Recuperação judicial da Latam nos EUA: o que representa para o setor e o que esperar para Gol e Azul?

Notícia não foi vista com surpresa por parte do mercado; no curto prazo, analistas veem Gol e Azul se beneficiando, mas cenário é de cautela

Lara Rizério

Avião da Latam
Avião da Latam

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SÃO PAULO – O novo coronavírus faz mais uma vítima entre as grandes companhias do setor aéreo em meio à forte queda da demanda por conta da pandemia.

O grupo Latam, maior da América Latina, e suas afiliadas no Chile, Peru, Colômbia, Equador e Estados Unidos entraram com pedido de recuperação judicial (Chapter 11) nos Estados Unidos nesta terça-feira (26), em um processo que a protege de mais de cem mil credores e de uma dívida de cerca de US$ 18 bilhões. A empresa é a segunda aérea da América Latina a fazer a solicitação em meio à crise da pandemia da covid-19; apenas duas semanas atrás, a Avianca Holdings fez um pedido similar.

A decisão de concentrar o processo nos EUA foi tomada porque o país permite que se negocie compromissos com arrendadores de aeronaves. No Brasil, por exemplo, isso não é permitido.

Apesar das unidades do grupo no Brasil  – além de Argentina e Paraguai – não estarem envolvidas no processo de recuperação, o anúncio da companhia aérea é monitorado de perto por aqui dadas as suas grandes operações no país, a expectativa de que aconteça um socorro às empresas do setor (em que a Latam também estaria incluída) e também com os possíveis reflexos nas outras aéreas que operam aqui, mais notoriamente Gol (GOLL4) e Azul (AZUL4).

Conforme destaca o Morgan Stanley, a notícia de pedido de recuperação judicial da Latam não foi exatamente uma grande surpresa por três motivos principais: i) as implicações particularmente desafiadoras da pandemia para a empresa devido à sua alta exposição ao segmento internacional de viagens de longa duração (mais de 7 horas); ii) seu alto nível de dívida com vencimento no médio prazo e iii) reportagens recentes da imprensa indicando que o pedido estava sendo considerado.

Há 10 dias, a empresa deixou de honrar o pagamento de uma parcela de um empréstimo de US$ 1 bilhão feito em 2015 para comprar 17 aeronaves. A dívida foi estruturada nos EUA – também um dos motivos para o pedido de recuperação no país.

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Nos últimos dias, a Latam demitiu funcionários e tentou levantar recursos para quitar o valor devido. Contudo, essas medidas não foram suficientes e, em meio à inadimplência, as agências de classificação de risco de crédito Fitch e S&P rebaixaram a nota da empresa na última sexta-feira.

Para os analistas do Morgan Stanley, os US$ 900 milhões em financiamento potencial de grandes acionistas aumentam as perspectivas de sobrevivência da companhia aérea. As famílias sócias da empresa, a chilena Cueto (controladora, com 21,5% de participação) e a brasileira Amaro (com 2%), e a Qatar Airways (dona de 10% da aérea) deverão conceder um empréstimo até esse montante para que a Latam continue operando enquanto está em recuperação.

Por outro lado, embora o pedido de recuperação exclua o Brasil, o Morgan avalia que essa medida pode comprometer o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), levando em consideração que uma parte do financiamento precisaria vir do mercado.

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Vale destacar que, pelo fato de ser estrangeira e não ter capital aberto na bolsa brasileira, ainda não há a confirmação de que a companhia poderá participar do pacote de ajuda ao setor aéreo encabeçado pelo BNDES e com a participação dos demais bancos privados.

Contudo, segundo executivos da companhia, a não-ajuda do governo não é uma opção.

Roberto Alvo, presidente executivo do grupo, afirmou a jornalistas nesta terça-feira que o processo de recuperação judicial da empresa nos EUA poderá favorecer as negociações por um aporte do banco de fomento, que passaria a ter preferência em caso de quebra da companhia. “Esta é uma crise sem precedentes na história da aviação. Nenhuma empresa aérea poderá sobreviver sem a ajuda dos governos”, afirmou Alvo.

