Shopee diminui operações em países da América Latina, mas não no Brasil: o que isso indica para o e-commerce do país?

Empresa busca rentabilidade encerrando operação argentina e reduzindo operações no Chile, México e Colômbia, sinalizando competição mais racional

Lara Rizério

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Em mais um movimento em busca de rentabilidade das companhias de e-commerce, a Shopee, braço de comércio eletrônico da Sea, informou aos funcionários na última quinta-feira (8) que estava reduzindo as operações no Chile, Colômbia e México e deixando a Argentina. A notícia foi veiculada pela Reuters, citando fontes, e confirmada por outros veículos durante a manhã.

A empresa com sede em Cingapura manterá operações internacionais nos três primeiros mercados, mas cortará a maioria de suas equipes nos países, afetando dezenas de funcionários.

O Brasil, por sua vez, não será afetado. Contudo, segundo informações do Valor, a empresa criou uma nova cobrança sobre a venda, válida desde o dia 1 deste mês, que elevou a taxa total cobrada dos parceiros que usam a plataforma para até 20%. O objetivo é melhorar os resultados da operação local. A empresa também criou uma norma para ocultar produtos de vendedores que atrasam entregas, numa tentativa de aprimorar o serviço.

Em e-mail interno visto pela Reuters, o presidente-executivo da Shopee, Chris Feng, escreveu aos funcionários que “à luz da atual incerteza macroeconômica elevada”, a empresa precisava “focar recursos nas operações principais” e decidiu se concentrar na Shopee México, Colômbia e Chile. A empresa confirmou em comunicado à Reuters que “se concentraria em um modelo transfronteiriço no México, Colômbia e Chile, e fecharia na Argentina”.

Os analistas do Itaú BBA destacam que, dado o aumento substancial no custo de capital, veem a Shopee focando sua
recursos nas operações principais e preservando a rentabilidade nessas regiões, especialmente dado que a sua “vaca leiteira”, Garena (provedora da Sea de plataforma de Internet para consumidores com base na Ásia), teve dificuldades nos últimos trimestres, com o lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) caindo 55% no segundo trimestre de 2022 na comparação anual.

O banco lembra que esta não é a primeira vez este ano que a Shopee interrompe uma operação em mercados não centrais, tendo saído da Índia e da França em março. “Embora o último anúncio sugira uma ambiente competitivo mais suave no Chile, Colômbia, México e Argentina, também poderia indicar que a Shopee está focando seus esforços no crescimento no Brasil. No entanto, o aumento das taxas no país poderia levar a uma posição menos competitiva para a Shopee no mercado brasileiro”, avalia o banco.

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O Goldman Sachs também aponta que a medida está de acordo com a estratégia da empresa de reorientar seus esforços nos mercados principais priorizando lucratividade.

Embora a gestão não comente sobre seus planos regionais de longo prazo, os analistas acreditam que este movimento não
necessariamente descarta o potencial da Shopee entrar novamente nos mercados após uma melhoria no ambiente macro, dada a maior flexibilidade em termos de fluxo de caixa para o grupo e pelo fato de ela ter mantido suas operações transfronteiriças na maioria dos mercados.

“Ao manter essas operações, a companhia poderá construir relacionamentos com os compradores e, ao mesmo tempo, construir mais entendimento em torno de preferências e comportamentos locais, um movimento que acreditamos que seria crítico para eles decidirem retornar a esses mercados”, aponta.

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O Morgan Stanley vê a iniciativa como positiva para a Shopee, reorientando os seus principais mercados. A expectativa é de pouco impacto no volume de vendas de mercadorias brutas (GMV, na sigla em inglês), mas com uma potencial economia de custos bastante sólida. Os analistas do banco esperam reaceleração do GMV no quarto trimestre deste ano e recuperação da lucratividade.

Olhando para as outras operadoras da América Latina, o Morgan vê a retração da Shopee em certos mercados como um incremento positivo para o Mercado Livre (MELI34), enquanto o risco de concorrência persiste no Brasil. Para o Mercado Livre, a base de GMV de 2021 esteve dividida entre 44% Brasil, 24% Argentina, 19% México e 12% em outros países (principalmente Chile e Colômbia).

