Varejo tem 2023 para “esquecer” e próximo ano tende a ser de transição: o que esperar para as ações?

Juros altos, crise de crédito e deflação foram alguns dos desafios encarados pelas companhias do setor em 2023

Vitor Azevedo

(Shutterstock)
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2023 está acabando e ele com certeza não será lembrado como um ano positivo para as companhias do varejo brasileiro, com o cenário macroeconômico, principalmente por conta dos juros altos, impactando os resultados e, decorrentemente, a maioria das ações do setor. Para 2024, apesar de a crença ser de que o pior já passou, ainda deve haver desafios. 

“Foi um ano horroroso para o varejo, mas, no final das contas, sobrevivemos. Ele começa com o problema dos juros altos, com a Selic não caindo como o esperado, da inflação que ainda não tinha cedido e ainda tivemos o caso das Americanas. A performance do setor, olhando para a Bolsa, foi a pior de todas”, fala Ana Paula (Popy) Tozzi, CEO da AGR Consultores. 

Os juros altos acertam as varejistas de várias formas. O faturamento cai, com as pessoas tendo menor acesso a crédito e consumindo menos. Já as dívidas financeiras, sendo que o setor é bastante alavancado, aumentam, diminuindo o resultado líquido, quando não o tornando negativo. 

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Em janeiro, se as altas taxas dos empréstimos já não fossem o suficiente, o caso Americanas (AMER3), com uma fraude contábil, veio à tona, aumentando ainda mais o problema na concessão de crédito ao setor. Bancos e outras instituições financeiras passaram a temer emprestar para as varejistas, com receio de novas fraudes e quebradeiras, o que dificultou a vida de vários executivos do ramo. 

O combo entre dificuldades operacionais, cenário macroeconômico e difícil acesso à crédito levou a uma série de varejistas a recuperações judiciais – ou, ao menos, de reestruturações. 

Recuperações e reestruturações

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Popy ainda lembra dos pedidos de reestruturação da Marisa (AMAR3), da TokStok, além das mudanças no Grupo Casas Bahia (BHIA3) e seu mal sucedido pedido de follow on. “Ao mesmo tempo, houve a frustração quanto à crença de que o Magazine Luiza iria herdar parte do mercado deixado pela Americanas, sendo que a empresa também acabou trazendo uma inconsistência no seu patrimônio líquido”. 

Tudo isso resulta no fato de que poucas varejistas vão terminar 2023 com suas ações no positivo. Entre as maiores quedas do Ibovespa, estão as ações do Grupo Casas Bahia, com mais de 80% de queda até o dia 21 de dezembro, as do Pão de Açúcar (PCAR3), com queda de mais de 40%, e as preferenciais da Alpargatas (ALPA4), com cerca de 39% de queda. Os papéis ordinários do Magazine Luiza recuam mais de 20%. 

O varejo alimentar, bem como o e-commerce e as empresas de vestuário, também sofreu. A deflação, vista por volta do meio do ano, diminuiu os valores dos estoques dessas companhias, com os produtos guardados, de um mês para o outros, passando a valer menos. Além disso, apesar de alimentos serem produtos não discricionários, as famílias também passam a consumir menos com a alta da inadimplência. 

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Exceções em meio à regra

Foram poucas as varejistas, então, que viram suas ações fecharem 2023 no positivo. Os casos mais emblemáticos, para os especialistas, são os da C&A (CEAB3) e da Vivara (VIVA3). Ambos estão muito ligados a diferenciais operacionais apresentados pelas próprias companhias. 

A primeira empresa acumula uma alta de mais de 270% no ano. Entre as explicações para isso estão a implementação do Push & Pull, sistema de reposição de estoque feito de acordo com a demanda de cada loja e levando em conta cada SKU (unidade de manutenção de estoque, na sigla em inglês), melhora de margens, de capital de giro e de caixa. 

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“Foi a empresa que trouxe a maior surpresa positiva dentro desse mercado, sendo que pouco tempo antes vinha acumulando prejuízos até por volta do terceiro trimestre do ano passado.. Seus resultados continuaram subindo na contramão dos dos seus concorrentes”, diz Victor Bueno, sócio e analista da Nord Research. 

