Trump despertou os espíritos animais do mercado, mas cenário “maligno” tende a preponderar, diz Canuto

Em entrevista exclusiva para o InfoMoney, diretor brasileiro do Banco Mundial apontou para uma probabilidade do cenário menos benigno prosperar - e também traça cenário para o Brasil

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O grande dia chegou. Mais de dois meses após ser eleito, Donald Trump finalmente assumirá o seu lugar na Casa Branca – e promete fazer uma verdadeira revolução no mix de política econômica, ou “chutar o pau da barraca”, como vem destacando o Otaviano Canuto, diretor Executivo do Banco Mundial para o Brasil e outros 8 países. 

Em entrevista ao InfoMoney, o economista apontou que essa revolução terá fortes impactos para o cenário mundial. E por enquanto, o que vem se desenhando é um cenário mais “maligno” do que “benigno” nas políticas de Trump, com os sinais convergindo para a implantação de maior protecionismo através da “border tax” (tarifas de importação mais altas), enquanto os sinais que foram “altistas” para os mercados logo após as eleições – como expansão fiscal e desregulamentação – se diluíram ou, mesmo se implantados, devem demorar para acontecer. 

“Os espíritos animais foram reanimados com a perspectiva de saída do marasmo, do impasse da combinação de políticas fiscal e monetária que os EUA estavam mergulhados nos últimos anos. Mas, assim como no caso da promessa fiscal, a desregulamentação não acontecerá da noite para o dia”, afirma o economista.

Canuto também aponta que agora, o cenário que se aponta, não só como nos EUA como na Europa, é de uma maior atenção dos investidores ao cenário político para as decisões de investimento e, por enquanto, o que se desenhou até agora foi incerteza para os mercados. Com isso, o Brasil pode ser fortemente afetado, mas nós temos uma defesa: apostar na nossa agenda de reformas. 

Confira os destaques da entrevista concedida ao InfoMoney por Canuto:

InfoMoney – Em novembro, o senhor destacou um cenário para o governo Donald Trump em que haveria elevação dos gastos fiscais com infraestrutura, o que poderia se traduzir em crescimento econômico ou aumento de inflação. Outra questão era o aumento do protecionismo. Dois meses depois e em meio aos sinais emitidos pelo presidente eleito, qual é a sua avaliação sobre como será o governo Trump?

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Otaviano Canuto – Os sinais se reforçam pelo lado maligno. Há incerteza sobre o cenário com Trump, que continua elevada não somente pelos tuítes, mas também pelas nomeações e as primeiras declarações dos principais candidatos aos postos-chaves durante os seus testemunhos para o Congresso. Daquilo que havia destacado na época, aponto que o cenário que se desenha é que Trump realmente fará uma reforma tributária com forte viés anti-importações. A proposta do “border tax” aumentará os incentivos tributários contra as importações e favorecerá a produção local. Em última instância, essa medida vai ser parcialmente compensada pela valorização do dólar, mas o efeito líquido vai ser o encarecimento de importações e um favorecimento à substituição de importações nos EUA.

Isso afeta diretamente a produção de quem está fora, principalmente de mercados emergentes e daqueles países que têm uma produção associada às cadeias globais de valor. Isso levará a um impacto em países como México, China e Coreia do Sul certamente, implicando num efeito negativo que já está acontecendo, uma vez que as decisões de investimento, de ampliação de escala de produção têm sido suspensas em função da espera para ver o que será a política comercial do Trump.

Em meio ao cenário de valorização do dólar, haverá um efeito imediato de encarecimento nos recursos externos para países emergentes dependentes de financiamento na moeda. Desta forma, países deficitários e com grandes passivos na divisa americana vão sofrer o impacto, caso de África do Sul, Turquia e Polônia.