“Dado o escopo pan-regional da empresa, vemos uma leitura positiva para MELI com a  saída da Shopee na Argentina e sua mudança para operações exclusivamente transfronteiriças no México/Chile/Colômbia. Embora o ramp-up (início das operações) do Shopee nesses países tenha ocorrido mais cedo do que no Brasil, vemos o recuo ajudando a remover um risco competitivo de longo prazo para o MELI”, avalia o banco.

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Visão para Brasil

Olhando para o Brasil, o maior mercado de comércio eletrônico na região da América Latina e para Shopee, os analistas do Morgan continuam vendo as duas companhias como ganhadoras de participação de mercado.

Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, ressalta que o país tem se tornado um excelente mercado para a Shopee. “Prova disso foi a abertura em julho de 5 novas centrais pelo país, agora em um total de 6 grandes centros de distribuição, sem contar os mini centros, para atender a demanda de mais de 2 milhões de vendedores brasileiros que usam a plataforma”, avalia.

Ele complementa: “no total, a empresa deve investir em torno de R$ 2 bilhões no Brasil em 2022, o que reforça a aposta no mercado doméstico, não só olhando o presente, mas o fomento e a consolidação do varejo nacional no longo prazo. Sem dúvida dos mercados latino-americanos, o Brasil é o mais relevante para a Shopee”.

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No entanto, em meio a um cenário em que as operadoras sediadas no Brasil estão cada vez mais focadas nas margens e menos no crescimento, e também destacando o aumento pela Shopee das taxas cobradas aos parceiros no Brasil, o Morgan vê o ambiente operacional do e-commerce no Brasil como competitivo, mas mais racional.

Nos últimos meses, cabe ressaltar, com a maior inflação e desaceleração das vendas do e-commerce, as companhias (incluindo Mercado Livre) têm adotado medidas para aumentar a rentabilidade.

Algumas das medidas são o aumento dos valores mínimos de compras para obter frete grátis ou outros benefícios, reduzindo o peso das vendas com entrega gratuita.

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Via (VIIA3) e Magalu (MGLU3), por sua vez, também aumentaram em meados do ano a taxa de comissão cobrada dos lojistas que vendem em seu marketplace, como forma de elevar a receita e melhorar a gestão dos seus fluxos de caixa.

Na ocasião da elevação das taxas de comissão por essas companhias, a Levante Ideias de Investimentos destacou que mesmo com a movimentação dos players do setor para mitigar os impactos da queda nas vendas on-line, um ponto de atenção é a forma como as companhias executarão esse trade-off, ou seja, o quanto tais medidas irão impactar as vendas, com a redução dos benefícios aos clientes e aos sellers de suas plataformas.

Para Alves, as empresas viram que a competição não poderia ser apenas pela participação do mercado literalmente a qualquer preço e que além de “market share” é preciso ser lucrativo, ter rentabilidade, para a conta fechar, pois nos últimos anos a briga pelo varejo online fez muitas empresas sangrarem nos resultados financeiros.

“O aumento da taxa dos sellers pode representar um menor volume de vendas no primeiro momento, só que a médio prazo é a estratégia que se mostra mais assertiva para que as empresas continuem crescendo, e tendo cada vez mais capacidade de investimento, e com a economia brasileira ficando mais aquecida, isso deve se refletir na vendas de todas as empresas do setor”, aponta.

Olhando para as perspectivas do setor, o especialista destaca que as empresas vão continuar brigando pelo aumento da participação de mercado, tentando equilibrar volume de venda, preservação de margem, investimento em tecnologia, e buscando melhorar cada vez mais a experiência do cliente através de um ecossistema integrado, que entregue não apenas varejo, mas financeiro e oportunidade de troca de benefícios com outras plataformas, cashback, entre outros.

Enquanto a taxa de juros continuarem elevadas, o setor também deve continuar pressionado, aponta, havendo uma melhora de perspectiva quando o Comitê de Política Monetária (Copom) rever a Selic para baixo, a partir de 2023, “o que vai estimular todo o setor, assim como as ações, e ser um gatilho importante para a forte valorização dos ativos”.

(com Reuters)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.