Temores de estagflação, restrições na China e fatores domésticos voltam a elevar percepção de risco do mercado

Após alívio no mês de maio, fatores de risco voltaram a tomar conta do mercado em junho, com a principal atenção voltada para inflação ainda resiliente

Lara Rizério

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As falas mais “hawkish” – ou seja, mostrando maior preocupação com inflação – do Banco Central Europeu (BCE) na última quinta-feira (9), logo após a sua decisão de política monetária, foram um prenúncio do que seria uma nova onda de aversão ao risco global, que se estendeu no final da semana passada e no começo desta.

Na sequência, os dados de inflação nos Estados Unidos, divulgados na manhã de sexta-feira (10), contribuíram para uma sessão de forte queda para os mercados pelo mundo. Isso levou a uma expectativa de alta de juros mais agressiva pelos integrantes do mercado para a próxima decisão do Federal Open Market Committee, que se reúne na próxima quarta-feira (15). Nesta semana, por sinal, a sinalização de que uma alta de 0,75 ponto percentual nos juros já na próxima reunião começou a ganhar força, o que ajudou a elevar o risco do mercado.

Ao mesmo tempo, como de uma certa forma já era esperado pelos investidores, as novas restrições na China com os novos surtos de Covid-19 reavivam os temores de que os lockdowns reduzam a demanda no maior produtor de aço do mundo, impactando notoriamente as ações de mineração e siderurgia por aqui. As restrições, ainda que possam diminuir a demanda por commodities, o que geraria alívio aos preços, elevam porém as previsões de inflação uma vez que travam as movimentações em importantes portos.

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Mas, antes mesmo destes acontecimentos, no começo da semana passada o cenário de aversão ao risco já havia preponderado no Brasil. Este sentimento aumentou em meio a incerteza sobre novas propostas que podem comprometer a saúde das ainda fragilizadas contas públicas nacionais. No início da semana passada, o anúncio pelo governo federal de que o governo está disposto a zerar impostos federais cobrados sobre gasolina, gás, etanol e diesel, em troca de uma redução da carga cobrada pelos entes federativos, que seriam ressarcidos pelo governo federal, abalou o mercado de câmbio e de juros. 

Com isso, desde terça-feira da semana passada (7) até segunda-feira (13), o Ibovespa teve uma baixa de 6,9%, saindo da casa de 110 mil pontos para 102 mil, enquanto o dólar saltou 6,6%, indo de R$ 4,80 para R$ 5,11, no mesmo período, refletindo este cenário de maior aversão ao risco.

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Confira abaixo os riscos que vêm dominando o mercado deste a semana passada:

BCE: maiores altas de juros no radar

Na última quinta-feira, o Banco Central Europeu (BCE) decidiu manter sua taxa de refinanciamento em 0%, a de depósitos em -0,50% e a de empréstimo em 0,25%. Apesar da manutenção, o BCE deixou claro em seu comunicado o compromisso de elevar as taxas em julho e também em setembro, sinalizando que depois disso um ritmo “gradual mas sustentado de altas de juros será apropriado”.

O comunicado do BCE já começa afirmando que “a inflação elevada é um grande desafio para todos nós” e reafirma a intenção de levá-la de volta à meta de 2%.

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Em maio, a inflação “subiu de modo significativo”, aponta o texto, citando sobretudo os preços de energia e alimentos como responsáveis, diante dos impactos da guerra da Rússia na Ucrânia. “Mas as pressões inflacionárias têm se disseminado e intensificado, com preços de muitos bens e serviços aumentando fortemente”, diz o BCE, que elevou projeções para a inflação neste ano, em 2023 e 2024 e cortou as do PIB da zona do euro neste ano e no próximo.

Em coletiva, Christine Lagarde, presidente da autoridade monetária, não descartou um aumento de 50 pontos-base (pb.) do juro na zona do euro em setembro. Antes disso, a sinalização é de elevação dos juros em 0,25 ponto na reunião de julho.De acordo com ela, o ritmo de alta dependerá da perspectiva inflacionária. Caso ela se deteriore até lá, é possível que um aumento mais agressivo seja apropriado, disse.

Com base nas expectativas de uma perspectiva de crescimento benigna e de desconforto crescente com a inflação mais alta, o Morgan Stanley passou a prever uma elevação dos juros pelo BCE de 0,5 ponto percentual em setembro e um aumento adicional de 0,25 ponto em outubro.

Inflação nos EUA eleva sinais de alta mais forte nos juros

Antes de iniciarem seu período de silêncio pré-reunião em 4 de junho, os dirigentes do Fed sinalizaram que estavam preparados para aumentar as taxas de juros em meio ponto porcentual nesta semana e novamente em sua reunião em julho. Mas eles também disseram que suas perspectivas dependiam da evolução da economia.

O índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) divulgado na sexta-feira passada mostrou um salto maior nos preços em maio do que as autoridades previam. Com isso, alguns analistas de Wall Street, incluindo os bancos de investimento Barclays e Jefferies, disseram na sexta-feira, após a divulgação dos dados de inflação, que esperavam que o Fed aumentasse as taxas em 0,75 ponto porcentual nesta semana.

“Acreditamos que as considerações de gestão de risco exigem ação agressiva para reforçar a credibilidade do Fed no combate à inflação”, escreveram economistas do Barclays em um relatório na segunda-feira. Embora tal movimento “vai contra as comunicações que levam ao período de apagão”, o relatório disse que “os riscos de inflação prolongada se intensificaram”, justificando o aumento maior da taxa.

O Goldman Sachs também mudou suas projeções, destacando um artigo no Wall Street Journal de Nick Timiraos de que as autoridades do Fed provavelmente “considerarão um aumento da taxa de juros de 0,75 ponto percentual na reunião desta semana”. O artigo, aponta o banco, difere de outra publicação de Timiraos de apenas um ia antes, que havia caracterizado tal movimento como “improvável”.

“Nosso melhor palpite é, portanto, que o artigo é uma dica do Fed de que uma alta de 75 pontos-base está chegando na reunião de junho do Fomc, na próxima quarta-feira”, apontam os economistas do banco.

Lockdowns na China: o risco continua

Na última semana, o que era uma fonte de esperança, voltou a ser um fator de temor: a China e as suas políticas de lockdown. Novos surtos de Covid-19 no gigante asiático reviveram os temores de que os lockdowns reduzam a demanda no maior produtor de aço do mundo.

Pequim correu para conter um surto “feroz” de Covid-19, com milhões enfrentando testes obrigatórios e milhares sob lockdowns direcionados, depois que a capital relaxou recentemente as restrições.

Um teste em massa também foi anunciado no centro comercial de Xangai, após um recente lockdown de dois meses, enquanto um surto foi detectado na Mongólia Interior, importante região produtora de carvão metalúrgico, que é um insumo da produção de aço.

O noticiário impactou fortemente o mercado de minério na véspera, com o contrato do minério para julho em baixa de cerca de 3% na segunda-feira na Bolsa de Cingapura. Já nesta terça, as esperanças de medidas políticas para apoiar uma economia doméstica em dificuldades ajudaram a reduzir as perdas e o minério recuou menos, 0,4%, no mercado futuro, mas os riscos continuam.

“O risco de novos lockdowns permanece alto enquanto a abordagem dinâmica de zero Covid-19 permanece em vigor”, disse a Fitch Ratings em comunicado. A Fitch cortou sua previsão de crescimento econômico para a China este ano de 4,8% para 3,7%, para refletir o impacto na atividade das recentes medidas de lockdown, na sequência de diversas revisões para baixo para a atividade econômica chinesa. 

Temores de desaceleração econômica e até de recessão aumentam

Neste cenário de aceleração de alta de juros com a inflação persistente nos países desenvolvidos e de lockdowns ameaçando o ritmo de crescimento da economia chinesa mais uma vez, grandes instituições e nomes do mercado vêm alertando para o risco de forte desaceleração global e até mesmo de recessão em alguns países.

Na semana passada, o Banco Mundial fez o alerta de que, e meio à guerra na Ucrânia e à persistência da pandemia, a economia mundial enfrenta crescente riscos de estagflação – fenômeno definido como período prolongado de crescimento econômico lento combinado com inflação em alta. A instituição cortou a previsão para expansão do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta em 2022 a 2,9%, de 4,1% projetado em janeiro.

Segundo o relatório “Prospectos Econômicos Globais”, a instituição também reduziu a estimativa para avanço da atividade no mundo em 2023, de 3,2% a 3%. Para 2024, a expectativa também é de alta de 3%.

Já a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE ) cortou a projeção de crescimento mundial para 3% em 2022, ante 4,5% estimada em dezembro passado.

O mês de junho tem sido marcado por diversos alertas de importantes banqueiros e empresários sobre o rumo da economia mundial e, mais especificamente, dos EUA. Logo no primeiro dia do mês, Jamie Dimon, CEO do JPMorgan Chase, alertou que está preparando o maior banco americano para um “furacão econômico” e aconselhou os investidores a fazerem o mesmo.

Dimon disse que há um “furacão econômico se formando” e que a economia enfrenta incerteza, em parte porque estímulos sem precedentes continuam a desempenhar um papel. Por exemplo, disse ele, a guerra na Ucrânia continua a agitar os mercados de commodities e pode elevar os preços do petróleo acima de US$ 150 o barril. “Aquele furacão está bem ali na estrada vindo em nossa direção”, disse Dimon. “Só não sabemos se é uma pequena tempestade ou a Supertempestade Sandy. Você tem que se preparar”.