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Tem também o fato de que, se o efeito inflacionário da reforma de tributos corporativos americanos levar a uma subida nas expectativas de inflação na economia, tende a a gerar um aumento na taxa de juros no longo prazo. Desta forma, o impacto direto no comércio pelo endurecimento das condições de financiamento externo levarão a um impacto bastante significativo para as economias emergentes.

IM – Qual seria o lado benigno  para os mercados emergentes?

OC – Se, por um lado, há uma expectativa de impacto significativo grande pelo lado “maligno”, por outro lado o lado “benigno” tenderia a compensar, através do programa fiscal para acelerar o crescimento dos Estados Unidos.

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Neste sentido, vale apontar que há uma questão controversa sobre o quão próxima do pleno emprego está a economia americana. Se, por um lado, caiu muito a taxa de desemprego involuntário nos últimos anos, por outro lado destaca-se que houve uma queda brutal na taxa de participação da população na força de trabalho disponível, fenômeno que veio desde a crise de 2008 e que não foi revertido por desalento ou outros fatores similares. É aí que repousa a promessa de Trump e de outros republicanos de que o crescimento pode ser ainda maior do que o apresentado e também a promessa original de elevar o ritmo de crescimento da economia americana até o nível de 4%, de modo a enterrar decisivamente a hipótese de estagnação secular.

Esse lado é apontado como “benigno” porque muitas instituições como o FMI já vinham preconizando um uso mais agressivo de política fiscal nos EUA como complemento e até como substituição à política monetária frouxa. E, verdade seja dita, o governo Obama até tentou fazer isso, mas foi refugado pelo Congresso. Agora, a expectativa é de que o Congresso Republicano assuma outra postura e seja mais condescendente à demanda do Executivo ao aprovar um programa fiscal expansivo, inclusive em infraestrutura.

Contudo, há um aspecto importante a considerar mesmo com esse cenário de apoio no Congresso e a disposição do Trump em cumprir aquilo que Obama não conseguiu: isso vai levar algum tempo, não é da noite pra o dia. Não se põe um plano de investimentos em infraestrutura em prática sem um trabalho de detalhamento que ainda vai levar algum tempo. Dessa forma,  esse impulso fiscal não ocorreria imediatamente.

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IM – O quanto isso pode mudar as expectativas dos agentes sobre o governo?

OC – O fato é de que os espíritos animais –  com a simples expectativa de um plano de expansão fiscal que possa ser exequível na implementação – estão otimistas, como é o caso de pequenas e médias empresas nos EUA. O que casa com outro componente explicativo dos “espíritos animais” acesos é a promessa de desregulamentação, uma vez que há um sentimento no mundo das pequenas e médias americanas que a carga de regulamentações tem sido excessiva nos últimos tempos. Alguns setores associados à energia, gás de xisto e formados por empresas menores estão mostrando otimismo em níveis que não eram vistos desde 1980.

Assim, os espíritos animais foram reanimados com a perspectiva de saída do marasmo, do impasse da combinação de políticas fiscal e monetária que o país estava mergulhado nos últimos anos. Mas, assim como no caso da promessa fiscal, a desregulamentação não acontecerá da noite para o dia. Podemos ver pelo Obamacare que não é algo simples ou fácil, até porque não haverá ousadia de deixar descoberto um contingente enorme de americanos que passou a ser incorporado com o programa. Como eles vão fazer o ajuste é algo que não está definido e o diabo mora nos detalhes.

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A parcela desse otimismo das grandes e médias empresas diz respeito a essa percepção de que o ambiente para operar ficará mais fluido. Então, a promessa de programa de investimento em detalhes ainda não está clara, assim como não se sabe como se dará a presença privada nessa “onda”. 

E foi isso que explicou em grande medida a evolução de preços de ativos desde novembro para cá. Quando se vê os valores de ações, subiram brutalmente os de energia, materiais básicos, os de bancos e outras instituições financeiras. A expectativa é de que o programa de desregulamentação também elimine os supostos excessos da regulamentação Dodd-Frank (regulamentação da indústria financeira), enquanto que outros setores, como de biotecnologia e farmacêuticos foram afetados negativamente.

