Varejistas: com cenário macro e serviços financeiros como “pesos” do 4º tri, empresas traçam estratégias para 2023

Alta dos juros e endividamento das famílias continuam sendo o principal gatilho negativo dos resultados

Vitor Azevedo

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Na última sexta-feira (31), a temporada de balanço do quarto trimestre de 2022 terminou, faltando apenas algumas empresas retardatárias divulgarem seus resultados. E o período entre outubro e dezembro do ano passado foi particularmente desafiador para o setor de varejo, que vem sofrendo por conta do cenário macroeconômico e com alguns outros pesos.

“No quarto trimestre, notamos que o ambiente macroeconômico difícil continuou sendo um obstáculo para as varejistas”, diz a equipe de analistas da XP Investimentos, chefiados por Danniela Eiger.

Os juros em patamares elevados continuam inibindo o consumo. Junto dele, agem também a inflação, ainda em níveis consideravelmente altos, e o alto endividamento – ambos fatores com forte impacto nas rendas das famílias.

Para além dos problemas macro, outras questões impactaram os resultados das companhias, segundo os analistas da XP.

“A Copa do Mundo foi um vilão no quarto trimestre, comprometendo o fluxo de pessoas durante o período mais importante do ano para os varejistas, mas impulsionando a demanda por eletrônicos e itens relacionados à competição”, acrescentam  os especialistas.

Para fins exemplificativos, a Lojas Renner (LREN3), por exemplo, teve sua receita operacional líquida crescendo 3,7% na base anual, para R$ 4,01 bilhões. Outro varejista de moda, o Guararapes (GUAR3) viu seu faturamento avançar 4%, para R$ 2,5 bilhões.

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O desempenho de ambos, contudo, ficou consideravelmente aquém do avanço do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2022, que subiu 5,79%.

No caso de varejistas como a Via (VIIA3) e o Magazine Luiza (MGLU3), as receitas cresceram, respectivamente, 9% e 18,8% – altas com alguma distância da inflação.

Mais do que vendas motivadas pela Copa do Mundo, essas empresas, porém, destacaram que seus resultados melhoraram por conta do aumento de preços cobrados, com o fim de uma “concorrência irracional”, e com melhorias operacionais.

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O cenário macro mais difícil forçou empresas a pararem de aceitar margens muito baixas ou prejuízos na busca por ganho de mercado. O capital mais caro, por conta dos juros, faz as companhias priorizarem o resultado.

É claro, contudo, que algumas companhias do setor de varejo de moda, por exemplo, tiveram seu faturamento avançando mais do que a inflação.

O Grupo Soma (SOMA3) foi um caso, com sua receita líquida crescendo 11,5% na base anual, para R$ 1,35 bilhão. Em parte, o bom desempenho dessa companhia foi explicado pela sua operação de fora do Brasil, com a Farm International. Já o Grupo SBF (SBFG3), dono da Centauro e da Nike, viu seu faturamento crescer 17,8%, para R$ 1,98 bilhão, com certa ajuda das vendas da camisa seleção brasileira.

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Varejistas de alta renda, como a Arezzo (ARZZ3) e a Vivara (VIVA3), por fim, são menos impactadas pela degradação macro, uma vez que seus clientes sofrem menos em crises econômicas. As duas tiveram suas receitas crescendo, respectivamente, 20% e 17,2%, para R$ 1,3 bilhão e R$ 644,04 milhões.

Contudo, cabe destacar que o resultado da Arezzo não agradou os investidores, pressionado por resultado financeiro e alta nas despesas, com declínio também na margem Ebitda. A Vivara, por sua vez, agradou os analistas de mercado. Como destaque, ficou a performance da Life, marca da rede de joalherias focada em produtos de prata que tem sido o foco da recente expansão do grupo.

Semelhanças operacionais nas varejistas

Há, nas varejistas de cada setor, diferenças operacionais, mas, de forma geral, boa parte dos resultados trazem similaridades.

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Os próprios executivos das empresas mencionaram, nos documentos e nas teleconferências, os fatores mais gerais que foram apontados por analistas.

“O quarto trimestre de 2022 foi um período no qual a gente conseguiu crescer lucro líquido e margem bruta, mas houve um ponto importante quanto à receita que a base de comparação era muito alta. Além disso, há as variáveis de Copa e eleição, que tirou as pessoas dos centros comerciais e impactou o fluxo”, comentou o diretor financeiro (CFO) da Lojas Renner, Daniel dos Santos, em entrevista ao InfoMoneyApesar do cenário macro adverso de 2022, com forte impacto do aumento de juros tanto para as empresas quanto para os consumidores, tivemos avanços importantes em nossos principais pilares”, disse o CEO da Via, Roberto Fulcherberguer, na teleconferência da empresa.

Por fim, ainda como destaque que pesou em quase todos os balanços, ficaram os braços financeiros das varejistas.

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“As taxas de inadimplência pioraram sequencialmente na base anual em todas as principais plataformas, enquanto as companhias esperam um cenário ainda desafiador pela frente. Observamos que o CSF Bank, da da rede Carrefour (CRFB3), foi o único player a apresentar melhora nas taxas over 90 na comparação trimestre a trimestre”, dizem os analistas da XP.

A Via, uma das varejistas com maior histórico na oferta de crédito, por exemplo, viu sua taxa de inadimplência acima de 90 dias no crediário crescer 0,8 ponto percentual no ano, para 9,5%. E isso se deu mesmo com a companhia diminuindo sua carteira ativa, limitando os empréstimos: no segundo trimestre, ela era de R$ 5,6 bilhões, foi para R$ 5,7 bilhões no terceiro e, no quarto, para R$ 5,5 bilhões.

