com o preenchimento da boleta. Considerando que prefere as operações de day trade, isso acontece muitas vezes. “Meu corretor fala que eu deveria trabalhar lá, porque eu fico em cima o dia todo.”

As ligações de Eduardo para a corretora também já foram motivo de uma crise no namoro. “Naquele momento, meu corretor era mais importante, porque ele cuida do meu dinheiro. Ela ficou brava, mas depois entendeu”, conta. E se defende dizendo que, para quem faz day trade, um ou dois minutos fazem muita diferença. Garante, entretanto, que vive da Bolsa, e não para ela.

“Já deixei o home broker me atrapalhar”
O paulista Alexandre Shinoda, 39, entrou na Bolsa há quase oito anos e, ao longo desse período, só parou de usar o home broker em 2009 porque o banco onde trabalhava não permitia. “Eu comecei em 2004 com fundo de investimento, mas, em 2005, passei a operar por conta”, diz.

Na época, muitos amigos dele também entraram no mercado, mas a maioria foi desistindo no caminho. Ele, por outro lado, ainda vê oportunidades e faz planos para o futuro.

“No começo é aquele deslumbramento, e você pensa que vai ficar rico. Hoje eu vislumbro ter uma aposentadoria e não depender do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social)”, diz. Alexandre não pensa em deixar o emprego como administrador de banco de dados para se dedicar exclusivamente ao investimento em ações.

“Eu acho que é aí que mora o perigo. A pressão é muito grande quando você está na sua casa, sem emprego e precisando do dinheiro”, opina. Isso não quer dizer que, nesses anos na Bolsa, ele não tenha passado um pouco do limite.

“Já deixei o home broker me atrapalhar. Teve um tempo em que eu só falava disso. Eu percebi que não lia um livro, não assistia mais televisão. Hoje, faço minhas operações de day trade, mas quando chego em casa nem falo sobre o que aconteceu”, conta.

Ele acompanha os investimentos durante o expediente, quando o trabalho permite, mas confessa que, quando precisa sair para uma reunião ou visitar um cliente, sente que pode estar perdendo oportunidades.

Também admite que, em alguns casos, a Bolsa mexe com seu humor, mas não se vê dependente do home broker. “Às vezes chego mentalmente mais cansado em casa, mas, pelo meu perfil, não passaria o dia todo isolado olhando para a tela do computador”, garante.

Sintomas do vício em home broker
– Dirigir toda a atenção para os investimentos
– Sentir angústia ou ansiedade quando não usa o home broker
– Desconcentrar-se no trabalho para operar
– Ficar pensando nos investimentos mesmo quando não está operando
– Sentir alívio quando opera
 – Só falar disso e achar que isso é o melhor para todo mundo

5 Maneiras de evitar a dependência do home broker:

1- Tenha os objetivos claros;
2- Opere, no máximo, por três períodos de duas horas por dia;
3- Faça um “diário de bordo” dos seus investimentos. É mais fácil perceber; anormalidades se você fizer um registro de todas as operações, sentimentos e impressões;
4- Pratique exercícios ou outras atividades não relacionadas ao mercado;
5- Fale com pessoas de confiança. Elas podem identificar se você passa tempo demais no home broker

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