Sanções contra Rússia: os impactos intencionais (e não intencionais) nos mercados e na economia globais

Gestora Ashmore e Fitch destacam principalmente os efeitos das sanções dos EUA e UE que proíbem quaisquer transações com o Banco Central da Rússia

Lara Rizério

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Com a escalada dos conflitos entre Rússia e Ucrânia, os últimos dias foram de fortes sanções de diversos países do Ocidente contra a Rússia.

Entre elas, impedir que as instituições financeiras dos EUA tenham relacionamentos bancários com as principais empresas russas, saída dos bancos russos do Swift – o sistema de transferências internacionais que conecta bancos em todo o planeta -, o congelamento de reservas cambiais do Banco Central da Rússia, além da proibição de investidores europeus e americanos de comprar novas dívidas emitidas pela Rússia, seus bancos e corporações.

Além disso, há a proibição de aeronaves russas de usar o espaço aéreo europeu e britânico, enquanto também foram anunciadas sanções a indivíduos, incluindo o presidente Vladimir Putin e seu círculo íntimo, incluindo muitos oligarcas e o secretário de Relações Exteriores Sergei Lavrov.

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As consequências já estão sendo sentidas, com ativos de empresas russas em forte queda mesmo sem a abertura da Bolsa do país nos últimos dias, com destaque para a queda dos ativos de gigantes de energia como Gazprom e para a Rosneft, enquanto o Sberbank, maior banco russo, viu suas ações caírem a centavos após anunciar a saída do mercado europeu.

Na véspera, a Fitch rebaixou o rating da Rússia de BBB para B, classificação na qual as perspectivas não costumam ser oferecidas. De acordo com a agência de classificação de risco, o país encontra-se agora na categoria Observação de Classificação Negativa (RWN, na sigla em inglês).

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A Fitch avalia que a Rússia sofreu um “choque severo nos fundamentos de crédito”. A gravidade das sanções internacionais em resposta à invasão militar da Ucrânia aumentou os riscos de estabilidade, representa um grande choque para os fundamentos de crédito da Rússia e pode minar sua disposição de pagar a dívida do governo, aponta.

As sanções anunciadas dos Estados Unidos e da União Europeia que proíbem quaisquer transações com o Banco Central da Rússia (CBR) terão um impacto muito maior nos fundamentos de crédito do país do que quaisquer sanções anteriores, segundo a Fitch, em uma análise também destacada por outras casas.

A implementação total poderia tornar grande parte das reservas internacionais da Rússia inutilizáveis para a intervenção cambial, e uma grande proporção poderia estar sujeita a congelamentos de ativos, projeta.

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A gestora britânica Ashmore ressalta que as sanções são “extremamente disruptivas”, pois dificultam muito as transações comerciais a serem liquidadas no sistema.

Apenas na última segunda-feira, o rublo desvalorizou cerca de 30%, de 82 por dólar de fechamento na sexta-feira para acima de 105 no início do pregão de segunda, seguindo em baixa nas sessões posteriores. Além disso, uma quantidade significativa de transações financeiras e comerciais pode falhar devido à incapacidade dos bancos e corporações russas de realizarem transações em dólares através do sistema Swift, avalia.

Enquanto isso, indivíduos russos temendo a inflação correram para retirar dinheiro do sistema bancário e gastar seus rublos em bens de luxo e duráveis ​​para evitar uma perda significativa de poder de compra. Essas ações tendem a desestabilizar o sistema financeiro e aumentar a inflação ao mesmo tempo.

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A Ashmore também destaca que o impacto no sistema financeiro russo é ampliado pelas sanções que congelam ativos do Banco Central da Rússia. O BC do país não poderá vender seus dólares ou euros, mantidos nos sistemas bancários dos EUA e da UE, dificultando a defesa da moeda nacional. A autoridade monetária também deve aumentar as provisões de liquidez no sistema para evitar uma crise sistêmica, pois os depositantes aumentaram os saques.

Na segunda-feira, a autoridade monetária mais que dobrou sua taxa básica, elevando-a de 9,5% para 20%, dizendo que as condições externas mudaram drasticamente e a elevação dos juros garantiria uma alta nas taxas de depósito “para níveis necessários a fim de compensar a maior depreciação do rublo e os riscos de inflação”.

