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Após 30 anos de discussões, a Câmara dos Deputados aprovou a reforma tributária dos impostos sobre o consumo no fim da semana passada. A emenda constitucional transforma cinco tributos diferentes em dois: a Contribuição sobre Bens e serviços (CBS) que será administrada pela União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será administrado por Estados e Municípios em comitê conjunto.
Conforme destaca a XP, a reforma tende a ser positiva no âmbito macroeconômico, pois visa criar um sistema mais transparente, equilibrado e simples. Isso reduziria as taxas de litígio, custos de conformidade e má alocação de capital, ajudando a estimular a produtividade no longo prazo.
Entre as empresas, o impacto de curto prazo é ambíguo, pois a carga tributária pode aumentar ou diminuir dependendo do setor.
Analistas têm se debruçado sobre os impactos da reforma para setores específicos e o que está por vir, uma vez que, além de ter que passar pelo Senado, discussões sobre a segunda etapa (da reforma sobre o imposto de renda) estão no radar.
Em relatório, o Goldman Sachs destacou que a reforma (em sua primeira e segunda fases) tem potencial de afetar 70% das empresas listadas no Ibovespa.
Os impactos são diferentes com a potencial unificação de impostos sobre bens e serviços, com o banco apontando que a alíquota do Imposto sobre Serviços (ISS) cobrada pelos municípios varia entre 2% a 5%, enquanto a do Imposto sobre produtos industrializados (IPI) tem diferença entre 1% e 40%. Enquanto isso, o percentual sobre a alíquota do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) deve ficar em torno de 25%.
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O time de analistas do banco também avalia que, dado que a proposta do IVA é de unificar os impostos com um impacto neutro na arrecadação, a reforma tributária pode aumentar os impostos sobre empresas de serviços, ao mesmo tempo em que potencialmente reduziria os impostos sobre os segmentos mais tributados do setor industrial.
Enquanto isso, as empresas de serviços podem se ver pressionadas a subir os preços para compensar os impostos maiores, com consequente redução da demanda.
Neste sentido, bancos e empresas de transportes aparecem entre os nomes mais expostos à reforma voltada para o consumo.
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Não se descarta ainda uma taxa diferenciada a ser cobrada das instituições financeiras, que já pagam uma alíquota de 45% (25% de imposto de renda e 20% de contribuição social), contra uma média de 34% para as grandes empresas.
Olhando para as empresas em si, embora alguns detalhes venham a ser definidos, os analistas do Goldman veem as empresas com os menores níveis de impostos sobre a receita como as mais expostas, caso os impostos sobre a receita existentes sejam consolidados em um único imposto. Entre as ações de sua cobertura com deduções de receita bruta abaixo da mediana estão PRIO (PRIO3), XP (XPBR31), Nu (NU), Localiza (RENT3), Rede D’Or (RDOR3), Suzano (SUZB3), Rumo (RAIL3), JBS (JBSS3), Raia Drogasil (RADL3), Bradesco (BBDC4), Banco do Brasil (BBAS3), Itaú (ITUB4) e Santander Brasil (SANB11).
Contudo, notam os seguintes pontos:
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Exportadores como PRIO, Suzano e JBS podem não ser tão impactados, já que não há previsão no projeto de lei para a aplicação do IVA nas exportações no momento.
Na perspectiva da Rede D’Or, os analistas notam que há previsão no projeto de lei para impostos reduzidos sobre serviços médicos.
Os bancos e serviços financeiros, como já destacado acima, podem pagar uma taxa de imposto diferente (a ser definida no futuro) de acordo com o projeto de lei.
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O projeto de lei permite tributação especial em alguns segmentos, que podem incluir o setor de bebidas alcoólicas. Essa alíquota especial ainda será definida, com potencial impacto negativo para a Ambev (ABEV3).
O projeto de lei acrescenta uma previsão de subsídios para determinados itens – “cesta básica” (produtos básicos de alimentação) – que podem eventualmente beneficiar a JBS.
As empresas com alta exposição a clientes corporativos podem ter mais facilidade em repassar os impostos mais altos aos preços, pois as empresas podem receber um crédito fiscal pelos impostos pagos aos fornecedores.
