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O programa habitacional “Pode Entrar”, da prefeitura de São Paulo, deve decidir sobre as empresas participantes até o final da semana e pode ser um marco para muitas delas, de acordo com analistas especializados no setor de construção civil.
O “Pode Entrar” estima que o programa deverá contratar 40 mil apartamentos, com investimentos de R$ 8 bilhões, o que tem despertado uma enorme quantidade de apetite entre os agentes de baixa renda, tais como Direcional (DIRR3), MRV (MRVE3), Plano & Plano (PLPL3) e Tenda (TEND3)), para os quais as propostas totalizam 104 mil unidades. O programa habitacional paulista estabelece o pagamento de 15% em dinheiro e 85% até a entrega das unidades.
Uma vez definidas as companhias que poderão passar à fase de contratação, elas terão que provar sua capacidade para realizar os projetos, o que deverá levar pelo menos 30 dias.
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“Este é um gatilho muito esperado para a Tenda e MRV. Se as propostas destas empresas forem realmente vencedoras, isto pode representar uma boa entrada de recursos e um alívio considerável em termos de endividamento das empresas”, aponta o Bradesco BBI.
De acordo com analistas do banco, o grande apetite pelo programa “Pode Entrar” pode ser explicado por garantias de que não haverá falta de fundos do orçamento municipal para obras de construção – um problema que muitas vezes tem prejudicado as faixas de renda mais baixas do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) do governo federal. Além disso, o programa proporcionará correções monetárias em relação aos fluxos de pagamento com base na inflação.
Em teleconferência após os resultados do quarto trimestre de 2022 (4T22), as empresas que podem angariar esses projetos comentaram o tema. Eduardo Fischer, co-presidente da MRV, disse que a companhia entrou com mais de 6 mil unidades para participar do programa.
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“A gente está bem situado para ganhar uma parte de dessas unidades que protocolou”, citou. Ele disse que são obras com margem bruta menor, mas com margem líquida maior, fora antecipação de recursos previstos. A MRV elogiou o modelo do programa que é favorável na geração de caixa.
A Tenda, por sua vez, apresentou proposta para cerca de 7 mil unidades no programa de habitação da prefeitura paulistana.
Segundo disse Rodrigo Osmo, CEO da companhia, ainda deve haver muita disputa, uma vez que foram oferecidas 104 mil unidades, mas somente 40 mil serão selecionadas. Osmo ressaltou que a companhia tem evitado criar expectativa porque o programa foi criado recentemente e não há parâmetros. “Mas digamos que a gente tenha uma chance média de ganhar. Ou seja, a gente poderia ter 40% de chance de ganhar com cada uma das propostas que a gente apresentou”, explica ele.
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“Como a gente apresentou (projeto) de 7.400 unidades, 40% disso são 3 mil unidades. O preço médio (por unidade) é um pouco mais de R$ 200 mil. Se a gente ganhar, estamos falando em R$ 600 milhões – é mais do que a dívida líquida da Tenda, que é de R$ 500 milhões”, calculou. “Não queremos contar com isso, mas se acontecer será muito bem-vindo”, acrescentou.
Já a Direcional afirmou que aguarda posição sobre sua proposta entregue para a concorrência. Ricardo Gontijo, CEO da companhia, disse que a construtora está “confortável” com o programa municipal, que considerou de baixo risco de recebimento do pagamento. Plano&Plano, também com possibilidade de ganhos caso participe do programa, divulgará seus resultados na noite desta quinta-feira e deverá abordar o tema em teleconferência de balanço, na próxima sexta-feira, às 15h (horário de Brasília).
Em meio à tanta expectativa, quão transformacional deve ser esse programa para as companhias?
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Em relatório, o BTG Pactual reiterou que ainda não se sabe quantos empreendimentos, unidades e valores cada empresa vai
vender no programa. No entanto, sinaliza que esse valor pode ser um divisor de águas para muitas empresas, principalmente (i) Tenda, cuja alavancagem pode diminuir bastante com sua participação no programa (com os projetos inscritos representando 130% do valor da empresa, ou EV); e (ii) Plano&Plano (78% dos lançamentos de 2023 ou 150% do seu EV).