Porém, desde o começo do ano, os preços de ativos se estabilizaram razoavelmente em um compasso de “estamos esperando para ver o que vai acontecer”. Mas, dependendo do conteúdo concreto e efetivo do que for apresentado pelo governo quando começar, pode haver o risco de um ajuste para baixo porque o otimismo foi muito exagerado. Particularmente, se o lado maligno das declarações dominar e também houver dificuldades de implementação do lado benigno, os ativos podem devolver boa parte da valorização que ocorreu do ano passado para cá.

IM – No cenário atual, há uma probabilidade maior de preponderar as políticas malignas globalmente do que as benignas?

OC – A julgar pelo sentimento imediato depois das eleições, o destaque após o pleito foi o anúncio de que Trump perseguiria uma política fiscal mais expansionista e investimentos em infraestrutura, além de poucas referências protecionistas, levando à percepção de que ele iria deixar isso para trás. Mas, de lá para cá, os poucos sinais que existem são na direção de que o presidente eleito realmente pretende ter uma política protecionista.

Há dois cenários, do Trump moderado ou radical. No cenário moderado, Trump se limitaria a fazer queda de braço pontuais, em setores cujo simbolismo no noticiário fosse favorável, como é o caso da indústria automobilística. Mas os sinais se fortalecem no sentido de uma política protecionista mais ampla. Contudo, também devemos levar em conta que haverá respostas dos parceiros, da China, enquanto mexicanos já falam em retaliação com aumento de impostos de importação sobre produtos dos EUA. Assim, o cenário não vai estar minimamente constituído antes que vejamos também as reações possíveis dos principais afetados comercialmente pelo protecionismo do governo Trump.

IM – No caso do Brasil, qual é o efeito dessas medidas? Porque o mercado teve um “baque” com a eleição do Trump e depois se acalmou, voltando para o patamar anterior ao pleito. Á medida que o Trump for dando mais sinais agora como presidente efetivo, pode haver um ajuste e um temor maior?

OC – No caso do Brasil, há fatores idiossincráticos que pesam muito fortemente. A decisão do Banco Central [de acelerar o passo do corte de juros, para 0,75 ponto percentual] fortalece a expectativa de que o fundo do poço chegou, que há uma certa convergência de expectativas de que a economia deve crescer 0,5% este ano.

A despeito de todo o ruído político e até dessa crise institucional associada a presídios, a verdade é que o governo está conseguindo fazer as reformas que prometeu, implementá-las num ritmo particularmente acentuado. A aprovação da PEC do teto não foi pouca coisa, houve o encaminhamento da reforma previdenciária, além das medidas microeconômicas anunciadas pelo governo, o que fortaleceu a expectativa de que, a despeito de instabilidade em outras áreas, a agenda de reformas avança. Isso certamente teve um efeito positivo sobre as ações no Brasil.

IM –  Mas até agora estava num cenário de esperar para ver o Trump assumir. Com esse cenário de inflação mais alta com Trump, os EUA vão passar a preponderar no noticiário ou o cenário brasileiro que ainda vai dar o tom? O BC, por exemplo, poderia reavaliar a sua política monetária?

OC – O Fed vai continuar sendo cauteloso na elevação dos juros e essa é a variável central. Alguns dos presidentes do Fed já incorporam algum grau de estímulo fiscal nas projeções, mas o grau de estímulo fiscal é baixo porque eles levam justamente em conta as dificuldades de implementação. Nem o impacto imediato das expectativas de inflação nos EUA nem mesmo a esperada virada na política fiscal levariam a autoridade monetária a mudar muito a trajetória de juros em relação ao que está embutido nos comentários dos membros do Fomc. Neste sentido, embora o cenário do ponto de vista de custo de juros externos seja para cima, pode ser muito bem ser compensado por uma continuidade de avanços na agenda doméstica.