Já no último fim de semana, Larry Summers, ex-secretário do Tesouro e consultor econômico de governos democratas, disse em entrevista ao programa State of the Union, da CNN, que os Estados Unidos precisam estar preparados para o risco de recessão com a inflação no país no maior nível desde dezembro de 1981,

“Acho que, quando a inflação está tão alta e o desemprego tão baixo quanto agora, quase sempre isso é seguido dentro de dois anos por recessão. Eu olho para o que está acontecendo nos mercados de ações e títulos, para onde está o sentimento do consumidor e acho que certamente há um risco de recessão no próximo ano e acho que, dado onde chegamos, é mais provável do que não que tenhamos uma recessão dentro dos próximos dois anos”, afirmou.

Há muitas discussões sobre se uma recessão iminente ocorrerá nos EUA, mas os temores de pelo menos uma forte desaceleração econômica aumentam com a maior força da inflação e necessidade de uma alta de juros mais intensa, que pode afetar a atividade econômica.

Conforme destaca a Levante Ideias de Investimento, o risco de recessão nos EUA ainda aparenta ser de cauda, mas Jerome Powell, presidente do Fed, tem de enfrentar a inflação mais elevada nos Estados Unidos em quatro décadas. E a solução para isso pode obrigar o Fed a endurecer o jogo nos juros, adotando uma política monetária francamente recessiva.

“Pode ser que nada disso ocorra e que, na entrevista coletiva marcada para a quarta-feira (15), o Fed anuncie a elevação esperada de 0,5 ponto percentual, deixando qualquer endurecimento para a próxima reunião. Porém, independente do que ocorra de fato, as expectativas dos investidores com relação à atuação do Fed mudaram para pior”, aponta a equipe da análise de research.

Riscos domésticos também no radar

Enquanto isso, os riscos fiscais também se acumulam por aqui, com impacto principalmente no mercado de câmbio e juros.

Na véspera, o Senado Federal aprovou em plenário o Projeto de Lei Complementar (PLP) 18/2022, que versa sobre o novo limite de alíquota de Imposto sobre Circulação de Bens e Serviços (ICMS) para itens,como combustíveis, gás de cozinha, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo, que agora passam a ser classificados como essenciais segundo o Código Tributário Nacional.

O projeto tem sido tratado com urgência no Congresso, a pedido do Executivo, e é considerado a principal ferramenta para combater as altas nos combustíveis e inflação no geral. Já aprovada, anteriormente, na Câmara dos Deputados, a matéria volta à Casa por conta das modificações realizadas pelos senadores. Estima-se, até agora, um impacto fiscal de cerca de R$ 20 bilhões em desonerações, além das perdas arrecadatórias nos estados – que variam de R$ 25 a R$ 40 bilhões a depender do cálculo utilizado.

“Governo e Congresso seguem sua cruzada contra a alta de preços, confiantes de que as desonerações terão forte efeito desinflacionário nos combustíveis, energia elétrica, gás de cozinha, entre outros itens que fazem parte do cotidiano brasileiro”, destaca a Levante Ideias de Investimento.

Alguns cálculos preliminares, por exemplo, referentes à nova regra de compensação envolvendo o IPCA na apuração da diferença, apontam que haverá mais R$ 30 bilhões em impacto fiscal. “Os mercados seguem acompanhando a tramitação da matéria um tanto ressabiados, tanto pelo ajuste nas expectativas sobre o quadro fiscal do País quanto pelo receio de um repique inflacionário já em 2023. Por lógica, quanto maiores as compensações, maiores são tais riscos”, avalia a casa.

Este cenário marca a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) desta quarta-feira, que deve elevar a Selic (a taxa básica de juros) em 0,50 ponto porcentual – de 12,75% para 13,25% ao ano. Na avaliação de boa parte dos integrantes do mercado, o colegiado ainda não deve indicar uma data para o encerramento do ciclo de aperto monetário com o balanço de riscos maior.

Em tese, a redução temporária de impostos incidentes sobre os combustíveis poderia atrapalhar ainda mais a tarefa do BC de levar a inflação para a meta, com um possível efeito “rebote” aumentando as chances de um terceiro ano consecutivo de rompimento da meta em 2023.

Um dado aparentemente positivo da semana passada foi o IPCA de maio, que subiu 0,47%, abaixo do esperado. Contudo, conforme destaca o Bradesco, a despeito do resultado melhor na margem e composição mais favorável que nas últimas
divulgações, os núcleos de inflação seguem pressionados com alta mensal de cerca de 0,9%.

Os economistas do banco reforçam a percepção de que, embora o impacto baixista para a inflação possa vir das medidas em tramitação no Congresso Nacional e tragam alívio de até 3 pontos percentuais em 2022 para o índice, parte dessa queda pode ser revertida a seguir, com impacto líquido positivo em 2023 o que naturalmente traz mais volatilidade às projeções de inflação nesse contexto. As incertezas aumentam.

(com Estadão Conteúdo e Reuters)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.