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SÃO PAULO – “Sempre diversifique seus investimentos em ações!”, ou “Não coloque todos os ovos no mesmo cesto”. Quem nunca ouviu (ou falou) alguma dessas frases quando decidiu aplicar um dinheiro no mercado acionário? Sem dúvida nenhuma, a diversificação é a melhor estratégia para diminuir o risco de sua carteira (elementar:quanto mais empresas invisto, menores serão as perdas sobre o capital total caso uma delas fracasse). Mas depois de conhecer a história desta gestora, perceberá que essa estratégia nem de longe é uma “regra” para todos os investidores com foco em longo prazo.
A Neo Investimentos foi fundada em 2003, mas somente em 1º de novembro de 2012 nasceu o fundo de ações Neo Future. O interessante deste fundo? Apenas 3 ações foram compradas pelos seus gestores nestes 4 anos e meio de vida: Bematech, Anima (ANIM3) e CVC (CVCB3). Com a saída da Bematech da bolsa em 2015 – após a conclusão de sua venda para a Totvs -, o fundo possui somente dois papéis.
O resultado do fundo mostra que seu gestor teve a precisão de um “sniper” ao escolher estas empresas: de novembro de 2012 até abril de 2017, o Neo Future rendeu 227%, contra alta de apenas 12% da carteira super diversificada Ibovespa; nos 4 anos inteiros de atividades (entre 2013 e 2016), o fundo superou o índice com folga em todos eles.
Qual o segredo para alcançar este resultado excelente mesmo ficando “quase estático” na bolsa? E como ter a segurança de que estes bons números se manterão com tão poucas aplicações no fundo? Aliás, como convencer um investidor a aplicar o dinheiro num fundo tão concentrado? Sim, são muitas perguntas que surgem mesmo com tão poucas informações. Por isso, o InfoMoney conversou com Henrique Alvares, gestor responsável pelo “ativismo construtivo” dentro da Neo Investimentos. O economista de 46 anos – sendo 28 deles dedicados ao mercado financeiro – foi um dos fundadores da Neo junto com outros cinco ex-sócios da JPMorgan Chase. Hoje, a gestora possui R$ 1,8 bilhão em ativos sob gestão distribuído em quatro linhas de atividade.
Antes de conferir a entrevista, vale a pena saber: Henrique Alvares será um dos 7 palestrantes da 10ª edição do “Value Investing Brasil”, congresso que acontecerá nesta terça-feira (23) na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo. A grade de palestras e as inscrições ainda podem ser acessadas clicando aqui.
Confira os principais trechos da entrevista com Henrique Alvares:
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InfoMoney – De onde surgiu esta estratégia tão criteriosa de comprar ações?
Henrique Alvares- Eu era o responsável pelo Private Equity (fundos que compram fatias em empresas geralmente de capital fechado e ajudam na melhoria de gestão desta empresa para valorizá-la e vendê-la para outro grande investidor ou para a bolsa via IPO – oferta pública inicial, na sigla em inglês). Em 2012, resolvi abrir o Future para poder aplicar o mesmo conhecimento de Private Equity em empresas de capital aberto. Como nosso PE investe em empresas “fechadas”, os trabalhamos não gerariam concorrência entre si.
Nossa postura é sempre ativa e construtiva, seja para empresas de capital fechado ou capital aberto. Essa é basicamente a postura institucional da Neo que detemos em relação a ativos de renda variável. E o Neo Future é uma marca da nossa atuação tanto para o que fazemos em PE quanto em “long only” (“apenas comprado”, na tradução livre; é a estratégia adotada pelo fundo Neo Future).
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IM – Como convencer as pessoas que esse fundo não é tão arriscado quanto parece?
HA – Enfrentamos dúvidas, claro. Aqui no Brasil isso ainda é muito incomum. As pessoas têm a percepção de que a capacidade de se movimentar na bolsa é melhor que a capacidade de gerar valor. Você sempre tem que atuar nestas duas frentes. Por exemplo: se você entrar com um objetivo permanente e não fizer ajustes, terá problemas. Mas acreditamos que o principal driver para fazer retorno dentro do mercado acionário é procurar valor em coisas específicas.
Eu não conheço particularmente um fundo que só faça isso. Eu acredito que há gestores que fazem isso em algumas posições, mas não no fundo inteiro. O caminho está dado para isso mudar, mas sabemos como questões estruturais como uma taxa de juros historicamente alta atrapalha nisso. Mas isso não muda da noite para o dia, trocar a cabeça do curto prazo para o longo prazo leva tempo e muito aprendizado. Queremos estar preparado para quando essa fase chegar.
IM – Mas certamente os cotistas do Neo Future são extremamente familiarizados com este estilo de gestão, certo?
