Reorganização de Iguatemi e Jereissati pode destravar valor, mas analistas questionam governança corporativa

Para realizar reorganização, Iguatemi SA deixaria Novo Mercado; analistas têm visões diferentes sobre importância de manter nível de governança na B3

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Maior espaço para fusões e aquisições após um período bastante conturbado por conta da pandemia do coronavírus, mas com ainda muitas questões sobre a governança corporativa.

Foi desta forma que os analistas receberam a notícia da reorganização societária da Iguatemi (IGTA3) com a sua controladora Jereissati ([ativo=JPSA3]), que deve também representar o fechamento de um grande desconto da holding em relação a sua controlada.

Na sessão desta terça-feira (8), após o anúncio, os papéis IGTA3 registravam queda de 5,15%, a R$ 44,01 por volta das 13h30 (horário de Brasília), enquanto os ativos JPSA3 saltavam 10,28%, a R4 35,19, após chegarem a saltar 16,58% na máxima do dia.

Por meio da reorganização, os acionistas da Iguatemi, atualmente no Novo Mercado (ou seja, somente com ações ordinárias, com direito a voto), vão receber units (espécie de pacote de classes de ativos negociados em conjunto) da Jereissati, que assumiria o seu nome, passando a se chamar Iguatemi S.A, e negociando assim suas ações na forma de units.

A relação de troca ainda está para ser definida pelo Conselho da Jereissati e por um comitê independente da Iguatemi, mas a sinalização dos controladores é de que a avaliação deve considerar o valor de mercado da sua participação da Iguatemi (hoje os papéis são negociados com um desconto). Porém, os acionistas não controladores da Iguatemi devem receber um prêmio de 10% em relação à média da negociação dos últimos 30 dias.

Pela proposta, cada sete ações ordinárias  da JPSA3 serão convertidas em uma unit da nova Iguatemi. A composição das units será de uma ação ON e duas ações preferenciais (PNs), com as PNs possuindo direitos de proventos cerca de 3 vezes maiores que os da ONs. A transação ainda será negociada em comitê independente da Iguatemi, após a aprovação dos acionistas minoritários de ambas as companhias. A XP está assessorando a Jereissati Participações enquanto o BTG Pactual auxilia a Iguatemi.

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Se a transação for aprovada, o grupo Jereissati passará a ter 68,5% do capital votante da Iguatemi (atualmente em 50,7%) e 29,2% de seu capital econômico (atualmente em 30,6%).

Carlos Jereissati, CEO da companhia, apontou que o motivo da reestruturação é a perspectiva de fusões e aquisições a serem realizados no mercado mais adiante, em meio a um cenário de forte potencial de consolidação do setor. Ainda, o processo teria como finalidade aumentar a capacidade de investimento da Iguatemi, enquanto permanece mantendo o controle na Jereissati.

Caso a Iguatemi S.A. faça uma emissão de units para atrair novos investidores e a família Jereissati não acompanhe a injeção de dinheiro na empresa, o seu poder de voto não será ameaçado, levando em conta que os novos sócios receberão principalmente ações PN – sem direito a voto.

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Além disso, o CEO do grupo também anunciou que irá passar o comando para a atual CFO, Cristina Betts, que atua há 13 anos no grupo. Na avaliação do Credit Suisse, a mudança de CEO pode ser vista como natural dado que Carlos ainda continuará no Conselho e Cristina tem uma carreira bastante sólida. A mudança nos postos ocorrerá a partir de 1º de janeiro de 2022.

Conforme destaca a Levante Ideias de Investimentos, a estratégia de reestruturação é uma forma da companhia continuar a expandir sem que haja riscos de diluição de controle, o que poderia ocorrer devido às limitações de capacidade de se usar ações da empresa como “moeda” em uma operação.

No atual formato, apontam os analistas, a empresa poderia se aproximar do limite da utilização de ações como meio de pagamento de aquisições de modo a evitar drenar seu caixa. Esse processo, caso persistisse, comprometeria a estrutura de controle atual. Nesse contexto, os analistas da casa de research veem a estratégia como acertada.

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Além disso, ressaltam, a aprovação da estratégia ainda acarretará o fim do desconto de holding, com os acionistas da Jereissati Participações sofrendo uma diluição, o que poderá ser ainda mais benéfico para seus preços. Por fim, a companhia ainda será beneficiada com maior liquidez de suas ações.

Os papéis pulverizados entre diversos investidores fora do grupo controlador (o chamado free float) subiria em 45%, ampliando sua liquidez potencial, segundo o comunicado das companhias.

Conforme destaca o Credit Suisse, a operação indica um prêmio de 5% em relação ao fechamento da véspera para IGTA3 e para JPSA3 um re-rating de 40%. Daniel Gasparete e Pedro Hajnal, analistas do banco, apontam que a transação precisaria ainda passar por dois estágios principais: 1) conversão das ações de JPSA para unit (1 ordinária e 2 preferenciais) e 2) acionistas de IGTA irão receber a unit emitida pela JPSA com 10% de prêmio em relação aos últimos 30 dias ou 5% em relação ao fechamento de segunda-feira, relacionado à incorporação da IGTA pela JPSA.

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De uma forma geral, os analistas veem mérito na transação e acreditam que há espaço para destravar crescimento. O aumento de free float, liquidez e algum prêmio para os acionistas de IGTA também podem ser vistos por um ângulo positivo.