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Varejo, agro e construção civil
Em relatórios, a XP também destacou os possíveis impactos da primeira fase da reforma sobre setores específicos de varejo e agropecuária.
A casa aponta que a versão final da reforma que passou na Câmara introduz quatro regimes “especiais”: i) 60% de redução nos impostos para produtos ligados ao agronegócios, saúde e educação, medicamentos, etc.; ii) redução de 100% do imposto sobre frutas, legumes e ovos; iii) isenção fiscal nos produtos da cesta básica nacional; e iv) crédito presumido para agricultores com faturamento entre R$ 2 – 3,6 milhões.
Em consequência do aumento das exceções aprovadas na reforma (renúncias fiscais), a alíquota final pode ser superior à indicação inicial de 25%. No entanto, a equipe de economia da XP acredita que a redução dos incentivos fiscais e maior formalização do sistema tributário deve contribuir para evitar uma forte alta na alíquota.
O governo federal se comprometeu a atender às necessidades financeiras para sustentar os incentivos fiscais durante o período de transição, cabendo aos Estados definir o valor financeiro necessário para tanto. A implementação do novo regime terá início em 2026, com a extinção do PIS/Cofins em 2027 e a redução do ICMS/ISS a partir de 2029, caindo um décimo até 2023, quando eles deixarão de existir.
A competitividade da Zona Franca de Manaus (ZFM) será protegida por meio de um imposto seletivo cobrado de empresas de fora da região e que fabricam bens produzidos na região.
Para os analistas, no setor de varejo, a principal mudança na versão aprovada em relação à última foi a isenção de impostos para a cesta básica nacional.
“Embora isso possa melhorar o poder de compra por meio de preços mais baixos, os produtos da cesta básica brasileira já contam alíquotas de impostos mais baixos. Quanto aos demais segmentos do varejo, mantemos nossa visão de que as empresas terão tempo para se adequar ao novo regime e eventualmente realizar repasses de preços durante o período de transição, visando mitigar possíveis efeitos negativos”, avaliam.
Para o setor agro, a XP reitera a observação de que a Zona Franca se mantém no mesmo modelo, com IPI funcionando até 2032. Após esse período, é estabelecido um imposto seletivo genérico para a manutenção da competitividade. Entretanto, a casa não descarta a possibilidade dessa parte da reforma sofrer alguma alteração no Senado.
Além disso, existe uma diferença grande entre a isenção de um produto e a definição de alíquota zero, dado que a alíquota zero implica em uma renúncia fiscal mais relevante.
“Por isso, não se espera uma definição exata dos produtos que compõem a cesta no curto prazo. A ideia das discussões era primeiro definir o modelo e posteriormente a discussão dos itens que compõem a cesta. Os consultores políticos acham difícil que a alíquota padrão siga em 25% dada as mudanças no texto na aprovação na sexta-feira”, destacam os analistas da casa.
De maneira geral, a aprovação teve efeito líquido positivo para as empresas agro, de alimentos e bebidas de sua cobertura, com potencial definição de alíquota zero para a maior parte das empresas de alimentos, com a manutenção dos benefícios da Zona Franca de Manaus para Ambev (o que é um ponto positivo para a companhia de bebidas) e com pouco impacto nas empresas do agro. “A princípio, a impressão que temos é que o cenário competitivo melhora para todas as empresas no longo prazo”, avalia.
Entretanto, ainda existem muitos pontos a serem definidos e o período de transição se manteve, ou seja, veem pouco impacto no curto prazo.
O Bradesco BBI, por sua vez, aponta que a reforma pode ser positiva para alguns segmentos do setor de construção, uma vez que acaba com a diferença dos impostos cobrados na construção tradicional –no canteiro de obras– e na construção industrial, a chamada off-site. O segundo tipo não é comum no país, justamente pela tributação mais alta até o momento.
“A reforma favorece a isonomia entre a construção convencional e a industrializada”, disse à Folha de S. Paulo Rodrigo Navarro, presidente da Abramat (Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção). Mas ele observou que a preocupação do setor é principalmente com a alíquota que será definida.