A grande dúvida se deu quanto ao grau de vulnerabilidade do setor corporativo brasileiro à subida de juros, uma história já cantada há algum tempo. Parte da profundidade da recessão brasileira e a demora na retomada reflete em grande medida um processo de desalavancagem de empresas. Portanto, hoje, o grau de vulnerabilidade do setor corporativo brasileiro à subida de juros nos EUA é até menor do que nos anos anteriores. Não estou dizendo que tem chances de ser reduzida a zero ou a níveis insignificantes, mas ela é bem menor do que antes.

Então o meu ponto é que se a agenda de reformas, previdência e a continuidade de reformas microeconômicas que foram anunciadas se mantiver, isso vai ser em grande medida suficiente para atenuar a tendência negativa que pode se materializar em um cenário de taxas de juros mais altas nos EUA.

IM – Ironicamente, por ser um país fechado, o Brasil pode não ser tão afetado quanto os outros emergentes? Ou, por outro lado, as revisões das políticas comerciais brasileiras podem ser afetadas com esse ambiente mundial mais protecionista?

OC – O malefício desse cenário protecionista fora do Brasil vai afetar negativamente o País, por não favorecer os interesses de racionalização unilateral por parte do Brasil. Espero que não seja o caso porque, dado o grau de fechamento da economia brasileira, dadas as características desse fechamento o principal afetado negativamente é o próprio País. E está mais do que na hora de passar um pente fino em grande parte do aparato de medidas econômicas que reforçam o fechamento do Brasil. 

Mas evidentemente, como todos os movimentos dessa natureza, existem as partes interessadas que se beneficiam individualmente, embora com prejuízo para o conjunto de proteção. Essas partes interessadas são muito vocais, defendem seus interesses peculiares em detrimento ao benefício global e vão tentar se fortalecer na sua defesa aludindo ao clima, ao protecionismo de fora do Brasil. Eu temo por essa onda protecionista afetando o Brasil, senão menos diretamente por que é uma economia fechada ou indiretamente se ela se traduzir em menos força para aqueles que defendem uma racionalização em termos daquilo que existe em termos de proteção comercial no Brasil. Não sairemos ilesos dessa.

Um clima beligerante com o maior protecionismo pode eventualmente gerar efeitos colaterais lá fora e o Brasil também pode sofrer. De repente, alguém começa a implementar políticas protecionistas num setor como aço e agricultura. Assim o Brasil, mesmo sem ser o objeto direto, pode ser prejudicado. Definitivamente, não dá para ter esperanças de que o Brasil passará incólume de uma onda protecionista do lado de fora. O efeito não é apenas imediato e direto. É claro que o efeito imediato e direto é substancial nos países que estão integrados ao mercado americano, mas sobra para todo mundo se as principais economias entrarem numa rota de protecionismo e nacionalismo.

IM – É a tendência que está se desenhando, como podemos observar também na Europa?  

OC – A probabilidade de um cenário de nacionalismo e de fechamento só aumentou.

IM – E o efeito para o Brasil, que estava tentando se abrir?

OC – Na verdade nem começamos a nos abrir, nós começamos a fazer uma revisão de aspectos completamente esdrúxulos das nossas políticas e também de custos, sem benefícios do aparato de proteção comercial que foi estendido nos últimos anos. A política de conteúdo nacional em vários segmentos, no caso da produção da Petrobras e em outras áreas revelou-se sem dar resultados favoráveis e de enorme custo. Estávamos começando um processo de revisão desse arcabouço de proteção que foi intensificado. Essa é a esperança de que, na contramão daquilo que diz respeito a ambiente de negócios internacionais, que o bom senso continue a prevalecer e essa revisão continue. Mas o “caldo de cultura” ficará menos favorável do que poderia ser.

