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NOVA YORK – A mais recente obsessão de Wall Street é o “cheque em branco”. Funciona mais ou menos assim: uma empresa de “fachada” abre o capital na Bolsa, levanta muitos milhões (às vezes bilhões) de dólares com uma oferta pública inicial e só então vai às compras de uma companhia.
É um resumo grosseiro, mas que serve muito bem para descrever o fenômeno das SPACs.
SPAC é a sigla para special purpose acquisition company, ou “veículo com propósito específico de aquisição”.
SPACs são companhias que não têm um negócio, mas querem usar os recursos captados no IPO para comprar um. A ideia é acelerar a entrada na Bolsa de negócios privados.
Primeiro, forma-se um SPAC, que é estruturado como uma companhia, mas na realidade funciona quase como um fundo.
Depois de feita a oferta pública, a companhia decide adquirir um negócio de verdade que esteja interessado em ir à Bolsa. Depois de aprovada a aquisição pelos acionistas, voilà: a companhia comprada está automaticamente listada.
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Os criadores do SPAC (os “acionistas” do fundo) ficam com uma parcela dos papéis e, em alguns casos, um assento no conselho de administração. O dinheiro levantado no IPO pode ser usado pela companhia.
Duas décadas de história
O mecanismo básico das SPACs já existe há quase 20 anos, mas até o ano passado era utilizado basicamente por empresas que queriam estar na bolsa, mas não conseguiam atrair o interesse dos grandes bancos de investimento – essenciais para subscrever e apoiar a oferta.
Com as taxas de juros baixas no mundo inteiro e um apetite enorme por mais ativos públicos, as SPACs explodiram na bolsa americana.
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Os IPOs “cheque em branco” arrecadaram US$ 83 bilhões em 2020. E, neste ano, esse montante já foi superado antes do fim de março. Segundo a SPAC Research, empresa que compila dados desse tipo de oferta, os IPOs de SPACs já levantaram mais de US$ 100 bilhões em 2021.
Essa nova modalidade de estreia na Bolsa atrai interesse de investidores tradicionais e também de celebridades: a tenista Serena Williams e o ex-jogador da NBA Shaquille O’Neal são dois nomes já associados a SPACs.
O burburinho é tamanho que a Securities and Exchange Commission (SEC), o órgão que regulamenta os mercados de capitais americanos, publicou um alerta há pouco mais de um mês.
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“O envolvimento de celebridades não significa que investir em uma SPAC em particular ou SPACs em geral seja adequado para todos os investidores”, diz o comunicado da SEC.
“Nunca é boa ideia investir em uma SPAC só porque algum famoso a patrocina ou diz que ela é um bom investimento.”
Exuberância irracional?
Estima-se que cerca de 70% dos recursos levantados em IPOs nos Estados Unidos neste ano tenham sido na forma de SPACs.
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Uma das razões é o tipo de empresa que vai se beneficiar do capital levantado – ou seja, será adquirida.
O processo de IPO tem inúmeras incertezas, entre elas a precificação das ações. Em geral, o valor de estreia é definido às vésperas da oferta inicial, o que significa incerteza no total levantado. No caso de uma aquisição por uma SPAC, sabe-se de antemão o tamanho da injeção de capital.
Além disso, as SPACs tendem a adquirir companhias que prometem crescimento, mas ainda não estão bem estabelecidas – em termos de receita, lucratividade ou marca – a ponto de chamar a atenção dos investidores.
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Um dos setores quentes é o de veículos movidos a eletricidade. A fabricante de caminhões elétricos Nikola Motor (Nikola é o primeiro nome de Tesla) foi adquirida por uma SPAC em meados do ano passado.
“Sabíamos que, ao optar por uma SPAC, poderíamos deixar dinheiro na mesa, mas também sabíamos que demoraria muito mais fazer um IPO tradicional”, disse Kim Brady, CFO da montadora, ao jornal especializado Barron’s.
Outras empresas do segmento, como a fabricante de ônibus elétricos Proterra e a EVgo, que se dedica a bases de carregamento de veículos, também anunciaram planos de entrar na bolsa por essa via.
Depois de realizada a oferta inicial de uma SPAC, inicia-se uma contagem regressiva: a empresa “de fachada” tem dois anos para encontrar um alvo de aquisição.
Uma vez identificada a candidata à compra e finalizado o negócio, a companhia adquirida começa a ser negociada na Bolsa.
Caixa “cinza”
Do ponto de vista do investidor, o SPAC é um investimento mais misterioso. As companhias não são obrigadas a revelar que empresa pretendem adquirir. Mas existem algumas pistas.
Os prospectos podem conter indicações de quais setores estão sendo considerados. A área de atuação dos patrocinadores associados às SPACs também pode ser uma dica do destino do capital levantado.
Mas, além de não saber que empresa será comprada no final das contas, quem investe em SPACs também tem de confiar que os gestores serão capazes de finalizar os negócios.
Aloke Gupte, um dos responsáveis pela área de mercados de capitais do banco JP Morgan na Europa e no Oriente Médio, afirma que entre 1/5 ou 1/4 das SPACs talvez não sejam capazes de realizar fusões antes do fim do prazo.
E a performance das empresas pós-fusão que entraram na bolsa por essa via não tem sido estelar, pelo menos por enquanto.
Uma análise realizada por pesquisadores das Universidades de Nova York e Stanford indica que as SPACs que concluíram fusões entre janeiro de 2019 e junho de 2020 tiveram desempenho até 1/3 inferior àquelas que optaram pelo IPO tradicional.
Hoje, mais de 400 SPACs estão em busca de negócios para comprar. A competição intensa pode significar aquisições de menor qualidade. “A qualidade das empresas se tornando pública está cada vez mais baixa”, disse um analista da gestora Baird.
Alguns apontam para um arrefecimento da mania, ou talvez até mesmo o fim da festa. O índice CNBC SPAC 50, que acompanha as 50 maiores SPACs que ainda não fecharam uma aquisição, está abaixo da pontuação registrada no início do ano.
SPACs no Brasil e no mundo
O interesse pelas SPACs está se espalhando pelo mundo, mas a imensa maioria das listagens ainda acontece nas bolsas americanas. Segundo a agência Reuters, houve apenas 10 ofertas iniciais de SPACs na Europa entre o ano passado e este.
Mas muitos investidores estrangeiros usam esse veículo para levantar recursos e fazer compras em casa.
No Brasil, ainda não existe uma regulamentação para SPACs, mas três empresas brasileiras – Alpha Acquisition Corp e Itiquira Acquisition Corp. – já levantaram recursos nos Estados Unidos neste ano.
Ambas são comandadas por executivos com experiência no setor de tecnologia, o que sugere que o objetivo seja aproveitar-se das muitas oportunidades de consolidação no setor de tecnologia do país.
Uma terceira empresa “cheque em branco”, a Patria Acquisition Co., registrou o prospecto de seu IPO na Nasdaq em meados de março. O plano é levantar US$ 250 milhões.
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