O BTG destaca ainda a distribuição dos empreendimentos cadastrados pelas construtoras populares listadas: (i) empreendimentos imobiliários cadastrados pela MRV em três zonas de São Paulo (Leste, Norte, Sul), representando 6,3 mil residências ou R$ 1,1 bilhão (13% dos lançamentos previstos para 2023); (ii) a Tenda fez exatamente o mesmo, totalizando 7,4 mil residências ou R$ 1,5 bilhão (60% dos lançamentos previstos para 2023); (iii) projetos habitacionais cadastrados pela Direcional em outras três regiões (leste, oeste, sul), totalizando 3,1 mil residências no valor de R$ 640 milhões (16% dos lançamentos previstos para 2023); e por fim (iv) Plano&Plano inscreveu empreendimentos habitacionais em quatro zonas (leste, centro, norte, sul), totalizando 7,8 mil residências no valor de R$ 1,5 bilhão (78% dos lançamentos previstos para 2023).
“O processo seletivo ainda não foi finalizado, mas as empresas que podem entrar mais expostas são a Plano&Plano e a Tenda. O programa pode ser positivo para Tenda e MRV, pois o fluxo de caixa de seus novos projetos pode reduzir sua alta alavancagem”, avaliam. Os analistas reafirmam sua visão mais positiva sobre as construtoras de baixa renda dentro do setor.
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O banco destaca ainda que as construtoras cujos projetos forem aceitos terão acesso a uma conta caução contendo o valor de venda dos projetos, que será cobrado à medida que as obras avançam. O programa compreende duas faixas de renda: (i) Grupo 1 para famílias com renda de até 3 salários mínimos (com parcelamento ou aluguel de até 15% da renda); e (ii) Grupo 2 dirigido a agregados familiares com rendimentos até 6 salários mínimos, que receberão subsídios na compra de casa.
Também de olho na possível melhora da alavancagem das companhias, o BBI também descreve o programa como um possível “divisor de águas” para Tenda, que enfrentou problemas de caixa e de rentabilidade nos últimos trimestres. Além de Tenda, o banco aponta MRV (que também passou ultimamente por problemas de caixa) entre as principais beneficiadas.
Em análise de sensibilidade, os analistas do banco apontam que, se a Tenda ganhar 50% de sua oferta de R$ 1,5 bilhão, a relação entre dívida e patrimônio (debt-to-equity, ou D/E) da empresa seria de -35% (caixa líquido). Embora o banco não tenha certeza sobre o momento em que os recursos entrarão, espera que seja ainda em 2023.
Isso significa que a Tenda poderia montar um colchão de cerca de R$ 700 milhões abaixo de seu menor covenant (cláusulas contratuais junto às instituições financeiras credoras) de 50% D/E no 1T24, o que os analistas veem como uma mudança de jogo para o risco percebido para a tese da empresa. Já o impacto é menor para a MRV, mas também é positivo, já que a empresa está quase na regra para acionar o covenant (63% no fechamento de 2022, contra o covenant de 65%).
Os covenants são cláusulas de garantia em contratos de financiamento ou empréstimos que servem para proteger os interesses dos credores, impondo obrigações que não podem ser descumpridas pelos devedores, como aumentar muito a alavancagem financeira (dívida/Ebitda ou dívida/patrimônio líquido), ou até mesmo mudanças no quadro acionário.
Quando descumpridos, os covenants dão direito ao credor a possibilidade de executar a dívida antecipadamente. Dessa forma, essas cláusulas ajudam a reduzir o risco do não pagamento da dívida, já que os credores podem tentar recuperar seu dinheiro quando as empresas começam a apresentar problemas, além facilitar o acesso ao crédito de quem precisa.
Dito isto, para os analista do BBI, Tenda e MRV devem se beneficiar mais, já que a alavancagem financeira é a principal preocupação em seus casos.