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Os pregões mais recentes da B3 foram marcados majoritariamente por notícias envolvendo atores políticos brasileiros, que tiveram peso direto sobre os preços das ações. Petrobras (PETR4), bancos públicos e até mesmo a Vale (VALE3) – que é privada – voltaram a sofrer por conta de falas de membros do Executivo Federal e, agora, analistas debatem se o risco político voltou a ser um fator relevante.
O mercado brasileiro passou nos últimos meses por um período um pouco mais calmo no que tange a política. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, deu uma trégua durante parte do ano passado dos seus ataques mais polêmicos. Exemplo deles é a polêmica que envolveu o petista e o presidente do Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto, em meados de 2023, com trocas de farpas e a cobrança do líder do executivo por uma queda dos juros.
Agora, no entanto, alguns ataques parecem ter sido revividos. “Eventos recentes, principalmente o da Petrobras, acenderam um alerta de risco político. Já era algo com que o mercado, principalmente investidores locais, estavam preocupados. Estrangeiros, porém, estavam menos, tanto que tivemos uma forte entrada de capital estrangeiro em 2023 e 2022”, diz a estrategista da XP, Jennie Li.
Nos últimos pregões, a questão que mais marcou foi a da não distribuição de dividendos extraordinários pela Petrobras, com parte do dinheiro dos proventos deixando de ir para os acionistas e para os cofres da União (que tem maior fatia na empresa) e indo para uma “reserva para os próximos anos”. Olhando para frente, de acordo com executivos da estatal, 2024 e 2025 serão marcados por maiores investimentos em transição energética, o que tende a impactar o caixa da empresa e a distribuição de proventos.
O presidente Lula, em entrevista ao SBT, defendeu a medida e criticou o mercado financeiro, dizendo que ele é um “dinossauro voraz, que quer tudo para si”. Fora isso, voltou a falar que os juros no Brasil só não estão mais baixos por causa da “teimosia do presidente do BC”.
Jennie relembra que, no começo do ano, a equipe da XP realizou uma série de encontros com gestores internacionais de fundos globais e de focados em países emergentes. Neles, segundo ela, houve uma clara sinalização de interesse na Petrobras. “Era um nome que eles gostavam bastante, mais do que juniores. Temos que ver se as falas ajudarão a mudar o fluxo de capital”, contextualiza, lembrando que a estatal tem peso importante na Bolsa brasileira.
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Com a mudança de comportamento, para além da saída de investidores interessados em remuneração, o temor do mercado é que a Petrobras volte a realizar investimentos pouco produtivos. Em outras gestões do PT, a estatal gastou uma quantia relevante de capital em ativos como as refinarias de Pasadena e de Abreu e Lima, que pouco geraram retorno.
Em entrevista ao IM Business, Marcelo Mesquita, conselheiro independente da Petrobras, disse que a indecisão é péssima para a Bolsa brasileira. “Não dá para ficar dizendo ora que vai pagar, ora que não quer pagar [os dividendos]. Isso gera volatilidade em uma ação que representa quase 15% do índice. Isso é péssimo para a Bolsa, péssimo para o país e péssimo para a empresa”, afirmou.
Janeiro e fevereiro foram marcados pela saída dos investidores estrangeiros da B3, após todo o rali do fim de 2023. Apesar do fluxo também ter sido motivado por uma virada do cenário macroeconômico nos Estados Unidos, com a perspectiva de juros mais altos por mais tempo, especialistas também vêm destacando que houve um agravante das questões internas. O JPMorgan, em relatório, falou que o acontecimento na Petrobras foi um “banho de água fria” nos mais otimistas. A equipe de estrategistas do banco, liderada por Emy Shayo, ressalta que os investidores estrangeiros continuam retirando dinheiro do Brasil, com saídas totais acumuladas no ano em quase R$ 20 bilhões até 7 de março, o equivalente a 40% do ingresso do ano passado.
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“O cenário local está pesando no Ibovespa no ano, sendo que o macroeconômico está melhorando. A gente vê os ruídos voltando. Ingerência na Petro e na Vale. O Banco do Brasil (BBAS3) sofre de forma indireta”, avalia Enrico Cozzolino, estrategista de investimentos da Levante.
Vale e bancos públicos
Além da questão da Petrobras, nessa terça, um dos conselheiros da Vale renunciou ao seu cargo após dizer, em carta, que a eleição para novo CEO da mineradora está corrompida politicamente. No começo do ano, com a aproximação do fim do mandato do atual diretor executivo, Eduardo Bartolomeo, circulou a notícia de que Lula queria emplacar Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda, como CEO da companhia. O rumor foi mal recebido pelo mercado, com parte dos investidores temendo uma ingerência política na empresa.
“O noticiário sobre a Petrobras gera uma falta de credibilidade das instituições. Cria a incerteza do país, emergente, do respeito aos contratos da política de dividendos”, explica o especialista da Levante. “Já na Vale, apesar de não ter acontecido nada tão grave ainda, a história nos mostra que a falta de confiança no respeito às melhores práticas tem impactos. A saída do conselheiro, falando em ingerência política, pode fazer a empresa deixar de ser uma corporação”.
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Por fim, na última semana, o petista também cobrou um aumento da oferta de crédito dos bancos públicos em reunião com os diretores das instituições. Já na entrevista ao SBT, na segunda, falou que os bancos públicos forçarão uma “queda dos juros” do Banco Central.
Os acontecimentos explicam os motivos de muitos gestores ainda evitarem aportar nas estatais, caso da Rio Bravo Investimentos, por exemplo. “A gente já está acostumado com essas coisas no Brasil. Depende do perfil de cada investidor de como lidar com essa surpresa. Nós, na Rio Bravo, não investimos em estatais de forma alguma, seja por dívidas ou equities”, fala Evandro Buccini, sócio e diretor de gestão de crédito e multimercado da gestora.
Na Vale, por enquanto, a Rio Bravo ainda enxerga a lei e o estatuto funcionando, “pelo menos por enquanto”. “De qualquer forma, sabemos quais são os sinais. Ainda são tímidos, mas vamos ver se eles vão avançar. Além dessas questões mais de empresas, há a questão do crescimento de gastos, por exemplo. De qualquer forma, se forem para esse lado, muita gente vai soltar a toalha. Quem está otimista com o Brasil, vai sofrer”, acrescenta.
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Para Buccini, no entanto, ainda é cedo para ser pessimista. “O BNDES, mesmo com algumas coisas pipocando às vezes, está sem fazer movimentações preocupantes. Nos bancos públicos, os balanços ainda não indicam nenhuma mudança de direção. Se acontecer um sinal tênue, no entanto, a reação vai ser forte, com todos lembrando do que já aconteceu”.