Porém, o contraponto destacado por Gasparete, Hajnal e outros analistas é de que o prêmio oferecido para os acionistas de IGTA3 não é muito alto dada a estrutura de units. Adicionalmente, contudo, pode ser lembrado que alguns pares listados aceitaram diluição para continuarem a crescer. Os analistas avaliam que realmente existe espaço para crescimento e que pragmaticamente parece fazer sentido estar do lado de uma gestão de muita qualidade e um portfolio também de alta qualidade nestes termos.

Os analistas do Credit lembram que a transação ainda está pendente de aprovação dos minoritários e que os investidores devem aceitar a operação, mas pedir um prêmio maior dado que o balanço parece bem mais favorável para os acionistas de JPSA.

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O Itaú BBA também aponta que o anúncio é positivo para Iguatemi devido ao acréscimo de valor que poderia ser gerado com fusões e aquisições, mas também ressaltam um possível impacto negativo do ponto de vista da governança corporativa, ainda que a empresa siga destacando que continuará a respeitar todos os padrões do Novo Mercado e que a transação depende totalmente do voto dos acionistas minoritários.

“Nós vemos o anúncio como positivo para as ações da IGTA3, visto que oportunidades de fusões e aquisições provavelmente serão positivas devido à escalabilidade operacional do setor e a nossa convicção de que a empresa se engajará efetivamente na consolidação do mercado assim que o negócio for totalmente concluído. No entanto, notamos que a estrutura complexa de units levará um pedágio na governança corporativa, especialmente considerando que o grupo consolidado seria listado no Nível 1 da B3”, apontam. O Nível 1 da B3 é um degrau abaixo do Novo Mercado.

Cabe ressaltar que a mudança para um patamar de governança inferior demanda que o controlador faça uma oferta pública de aquisição de ações dos minoritários, o que não está nos planos. Portanto, os minoritários precisarão aprovar tanto a mudança e a dispensa de tal oferta.

O Morgan Stanley mostra ainda mais desconfiança com a mudança do nível de governança corporativa, trazendo ainda um breve histórico dos motivos para ter havido a criação do Novo Mercado na B3. “Não esperamos que os investidores se alinhem a favor da proposta, pois isso resultaria na retirada da IGTA do Novo Mercado, com direito a voto / propriedade econômica assimétrica”, apontam.

Nikolaj Lippmann e Jorel Guilloty, analistas do Morgan, apontam que, no Brasil, a década de 1990 ofereceu uma longa lista de eventos preocupantes de governança corporativa que resultaram na criação do Novo Mercado; um mercado com apenas uma classe de ações, as ordinárias, com direito a voto e baseadas nas melhores práticas de governança corporativa. Desta forma, eles apontam que não veem por que os investidores aceitariam abrir mão do princípio de “uma ação, um voto” que a Iguatemi oferece hoje. Eles avaliam que o problema com “as classes de ações duplas” no Brasil e em outros lugares é que, em última análise, é que elas criam um desalinhamento das estruturas de incentivos.

Já para Luís Sales, analista da Guide, o fato da troca na listagem no Novo Mercado pelo Nível 1 da B3, que pode prejudicar a nota de governança da nova companhia na métrica ESG (melhores práticas em termos de questões ambientais, sociais e de governança), pode ser compensado com a possível redução de despesas operacionais e financeiras, que deve melhorar suas margens, o que permitiria, além de futuras aquisições, resultados mais robustos.

Os analistas do Bradesco BBI destacam também que, embora preferissem uma estrutura mais simples, tendem a ver a saída do Novo Mercado como menos relevante nesta fase, uma vez que a diluição do poder de voto das minorias não mudará
o processo de tomada de decisão existente nem o acionista controlador, ao mesmo tempo que adiciona alternativas estratégicas significativas para a empresa. “Enfim, vemos o movimento como estrategicamente positivo e necessário, que deve ajudar a Iguatemi a justificar o prêmio de avaliação atual sobre os pares”, avaliam. Segundo eles, a operação visa atender um dos principais pontos de preocupação com a tese, que é exatamente a flexibilidade limitada para fazer movimentos estratégicos e manter a empresa em um caminho de crescimento sustentável.

Desta forma, o próximo passo a ser acompanhado é a assembleia para deliberação da proposta, que ocorrerá no dia 8 de julho, às 10h e sem a votação dos controladores.

Enquanto isso, analistas seguem divididos sobre a ação da companhia, mesmo levando em conta um cenário mais positivo para o setor de shoppings com a tese de reabertura da economia (veja mais clicando aqui). Os analistas do Credit seguem destacando visão positiva para Iguatemi entre as ações de sua cobertura do setor no Brasil, mantendo recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado) e preço-alvo de R$ 45 (ainda que 3% abaixo do fechamento da véspera). A mesma recomendação, mas com um preço-alvo de R$ 42,80 (ou um valor 7,7% menor), tem o Itaú BBA para os ativos.

Já o Morgan Stanley possui recomendação equalweight (exposição em linha com a média do mercado) para os ativos, com preço-alvo de R$ 38 (ou queda de 18%), enquanto o BBI tem recomendação neutra e preço-alvo de R$ 50 (ou 7,7% acima do fechamento da véspera). Segundo compilação da Refinitiv, seis casas possuem recomendação de compra e seis possuem recomendação neutra para os papéis, com preço-alvo médio de R$ 43,40, ou 6,5% abaixo do fechamento da véspera.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.