“A redução da tarifa de impostos na construção off-site deve ser positiva para a Tenda (TEND3) e sua unidade de negócios nesse segmento Alea, embora notemos uma falta de clareza formal sobre o tratamento do setor em termos de IVA (o mercado parece ver a manutenção do RET, ou regime especial de incorporações imobiliárias sem impacto no setor)”, avalia o BBI.
Para BBA, é difícil apontar vencedores e perdedores
Ao analisar os principais pontos da reforma tributária, o Itaú BBA, por sua vez, aponta que é muito difícil ainda saber nesse momento quem são os setores/empresas vencedores/perdedores com a reforma. Os detalhes da reforma ainda serão regulamentados via lei. A reforma agora segue para o Senado, onde as discussões só devem começar em agosto, após o recesso parlamentar, avalia.
Os analistas do BBA veem a aprovação da reforma tributária como positiva para os mercados no geral pois poderia aumentar o potencial de crescimento do PIB a longo prazo.
Com o fim da guerra fiscal, os estados não poderão mais conceder benefícios, o que pode direcionar os investimentos para onde faz mais sentido de acordo com o negócio em vez de basear essas decisões em vantagens fiscais. Dado o longo período de transição, as empresas terão de lidar tanto com ambos sistemas de impostos (o antigo e o novo) nos próximos anos, aumentando a complexidade até o período de transição terminar, em 2033. Após o período de transição, as empresas gastarão menos horas com discussões tributárias dada a simplificação do regime, reduzindo o tamanho de seus departamentos para tratar sobre o tema.
Nesse sentido, citam que empresas varejistas, por exemplo, com benefícios fiscais de ICMS poderão manter seus benefícios até 2032, embora comece a reduzir em 2029 com a implementação de o IBS. O mecanismo do período de transição mudou no último minuto, reduzindo o impacto de 2029-32, o que é positivo para as empresas com benefícios fiscais.
“O impacto por setor/empresa é muito difícil de estimar, dado o efeito principal não cumulativo. Como as empresas terão o direito de deduzir o IVA da aquisição de bens e serviços, exceto para uso e consumo pessoal, haverá uma redução nos seus custos, pelo que a análise deve considerar o impacto tanto nas receitas como custos. As empresas brasileiras não divulgam o imposto pago por serviço ou item adquirido, o que torna muito difícil entender o impacto potencial”, avaliam os analistas.
Além disso, a reforma tributária pode incentivar a terceirização de serviços pelo efeito principal não cumulativo.
Segunda etapa da reforma já está no radar
A primeira etapa da reforma tributária ainda não foi concluída, mas os analistas do Goldman Sachs já destacaram os possíveis impactos de uma segunda fase da reforma, que tratará de impostos sobre renda.
Em destaque, estão as discussões sobre a tributação de dividendos e o fim dos juros sobre o capital próprio, que já vem trazendo impactos para empresas como a Ambev.
Em relação ao fim do JCP, o impacto pode se materializar para as empresas listadas na B3 negativamente já que a remuneração aos acionistas por essa forma é considerada uma despesa financeira e diminui o lucro tributável, ou seja, a distribuição de lucros via JCP reduz o valor de imposto a ser pago por uma companhia.
Entre as ações na Bolsa de cobertura do Goldman Sach além de Ambev, Telefônica Brasil (VIVT3), Itaú (ITUB4), Banco do Brasil (BBAS3), Lojas Renner (LREN3), Bradesco (BBDC4) e Localiza (RENT3) estariam entre as mais afetadas com o fim do JCP, uma vez que são as que mais se beneficiam com ele.
Já com relação à taxação de dividendos, financeiras, empresas de commodities e telecom teriam maior exposição devido ao pagamento de dividendos acima da média (que concentra uma parcela relativamente maior dos retornos aos acionistas nos anos anteriores à implementação do novo sistema tributário). As 7 ações em sua cobertura mais expostas (com base na previsão de dividendos de 2024) seriam: Petrobras (PETR3;PETR4), PRIO, Telefônica Brasil, BB Seguridade (BBSE3), Banco do Brasil (BBAS3), B3 (B3SA3) e Cielo (CIEL3).
