Vale e o novo acordo: dividendos podem ter pressão, mas por dias melhores à frente

Analistas veem desdobramento positivo com acordo histórico por Mariana e veem um fator significativo de pressão sendo deixado para trás caso ele venha a ser assinado nesta semana

Lara Rizério

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O acordo que pode ser um catalisador para as ações da gigante de mineração brasileira está cada vez mais próximo.

Na última sexta-feira, a Vale (VALE3) divulgou um fato relevante com números atualizados para os termos gerais em discussão para a reparação pelo rompimento de barragem de mineração em Mariana (MG) após notícias de que um acordo poderia ser assinado no próximo dia 25. A mineradora ressaltou que nenhum acordo foi assinado ainda, enquanto o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, apontou que tem muita expectativa de que o acordo possa ser concluído neste mês.

O valor financeiro do acordo potencial, considerando obrigações passadas e futuras, totaliza R$ 170 bilhões.

Isso inclui: (i) R$ 38 bilhões em valores já investidos em medidas de remediação e compensação; (ii) R$ 100 bilhões a serem pagos em parcelas ao longo de 20 anos ao governo federal, aos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, bem como aos municípios para financiar programas compensatórios e ações vinculadas a políticas públicas; e (iii) R$ 32 bilhões em obrigações de desempenho pela Samarco, incluindo iniciativas de indenização individual, reassentamento e recuperação ambiental.

A Vale também estimou uma provisão adicional de aproximadamente R$ 5,3 bilhões (ou US$ 956 milhões), que deve ser adicionada aos passivos relacionados a Mariana nos resultados do 3T24 (a serem divulgados em 24 de outubro) —mas nenhum cronograma para os desembolsos foi divulgado ainda.

O Bradesco BBI lembra que, nos últimos meses, tanto a Vale quanto o governo brasileiro apresentaram propostas (e contrapropostas) para resolver a questão. Em dezembro de 2023, a Vale/BHP ofereceu R$ 42 bilhões (em dinheiro novo; acordo total: R$ 100 bilhões) para resolver o acordo, que foi rejeitado pelo governo. Depois disso, ambas as partes se envolveram em uma série de propostas, embora não tenham chegado a um consenso.

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Além disso, no 4T23, a Vale aumentou suas provisões relacionadas a Mariana em US$ 1,2 bilhão para US$ 4,2 bilhões. A última contraproposta da Vale aconteceu em junho de 2024, quando a empresa, juntamente com a BHP, apresentou um acordo de R$ 140 bilhões, incluindo R$ 37 bilhões em valores já investidos, um pagamento em dinheiro de R$ 82 bilhões a ser pago em 20 anos e R$ 21 bilhões adicionais em obrigações a serem cumpridas. No 2T24, a Vale tinha US$ 3,7 bilhões em provisões relacionadas a Mariana (+US$ 7,9 bilhões ou R$ 38 bilhões desembolsados nos últimos anos).

Capítulo final

O banco espera uma reação ligeiramente positiva do mercado para as ações da Vale, uma vez que o tão esperado acordo definitivo parece estar chegando a um capítulo final —o que remove uma pendência significativa em relação às ações da Vale.

Embora o cronograma de desembolsos permaneça incerto (na visão do banco, os R$ 32 bilhões em indenização poderiam ter uma duração menor de 2 a 3 anos), o BBI nota que a provisão adicional anunciada pela Vale de aproximadamente US$ 1,0 bilhão está dentro da expectativa do mercado de US$ 1,0 bilhão a US$ 2,0 bilhões (como o próprio BBI tem apontado em relatórios recentes – assumindo US$ 1,5 bilhão em seu modelo).

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O Itaú BBA avalia que este acordo, se fechado, é uma vitória para o governo e a sociedade, assim como para a Vale. “Se um acordo for de fato alcançado, será um dos maiores da história do Brasil”, aponta.

Para a Vale, as provisões adicionais necessárias (a serem feitas nos resultados do 3T24) definidas em US$ 956 milhões seriam menores do que a estimativa do banco (e de consenso) de US$ 2,5 bilhões. “Também saudamos o potencial fim de um dos overhangs [fatores de pressão para as ações] mais significativos nas ações dos últimos anos. Isso permitirá que a nova gestão se concentre totalmente nas estratégias operacionais de curto e longo prazo da empresa”, avalia.

O BBA, por sua vez, tem algumas questões. Embora o prazo para os R$ 100 bilhões em pagamentos em dinheiro seja de 20 anos, o banco acredita que as saídas podem ser um pouco mais concentradas nos primeiros 2-3 anos do acordo, provavelmente prejudicando a geração de FCF (fluxo de caixa livre) da Vale e limitando o pagamento de dividendos extraordinários no curtíssimo prazo.