HA – Sim, claro. O fundo começa com pessoas muito próximas, que conhecem a filosofia da Neo e o ambiente que criamos, e hoje buscamos investidores que têm esse mesmo perfil. Mas a gente é muito paciente, tanto do lado de investir em ações quanto do lado de atrair clientes. Existe um componente bem importante para nós: é preciso ter cabeça de dono, agir como se fosse dono do negócio que está investindo. O nosso cotista precisa estar ciente disso, de que temos cabeça de longo prazo e postura construtiva.
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IM – 4 anos e meio, 3 ações: Bematech, Anima e CVC. Quando foi feita a compra de cada uma delas? E por que estas ações?
HA – A Bematech foi nossa primeira ação, entrou no fundo em 2012 e saiu em 2015 após a conclusão da venda da Totvs. A CVC veio em 2015, pouco antes da Bematech deixar o mercado, e a Anima surgiu em 2016. Somos restritos a comentar sobre CVC ou Anima pois fazemos parte do conselho das duas empresas, mas posso explicar sobre o que nos fez comprar Bematech.
Entramos na empresa em 2012, fruto de duas questões bem importantes pra nós: a primeira é ligada à percepção de que empresa e acionistas estavam alinhados para mudar o planejamento estratégico da companhia. A Bematech antes era conhecida como uma empresa de hardware e software, mas depois alinhamos com os acionistas que estavam desde o começo da empresa que ela deveria evoluir seu posicionamento estratégico para ser líder de hospitality, food service e varejo. De uma maneira bastante simplificada, esse foi o alinhamento feito para propor mudanças na estrutura da companhia. A segunda questão: analisamos que o mercado era muito amplo e muito fragmentado, e a Bematech precisa de pouco capital para crescer nestas verticais. Melhorando isso, poderíamos trazer novas competências e novas verticais via aquisições
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Basicamente: partimos para o trabalho de mudar uma empresa que atuava de forma mais genérica para ser uma empresa mais assertiva, sempre buscando liderança e inovação. É sempre importante para uma empresa que lidere buscar inovação, e você só consegue isso quando você conhece seu cliente com profundidade, para vender produtos e serviços que te coloquem num diferencial. Foi isso que fizemos na Bematech, assim como com M&A para ajudar na missão de liderar nessas verticais. Isso foi feito até ela ser identificada como um alvo pela Totvs. No final, Totvs foi a compradora da Bematech.
Um detalhe importante: como o pagamento da compra da Bematech foi feito também via ações da Totvs, então tecnicamente tivemos 4 ações em nosso fundo, embora 3 foram compradas e a outra nós recebemos como forma de pagamento.
IM – Vocês sempre irão investir em poucas ações?
HA – Não. Queremos ter mais ações, mas vemos com muita importância essa ideia de ter relevância nas coisas que fazemos. Então, primeiro buscamos relevância para depois buscar mais ações. Independentemente do tamanho da sua participação, se você tiver uma cabeça de dono e dedicação e ferramentas para isso, você pode contribuir de maneira significativa no aumento de valor da empresa. Então está na tua cabeça descobrir como contribuir com isso. Isso é muito importante para nós: sempre entramos com a cabeça de “sim, podemos melhorar a estratégia da companhia”.
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IM – Não existem outros fundos que fazem “ativismo” nas empresas, como vocês?
HA – Muitos fundos têm um “ativismo temporário”, eles entram muito mais pra destravar valor do que criar valor. Nós temos uma cabeça de mudar a empresa para 5, 10 anos e não apenas para 1 ou 2 anos. Então enquanto tivermos condição de ajudar a empresa nesse processo de criar valor no longo prazo, não teríamos porque sair da empresa, principalmente se essa visão estivesse alinhada com os acionistas relevantes e se o plano de execução estava sendo entregue. Essa é a ferramenta que utilizamos para ajudar as companhias que investimos.
IM – Para ser um investidor tão criterioso como vocês, é preciso ter muitas opções de investimento. Como fazer isso em uma bolsa tão embrionária como a do Brasil?
HA – Acreditamos que o mercado de capitais ainda vai nos trazer muitas oportunidades, mas para isso é preciso mais pessoas “atuando” na empresa e não apenas investindo ou analisando. Abrir mais oportunidades será bom por um lado, mas por outro te forçará a fazer escolhas – já que provavelmente você não vai conseguir comprar tudo que gosta na bolsa. Daí, empresas vão se preocupar em buscar investidores ou acionistas desse tipo, para formar um conselho capaz de enfrentar este desafio.
Estes foram os três pilares que nos fizeram criar a Neo: ter cabeça de dono, não importa seu tamanho na companhia; praticar ativismo que gere valor, e não apenas que destrave valor, e com isso ficar nesta empresa por muito mais tempo; e expectativa de que estas companhias buscarão mais acionistas e investidores ativistas para ajudá-las a crescer.