“Injetar liquidez quando o rublo está em uma espiral viciosa e o BC está aumentando as taxas de juros parece uma contradição, mas será necessário para evitar uma potencial crise bancária”, destacou no relatório da Ashmore Gustavo Medeiros, responsável pela área de pesquisa macroeconômica global e de mercados emergentes da gestora.

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No entanto, pondera, o BC do país se preparou para uma crise significativa por vários anos, diversificando suas reservas de títulos em dólares. Hoje, mais de 20% das reservas são mantidas em ouro e o restante está espalhado por outros mercados com cerca de 10% das reservas cambiais em dólar.

O ouro pode desempenhar um papel importante na sustentação das transações externas essenciais do país – por exemplo, o ouro pode ser trocado (ou vendido por) moedas de países que não participam das sanções.

Consequências não intencionais das sanções

Por outro lado, a Ashmore destaca que há várias possíveis “consequências não intencionais” com as sanções.

Algumas delas serão claras após vários dias ou semanas, dependendo da duração da guerra e por quanto tempo as sanções permanecerem, mas devem ser monitoradas.

O primeiro é o risco de um choque maciço de liquidez no sistema financeiro global, avalia. Na semana passada, vários bancos pararam de aceitar ativos russos como garantia. A incapacidade dos bancos russos de fazer transações com o mundo agora aumenta riscos de contraparte que não existiam há duas semanas.

O Bank for International Settlements informou que os bancos russos tinham US$ 1,38 trilhão de créditos existentes com
investidores, dos quais US$ 142 bilhões em moedas estrangeiras no terceiro trimestre de 2021.

Se os bancos russos não puderem recuperar seus créditos ou pagar suas dívidas ao resto do mundo, o sistema financeiro pode experimentar ondas de eventos de choque de liquidez (uma vez que transações não pagas geram mais falhas),
potencialmente levando a uma crise de liquidez comparável a de março de 2020, no auge da pandemia do coronavírus, ou mesmo a do Lehman Brothers em 2008, segundo Medeiros.

“Tal choque de liquidez terá um impacto significativo na atividade global quando o mundo estiver se recuperando da crise da pandemia em meio à inflação elevada, que se deteriorará ainda mais devido ao conflito. O Federal Reserve dos EUA (Fed)
e outros bancos centrais globais podem ter que oferecer liquidez por meio de linhas de swap para contrapartes internacionais, injetando liquidez no sistema às vésperas do primeiro aumento planejado da taxa básica de juros pelo Fed e alguns meses antes do início previsto da redução do seu balanço”, avalia a Ashmore.

Outra consequência não intencional será a disposição dos países de diversificar sua exposição ao mercado financeiro para além do Ocidente. Com os sistemas financeiros dolarizados e em euro sendo usados como uma estratégia para pressionar a Rússia, infligindo um duro golpe contra um grande país com laços comerciais significativos com o Ocidente, mais países podem passar a adotar moedas asiáticas, incluindo o Renminbi chinês, como parte de sua diversificação de reservas cambiais, enfraquecendo a capacidade de governos implementarem medidas semelhantes no futuro.

A Ashmore ainda destaca a ameaça nuclear: quando o Reino Unido baniu a companhia russa Aeroflot de seu espaço aéreo, a Rússia respondeu na mesma moeda, banindo a British Airways e quaisquer outros voos do Reino Unido de utilizarem o espaço aéreo do país, um grande inconveniente para os voos intercontinentais, devido ao tamanho do território russo.

No final do mês passado, a Rússia fechou seu espaço aéreo para companhias aéreas de 36 países, incluindo todos os 27 membros da União Europeia, em resposta a sanções relacionadas à Ucrânia contra seu setor de aviação. Alguns dos países proibidos já haviam sido identificados, enquanto outros foram nomeados pela autoridade aeronáutica Rosaviatsia pela primeira vez na segunda-feira.

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“Este é um momento ‘sinistro’ semelhante à crise dos mísseis cubanos em 1962, quando o mundo permaneceu em alerta máximo permanente pelo risco do uso de armas nucleares em um conflito militar. Esta é uma ameaça verdadeiramente existencial para a espécie humana, uma questão que é muito difícil de se preparar ou mesmo precificar em ativos financeiros”, aponta Medeiros.