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O Morgan Stanley também aponta que a estimativa da Vale de US$ 1 bilhão em passivos adicionais (2,1% de seu valor de mercado), que assume contribuição da Samarco, se compara favoravelmente às provisões incrementais de US$ 1,9 bilhão (4,1%) que o banco incluiu em seu modelo.

Assumindo nenhuma contribuição da Samarco, o acordo potencial adicionaria US$ 4,4 bilhões (9,7%) em passivos para a Vale, acima de sua estimativa e expectativas de mercado, que estima em cerca de US$ 3 bilhões. O banco lembra que a Vale apoiará a Samarco — a principal devedora — na reparação dos danos causados ​​pelo rompimento da barragem de Fundão sob a obrigação previamente acordada pelos acionistas de financiar até 50% dos valores que a Samarco eventualmente não financiar.

“Acreditamos firmemente que um acordo final é do melhor interesse de todas as partes interessadas — aquelas impactadas pelo trágico acidente; governos federal, estadual e municipal; e as empresas — e, portanto, esperamos que as partes se esforcem para chegar a um acordo nos próximos dias/semanas”, avalia o banco americano.

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Além disso, um acordo final e razoável, ao mesmo tempo em que limita o potencial de alta em dividendos especiais (já que a dívida líquida expandida da Vale chegaria perto do limite superior de sua meta de US$ 10-20 bilhões), provavelmente será um catalisador positivo para as ações que contribui para uma reclassificação de múltiplos ao remover uma fonte de incerteza.

O JPMorgan ressalta que a sociedade brasileira e outras partes afetadas ganham uma compensação material, o que poderia ser um passo importante para restabelecer um relacionamento saudável entre a Vale e as partes interessadas. “A questão não resolvida de Mariana foi um grande obstáculo para potenciais investidores na Vale. Encontrar uma solução final para isso, uma que representaria uma compensação substancial para a sociedade e, como tal, que abriria a porta para um melhor relacionamento com as partes interessadas, também é muito importante para o futuro da Vale. O valor geral da compensação já havia circulado na imprensa e as provisões adicionais estavam de acordo com as expectativas dos investidores. Uma vez assinado, acreditamos que o acordo final reduzirá o risco da narrativa da Vale, permitindo que os investidores se concentrem novamente nos fundamentos e nas perspectivas de negócios”, aponta o banco.

Na mesma linha, o Goldman Sachs vê que as incertezas em torno de um acordo final da Samarco são um dos principais riscos pendentes da Vale, e espera que um acordo definitivo permita que os investidores e a empresa se concentrem em outros catalisadores de resultados, incluindo a notável melhoria do desempenho operacional, o que por sua vez deve permitir uma reclassificação.

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Da perspectiva do balanço, a provisão adicional de US$ 1 bilhão aos atuais US$ 3,7 bilhões que já tem no balanço é vista como administrável, dado que a dívida líquida ainda estaria abaixo da meta de US$ 10-20 bilhões da empresa (e está próxima da extremidade inferior das expectativas dos investidores). A provisão adicional relativamente pequena em comparação com o acordo potencial é provavelmente explicada por 1) fluxos de caixa descontados (a parte de R$ 100 bilhões a ser paga em 20 anos); 2) a parte (R$ 38 bilhões) já desembolsada e 3) alguma contribuição da Samarco.

“Mas notamos que há um desembolso de caixa significativo necessário nos primeiros anos relacionado à indenização individual e recuperação ambiental (estimamos em cerca de US$ 1,5 bilhão por ano para a Vale nos próximos dois anos, dado que a empresa disse que cumpriria R$ 32 bilhões em obrigações de desempenho no curto prazo)”, apontam os analistas do banco.

Os investidores também observarão os casos de ação coletiva em andamento no Reino Unido e na Holanda evoluem em vista de um acordo potencial no Brasil, cita o Goldman, que tem compra para as ações de Vale e vê espaço para uma recuperação do preço das ações em vista do desempenho inferior recente em relação aos pares e aos preços do minério de ferro.

O BBI também tem compra e ressalta que a perspectiva a partir da empresa melhorou significativamente nos últimos meses, com o novo CEO e um potencial acordo de Mariana sendo eventos importantes de redução de risco para a tese. Finalmente, o valuation da Vale continua atraente, com as ações sendo negociadas a 3,8 vezes o EV (valor da firma)/Ebitda estimado para 2025 (considerando o minério de ferro em US$ 105/tonelada em média). JPMorgan, BBA e Morgan Stanley também têm recomendação de compra ou equivalente para as ações da mineradora.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.