Na Lojas Marisa (AMAR3), que vem enfrentando diversos problemas, Roberta Lea, diretora financeira (CFO), afirmou que o MBank, braço financeiro da varejista, está sendo reestruturado – sendo que a empresa, inclusive, chegou a vender parte de sua carteira.

“O Mbank sofreu muito com a inadimplência do mercado. A venda de carteira totalizou R$ 57,7 milhões e as provisões, R$ 12,5 milhões. Sem isso, o prejuízo proforma seria R$ 100 milhões menor”, comentou Roberta Lea, diretora financeira (CFO) da Marisa.”Mas o MBank e não é o único que vem sofrendo, e sim o mercado como um todo. Ele provavelmente já sentiu todos os impactos”.

A empresa diminuiu sua taxa de aprovação de empréstimo pessoal em um terço e a emissão de cartões recuou 50%.

Companhias tentam melhorar operação para lidar com macro

Além de diminuir suas carteiras, essas empresas vêm tomando uma série de medidas para tentar melhorar seus balanços.

“A geração de caixa e a rentabilidade apareceram como prioridades, já que o ambiente macro desafiador, as altas taxas de juros e os fortes planos de expansão continuam pesando nas margens e nos custos da dívida das companhias. A eficiência operacional foi um dos principais tópicos abordados em várias teleconferências de resultados, principalmente nas linhas de despesas e capital de giro”, menciona a equipe de análise da XP.

A Via, por exemplo, afirmou que teve uma melhora de geração de caixa operacional de R$ 3,6 bilhões, com foco no capital de giro, com redução de 25 dias de estoque, algo que deixou de subtrair R$ 1,6 bilhão ao balanço. A companhia destaca também um maior controle de processos trabalhistas e uma melhora na monetização de créditos fiscais.

Quem apresentou melhorias, prometeu mais. Quem não apresentou, afirmou que elas virão no futuro.

Após um resultado fraco no quarto trimestre, com prejuízo bilionário e margens pressionadas, o GPA (PCAR3) foi uma das companhias que defendeu estar em meio a um grande processo de reestruturação de sua operação.

“Para 2023, esperamos uma retomada da melhoria da margem bruta na comparação com o quarto trimestre. Esperamos melhorias já nesse primeiro trimestre. Estamos trabalhando em renegociações comerciais, na revisão dos contratos. Estamos indo para o terceiro nível de ajuste de malha logística. Temos, por último, buscando melhorias na redução dos níveis de estoques, que já caíram em quatro dias, o que deve se repetir ao longo de 2023 e que deve reduzir o valor investido”, comentou o CEO da rede, Marcelo Pimentel, em teleconferência de resultados.

Entre as varejistas de alimentos, o GPA foi o único, inclusive, a ter um resultado majoritariamente visto como negativo. Assaí (ASAI3), Atacadão (CRFB3) e Grupo Mateus (GMAT3), para analistas, trouxeram números majoritariamente positivos.

A equipe de Eiger destaca que o Assaí trouxe sua receita líquida crescendo bem, chegando a R$ 15,9 bilhões, justificado pelo “forte plano de expansão”. No caso do Atacadão, o crescimento das vendas mesmas lojas foi sólido, mas o resultado foi um pouco impactado pelas despesas financeiras, e no do Grupo Mateus, as promoções, com impacto na rentabilidade, ofuscaram um pouco o faturamento.

Os atacarejos, como são chamados, vêm se beneficiando da atual situação macroeconômica. Com o rendimento das famílias prejudicados, por oferecerem melhores preços, eles se tornaram a opção preferida de boa parte dos consumidores e ganharam boa fatia de mercado.

Para 2023, varejistas têm projeções divididas

Se 2022 foi um ano desafiador, 2023, por enquanto, divide opiniões.

“No geral, vemos as expectativas em relação ao primeiro trimestre de 2023 variando entre os segmentos, com varejistas de alta renda esperando manter tendências sólidas de crescimento e com uma postura otimista das plataformas de e-commerce após o acontecimento da Americanas (AMER3), pontua a equipe da XP. “Enquanto isso, a perspectiva para os resultados deve continuar desafiadora para varejistas de vestuário de média renda e companhias em processos de reestruturação e recuperação”.

No segmento de alta renda, a Vivara, por exemplo, vem aproveitando o momento para expandir seus negócios e pretende abrir uma série de unidades da sua subsidiária Life ainda neste ano. Já a Marisa, em meio às dificuldades, anunciou que irá fechar quase 90 lojas que dão prejuízo ou que são pouco rentáveis.

O Goldman Sachs, em relatório, destacou que a demanda por produtos duráveis começou 2023 “incrivelmente bem”, apesar de impactos como o do Carnaval.

“Isso ainda em um ambiente menos competitivo, especialmente no online, por conta dos desafios financeiros enfrentados pela Americanas, uma importante concorrente, mas também por mudanças tributárias”, explicaram os analistas, liderados por Irma Sgarz.

No vestuário, o banco americano afirmou ver uma “demanda inconstante”, sendo que as temperaturas dos próximos meses devem ficar no radar, podendo impactar o apetite pelas coleções de outono e de inverno.

“Acreditamos que essa tendência volátil, com demanda mais vulnerável do que o habitual a efeitos pontuais, reflete um consumidor que permanece pressionado pela alavancagem e pela inflação”, mencionam.

Para as varejistas de alimentos, por fim, as tendências são mais positivas, com os primeiros relatos apontando para aumento das cestas de consumos e troca de produtos.

“Acreditamos que o mercado continuará observando nervosamente os dados de inflação mês a mês em busca de sinais de aceleração de uma desinflação acima do esperado, que pode pesar no crescimento do atacarejo e na alavancagem operacional”, explicam.