Além disso, a Rússia romper o acordo de 1994 entre EUA, Rússia e Ucrânia, no qual a Ucrânia concordou em desistir de suas armas nucleares em troca de uma promessa de não- agressão, foi um momento decisivo. “A partir de hoje, qualquer nação que sinta que seu regime político ou sociedade está ameaçada terá motivos para acreditar que só estaria segura se tiver armas nucleares, aumentando significativamente o risco de regimes desonestos adquiri-las”, aponta a Ashmore.

Outra consequência não intencional das sanções financeiras são os choques de oferta. Se a petroleira Gazprom não puder receber pagamentos, talvez não tenha outra alternativa se não parar de fornecer gás natural para a Europa.

Além disso, a Rússia e a Ucrânia têm uma parte significativa do mercado de produtos agrícolas. Juntos, esses dois países exportam mais de 50% de sementes de girassol, cerca de um quarto de trigo, cevada e linhaça, bem como cerca de 15% de milho e fertilizantes. Isso provavelmente pressionará os preços globais dos alimentos, já que grandes importadores desses alimentos, como Egito e Turquia, buscarão fornecedores alternativos se não puderem importar da Rússia devido às sanções.

A Rússia e a Ucrânia também exportam uma quantidade significativa de componentes para a indústria de semicondutores, com mais de um terço das exportações globais de paládio e cerca de 90% do neon semicondutor dos EUA. Os dois países também são grandes produtores de metais industriais como alumínio, aço e minério de ferro. Além disso, se o conflito persistir, o esforço de guerra para produzir mais máquinas pode levar ao aumento da demanda no momento em que as cadeias de suprimentos globais já estão bastante afetadas.

“Talvez o mais importante no curto prazo seja uma ruptura significativa no sistema financeiro global, exigindo amplas injeções de liquidez por parte dos bancos centrais, que ocorreria em um momento em que a liquidez é excessiva e parte do amplo problema inflacionário. A injeção agressiva de liquidez, levando a uma deterioração da atual espiral inflacionária, é um risco pequeno, mas não negligenciável”, aponta a Ashmore.

Impacto nos mercados emergentes

O preço dos ativos russos e ucranianos sofreu um golpe significativo com o conflito. Mesmo com a Bolsa de Moscou fechada durante boa parte da semana, as ações das empresas do país negociadas em outros mercados desabaram e, em questão de semanas, a Rússia passou de uma lucrativa aposta na alta dos preços do petróleo para um mercado ‘ininvestível’. 

Já para a Ucrânia, aponta Medeiros, os riscos de mudança de regime e uma interrupção significativa na infraestrutura e na economia do país afetarão a disposição e a capacidade de pagar de maneiras que só ficarão claras quando o conflito terminar.

Os preços dos ativos de ambos os países refletirão a severa incerteza, experimentando alta volatilidade dependendo
dos acontecimentos nesse terreno. Os preços dos ativos podem subir acentuadamente, por exemplo, se as negociações na Bielorrússia levarem a um cessar-fogo ou a um caminho crível de desescalada do conflito.

Há um impacto ainda notório nos mercados emergentes. Por exemplo, as ações de empresas que usam produtos agrícolas da Rússia como insumo (por exemplo, companhias brasileiras de proteína) são impactadas negativamente, pois os preços mais altos do trigo e do milho aumentam os custos, enquanto as sanções atrapalham as vendas.

No entanto, a Rússia e a Ucrânia são mercados relativamente pequenos para a maioria dos países emergentes, tornando os impactos das ligações comerciais menos pesadas, com impacto maior em países como Polônia e Turquia.

Os importadores de combustíveis sofrerão o impacto dos preços mais altos, e aqueles com alta dívida em moeda estrangeira e baixas reservas cambiais, como Sri Lanka e Turquia, são os mais vulneráveis. No entanto, o principal risco para os ativos de emergentes decorre das “consequências não intencionais” das sanções para o sistema financeiro global, avalia Medeiros.

“Por outro lado, os preços mais altos das commodities apoiarão os países exportadores de commodities, principalmente no
Oriente Médio, América Latina e África. As regiões exportadoras de commodities já estavam se beneficiando de preços de commodities mais altos e os valores mais altos induzidos pela geopolítica fornecerão ventos positivos significativos para a região, exceto no cenário em que o conflito atual se agrava ainda mais e leva a uma recessão econômica global”, avalia.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.