IM – Muitos analistas traçaram um paralelo entre as políticas protecionistas que Trump quer adotar e as regras para favorecer o conteúdo local adotadas pelo Brasil? Quais são as semelhanças e as diferenças?

OC – Esse paralelo é interessante e em grande medida se justifica porque os movimentos de redirecionamento da política comercial e de conteúdo nacional vão na mesma direção. As diferenças são do grau em grande medida, porque a ambição no caso brasileiro foi muito elevada. Nós radicalizamos no uso desses instrumentos, enquanto no caso do Trump o que há de concreto é o border tax que, dependendo do patamar, pode ser algo com grande impacto ou não. Há uma diferença de grau muito grande e, no caso dos EUA, embora tenha efeitos setoriais diferenciados, é menos intenso do que o conteúdo nacional implantado em setores específicos brasileiros.

Ou seja, o grau de discricionariedade na implementação dessas políticas de conteúdo nacional no caso brasileiro é muito maior que aquele envolvido numa border tax. Ou seja, o grau de protecionismo no caso americano, em termos relativos, ainda parece pequeno perto daquilo que foi aplicado no Brasil. Além disso, a capacidade de absorção em termos inflacionários, de ruptura das estruturas produtivas e de distorção de preços talvez venha a ser bem menor do que no caso brasileiro. Agora, o paralelo é correto na extensão em que as políticas apontam para direções similares.

Um exemplo concreto: uma border tax pode ter impacto inflacionário nos preços de automóveis nos EUA, mas seria bem menor em termos relativos do que mandar a Petrobras se abastecer com sondas locais. Pode ser na margem menos difícil para a Ford adaptar seu processos produtivos do que os efeitos de processos de produção sendo internalizados no Brasil nas circunstâncias em que se fez. Tem uma questão de grau que diferencia o possível protecionismo do Trump em relação ao que foi feito no Brasil. Não é uma algo mandatório nos EUA, de impedir importações para somente permitir a produção doméstica. Como o mecanismo de ajuste será via preços, isso dá uma margem de manobra maior para os agentes econômicos americanos ajustarem o seu processo de produção.

IM – Você falou das possibilidades desenhadas para o cenário benigno ou maligno. Qual seria o melhor cenário para o Brasil?

OC – O cenário mais benigno seria o Trump focalizar no impulso fiscal, que seria implementado apenas gradualmente. Isso forçaria o ritmo de crescimento da economia americana. É evidente que isso tenderia a gerar um aumento no déficit em conta corrente americano, mas não é um problema maior hoje. Isso ajudaria os próprios países europeus a saírem do quadro de baixo crescimento em que estão, o que beneficiaria o mundo. Seria uma contribuição da economia americana a mudar, a diminuir os receios sobre a estagnação secular. Como esse processo será implementado gradualmente, haveria mais tempo para que esse ritmo pudesse ser administrado, com menor probabilidade de ruptura. Esse seria o cenário benigno, com o protecionismo sendo principalmente simbólico.

O cenário maligno ou o cenário de maior stress seria principalmente de inflação e implosão das importações nos EUA. E mais, esse cenário pode se desdobrar, não é uma coisa que vai ficar definida imediatamente após as eleições, porque a pressão por protecionismo pode até crescer com o passar do tempo, principalmente se o estímulo doméstico resultar em ampliação do déficit em conta corrente. Há desdobramentos da política econômica que só ficarão claros com o passar do tempo.

IM – Trump faz muitas declarações pelo Twitter, algumas falando de empresas e as ações caem ou sobem dependendo do que ele fala. Até a relação entre os países é afetada, com declarações sobre a China principalmente. As pessoas vão olhar muito mais para a política e para a atuação de Trump para tomar decisões de investimento do que estavam olhando nos últimos oito anos com Obama?