No caso da Vivara, também já há algum tempo a empresa vem se destacando. Além de estar no varejo de alto luxo, que sofre menos em momentos de crise já que os consumidores não precisam tanto de crédito para ir às compras, a companhia está expandindo através da Life, sua marca de prata voltada mais à classe média

“A Vivara tem demonstrado uma performance notavelmente resiliente. Ela se estabeleceu firmemente no mercado de varejo de luxo, destacando-se com suas joias. Além disso, a empresa tem mostrado um crescimento impressionante, evidenciado pela abertura de 60 lojas no último ano, e há planos para inaugurar ainda mais nos próximos anos. Essa expansão reflete a visão estratégica da Vivara e a solidez do seu mercado”, comenta Bueno.

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2024 um pouco melhor

Mais para o final do ano, de qualquer forma, as ações das varejistas passaram a ensaiar uma recuperação. A queda dos juros mais abrupta no Brasil, acompanhando o que foi visto no exterior, passou a sustentar a tese de que o setor deve se sair melhor no futuro, apesar de 2024 ainda ser considerado um ano de transição. 

“Não prevemos que a taxa de juros terminará 2024 abaixo de dois dígitos. No entanto, esperamos que ela se estabilize em torno de 10%, o que é significativamente melhor do que os 13,75% enfrentados este ano por oito meses”, debate Popy. 

“Uma queda na taxa de juros não apenas reduz os custos para os varejistas, mas também significa mais dinheiro disponível no bolso do consumidor. Isso pode levar a um aumento no crédito disponível no mercado e a melhores condições de parcelamento, entrando em uma fase de acomodação econômica”, fala a especialista, CEO da AGR Consultores. 

Para ela, as empresas bem posicionadas, claramente, devem surfar mais do que as que ainda estão sofrendo com reestruturações.

“Quem estiver bem, quem estiver no ouvido do consumidor, será o cara que vai no próximo ano se sair bem e, em 2025, ter uma performance provavelmente fora da curva”, diz Popy. 

“Já alguns players estão entrando em 2024 com um saco de tijolos nas costas. Sem dúvida, é necessário manter a preocupação com assuntos como reestruturações. A Marisa, por exemplo, está fazendo um plano de fechamento de lojas super agressivo, que deve trazer resultados. Ao mesmo tempo, a gente sabe que encolher no Brasil é algo super caro”, explica Ana Paula Tozzi, mencionando, entre outras coisas, os gastos com direitos trabalhistas.

Victor Bueno, da Nord, expõe que acredita que 2024, para essas companhias, provavelmente continuará sendo um período desafiador. 

2024 desafiador para empresas nas piores posições

“Para o próximo ano, não prevejo um cenário positivo para as empresas que enfrentaram maiores dificuldades, especialmente aquelas envolvidas em controvérsias ou que tiveram problemas gerenciais e financeiros. A perspectiva continua sendo desafiadora. Empresas como a Americanas e as Casas Bahia que sofreram impactos significativos em seus resultados e operações devido a essas questões, podem não ter um desempenho tão favorável”, comenta. 

No entanto, para empresas que têm operações ajustadas, mas que não se destacaram tanto, o esperado é que 2024 traga resultados mais positivos do que 2023. 

A Lojas Renner (LREN3), cujas ações caem mais de 10% no acumulado do ano, deve, por exemplo, se beneficiar dos juros mais baixos e da diminuição gradual da inadimplência uma vez que seu braço, a Realize, foi um dos principais detratores dos seus resultados. A varejista, com sua a parte da sua carteira de empréstimos atrasada aumentando, teve de provisionar mais quantias para perdas. 

“Vejo uma perspectiva interessante para o próximo ano para a Renner. A empresa está negociando a preços baixos em relação aos seus múltiplos históricos. Para algumas empresas específicas, 2024 será um ano de crescimento contínuo. Com a queda dos juros, o controle fiscal e a inflação sob controle, acredito que ela tende a superar a média do mercado”, fala o especialista da Nord. 

Até mesmo as varejistas de alimentos, por fim, devem ter um 2024 melhor do que 2023. Neste ano, muitas, como Assaí (ASAI3) e Carrefour Brasil (CRFB3) delas sofreram por conta do processo de deflação, visto por volta dos meses de julho, que impactou negativamente os estoques, além de também sentirem os impactos do endividamento das famílias. 

“Acreditamos que o varejo alimentar vai se recuperar de forma rápida. Quando começa a sobrar um dinheirinho no bolso do consumidor ele consegue levar produto de maior valor agregado”, contextualiza Popy, mencionando o recuo da inadimplência das famílias.

Os juros menores, por fim, também devem evitar processos de desinflação, preservando o valor dos estoques.

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