“Estimamos que a PRIO começará a pagar dividendos significativos em 2024 com um FCF [fluxo de caixa livre] forte e sem fusões e aquisições no horizonte”, aponta.
Assim, de uma forma geral, os analistas do banco apontam para dez ações cobertas por eles mais expostas a uma série de mudanças na reforma tributária no Brasil (seis delas classificadas com recomendação de compra pelo Goldman): Banco do Brasil, PRIO, Itaú, Bradesco, Localiza , Santander Brasil (SANB11), BTG Pactual (BPAC11), Telefônica Brasil, Ambev e B3.
Eles lembram, contudo, que os bancos já enfrentam uma carga tributária relativamente alta na forma de uma alíquota legal de 45% (25% de imposto de renda e 20% de contribuição social). Além disso, atualmente não há propostas para aumentar os impostos sobre exportadores como o PRIO.
O Morgan Stanley, por sua vez, fez uma análise específica sobre o impacto das duas etapas da reforma tributária para a Hypera (HYPE3.
De acordo com os analistas do banco, a confirmação da reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados reduziria os riscos fiscais para a Hypera em relação ao Valor Presente Líquido (VPL) de R$ 15,8 bilhões para R$ 6,4 bilhões relativos aos juros sobre capital próprio, ainda pendente de negociações políticas, pois garante benefícios fiscais até 2032. A proposta também abre o porta para reduzir os pagamentos de IVA.
Para os analistas, a aprovada reforma tributária diminui os riscos fiscais. O projeto de reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados previa um fundo compensatório para as empresas afetadas pela redução dos incentivos do ICMS até 2032 (incluindo os benefícios fiscais da Hypera em Goiás).
“A proposta de lei ainda pode ser alterada no Senado, mas acreditamos que a versão atual deve reduzir a percepção de risco de mercado no Hypera, dado o tom mais favorável ao mercado em relação às versões anteriores. Quantificamos esse risco para o VPL em R$ 9,4 bilhões, ou 27% do EV (valor da firma) atual, um risco que desaparece se a minuta atual for finalmente aprovada”, apontam.
O Morgan ainda reforma que poderia haver mais notícias positivas, reforçando que a nova alíquota do IVA brasileiro ainda não foi definida, mas espera-se que seja de aproximadamente 25%. A minuta aprovada define que o ICMS dos medicamentos será de apenas 40% desse valor (cerca de 10%), uma redução contra os cerca de 18% de agora (11% de ICMS, não recolhido por causa de benefícios fiscais, + 7% de outros impostos).
“Não está claro agora quais medicamentos se beneficiariam com essa redução, mas isso poderia significar uma carga tributária de IVA de longo prazo (pós-2032) mais baixa para a Hypera”, aponta.
Com a discussão sobre Juros sobre Capital Próprio sendo a próxima no radar, o Morgan lembra que, anteriormente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sugeriu que o governo poderia eliminar os incentivos do JCP, pois eles reduzem o pagamento de imposto de renda.
“Estimamos o VPL dos incentivos por conta do JCP da Hypera em R$ 6,4 bilhões, ou 19% do EV atual, então ainda é uma parte relevante pendente de conclusão, potencialmente impactando o desempenho de HYPE3”, apontam os analistas.
Contudo, levando todos esses pontos em conta, o banco projeta uma melhora na relação risco-recompensa. “Esperamos que a Hypera continue ganhando participação de mercado, com espaço para aumentar ligeiramente as margens no médio prazo, já refletido em nossas estimativas e guidance. A Hypera superou o Ibovespa e os seus pares de saúde desde o início de 2022 e agora está negociando em linha com múltiplos históricos. O mercado estava preocupado com a reforma, mas as últimas informações reduzem esse risco”, avalia o banco, que no momento tem recomendação equalweight (exposição em linha com a média do mercado, equivalente à neutra) com preço-alvo de R$ 47,20, ou potencial de alta de 3% frente o fechamento da véspera.