OC – Certamente, mas resta ver em que medida a comunicação do presidente e de quem está do lado dele passará a ser depois da posse, com menos tuítes e mais anúncios concretos. Só falta agora a gente começar a ver tuítes do presidente sendo contraditados pelos membros-chave do próprio governo Trump, coisa que aconteceu parcialmente agora com os depoimentos para o Congresso.

Resta saber como vai ser a normalidade da comunicação e da elaboração de políticas no governo Trump e há o lado externo também. Há outras fronteiras de risco geopolítico que continuam em aberto, com questões sobre como será a dureza do Brexit, como serão as eleições na Alemanha e na França e as eventuais orientações de políticas da Europa continental. Em certa medida, há uma exacerbação dessa dimensão política, já que num quadro de exacerbação de políticas nacionais é evidente o espaço para preferências setoriais por parte dos governos, que cresceu e que vai crescer. Então, o papel dos analistas políticos definitivamente aumentou na análise de decisões de investimento. 

IM – O Brasil de uma certa forma esteve na vanguarda deste movimento, uma vez que desde 2014 nós estamos olhando mais para o noticiário político do que para o econômico para tomar as decisões de investimento?

OC – Sim. Mas não podemos negar que, na verdade, não existe mercado puro, não existe total separação. Existe imbricação entre mercado e estado, mas existem formas e formas de se fazer isso. O que a experiência brasileira mostrou é que o exercício do voluntarismo em relação a setores e empresas foi muito longe e deu no que deu.

Se o pessoal [outros países do mundo] estudasse o caso brasileiro recente, daria margem para ficar preocupado com os efeitos desse voluntarismo que parece estar se desenhando lá fora também. Concordo que, de certa maneira, nós deveríamos ser um estudo de caso de como não fazer.

IM -Em novembro, você falou que o Trump iria chutar o pau da barraca. Você mantém sua avaliação? Além disso, gostaria de saber se o Brasil deve temer o Trump ou se o risco, caso a agenda de reformas for implementada com sucesso, será bastante mitigado.

OC –  Quando falei “chutar o pau de barraca”, eu me referi principalmente a essa promessa de mudar o mix de políticas, de finalmente a política fiscal ter um papel mais pró-ativo. Não por conta de diferença de concepção pois, como eu disse anteriormente, o Obama até tentou fazer o Congresso dar apoio ao programa de infraestrutura que ele tinha. A diferença é que o cenário pós-eleições deu, para além do Executivo, o Congresso simpático ou mais favorável ao exercício desse desejo de mudar o mix de política econômica.

O Trump pode muito bem chutar o pau da barraca no sentido de uma vez por todas testar as medidas. Mas vale ressaltar que chutar o pau da barraca não é necessariamente uma coisa positiva, como alguns entenderam. Do lado do protecionismo, chutar o pau da barraca pode significar que a barraca está em cima da cabeça das pessoas. E se ele seguir adiante com as propostas, com um cenário radical de protecionismo, vai sobrar para todo mundo. O resultado será ruim do ponto de vista global. Por mais que alguns ganhem ali ou acolá, ninguém pode associar um cenário benigno a um recrudescimento do protecionismo.

Quanto a nós do Brasil, tem um olho aqui, mas não podemos perder de vista que o peso da agenda doméstica é maior do que nunca. Continuar com a agenda de reformas, o ajuste fiscal, com o leque de reformas microeconômicas que se iniciou e o que inclui uma revisita de uma racionalização do que existe por parte das reformas microeconômicas aquilo que existe como proteção comercial que não funcionou. Quanto mais avançarmos na nossa agenda de reformas fiscal, mas a gente se protege das turbulências financeiras e quanto mais a gente avançar nas reformas microeconômicas, o que inclui as reformas de política comercial, mais a gente vai favorecer o aumento da produtividade do Brasil, que é a melhor defesa possível em qualquer cenário. Não é algo binário, de não precisarmos nos preocupar. Mas a melhor defesa para nós hoje é apostar na agenda positiva doméstica.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.