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Entre uma das propostas aventadas pelo mercado, o BNDES teria oferecido R$ 2 bilhões para cada companhia, totalizando R$ 6 bilhões ao considerar Gol, Azul e Latam (e ficando abaixo dos R$ 10 bilhões esperados inicialmente). O financiamento contaria com a emissão de debêntures simples (75%) e bônus conversíveis em ações (25%), respectivamente. Como a Latam é listada na bolsa de Santiago, no Chile, ela teria que emitir recibos de ações (BDRs) na B3, para que os títulos tenham aderência com a legislação local.

Na mesma linha, em entrevista para o jornal O Estado de S. Paulo, Jerome Cadier, presidente da Latam no Brasil, afirmou: “a única coisa que é inviável é achar que não vai ter ajuda governamental. A ajuda dos governos, não só do Brasil, precisa vir, assim como vimos acontecer na Alemanha e nos Estados Unidos. Para mim, é inegável que virá”.

De acordo com ele, as conversas com o governo Jair Bolsonaro estão avançando, de forma a que se chegue a uma solução que também atenda a Latam. “Tem a opção de encontrar um financiamento que não obrigue a companhia a se listar aqui e tem outras opções. A gente ainda não convergiu, mas estamos analisando os prós e contras de cada opção”, apontou. A companhia espera ainda receber ajuda do governo do Chile, país sede da empresa.

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Apesar do pedido de recuperação, a empresa segue em atividade, mas em escala já reduzida devido ao distanciamento social e ao fechamento de fronteiras.

Para o Morgan Stanley, “embora a Latam tenha boas perspectivas de sobrevivência, acreditamos que o resultado da reestruturação possa resultar em muito pouco valor para os atuais acionistas da empresa, de modo que uma posição cautelosa sobre as ações continua sendo justificada”.

Positivo para os pares ou um caso de “quem é a próxima”?

No final de abril, o Morgan já havia cortado a recomendação para os recibo de ações da companhia negociados em Nova York (ou ADRs, na sigla em inglês) para underweight (exposição abaixo da média), enquanto manteve a recomendação equalweight (exposição em linha com a média) para os pares brasileiros Gol e Azul.

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Os analistas destacaram ainda a preferência pela Gol dada a sua maior liquidez e também o perfil de operações de voos, com menor exposição internacional (13% ante 24% da Azul) no quarto trimestre de 2019), enquanto a Azul tinha maior participação de voos de longa distância, que devem demorar mais para se recuperar.

“A Gol também se beneficiaria de uma eventual redução da Latam uma vez que as duas companhias aéreas possuem um alto nível de sobreposição”, destacaram à época. A sobreposição de rotas entre Gol e Latam é de 80% e, entre Azul e Latam, é de 20%.

Adeodato Netto, estrategista-chefe da Eleven Financial, por sua vez, avalia que, uma vez que tem uma importância relevante no mercado internacional, há espaço importante para a Azul conquistar uma participação adicional do mercado.

Desta forma, o impacto nos pares brasileiros dependerá de como o plano de recuperação da Latam afetará os investimentos da companhia, o que seria natural em função da proteção ao interesse dos credores, avalia Netto.

O mais importante a destacar, porém, é que será necessário que as duas companhias brasileiras sigam no caminho para manter o caixa em meio ao cenário bastante complicado com a redução da demanda por conta do coronavírus. Apenas em abril, a queda no fluxo de passageiros nos principais aeroportos no Brasil foi de aproximadamente 90%, o que obrigou as companhias a tomar diversas medidas para preservar a liquidez.

A Gol e a Azul negociaram cortes salariais de 25% a 50%, adiaram capex (investimentos) não essenciais e renegociaram contratos de leasing de aeronaves, enquanto que a Medida Provisória nº 925/2020 reduziu as necessidades de capital de giro a curto prazo, pois as passagens aéreas canceladas podem ser reembolsadas em 12 meses.

Além disso, aponta o estrategista-chefe da Eleven, se houver algum tipo de suporte às companhias aéreas (caso do BNDES), isso pode ampliar ainda mais a capacidade das duas companhias de consolidarem posição de protagonismo.

“É difícil ver no curto prazo uma relação negativa para a Azul e Gol, uma vez que o ‘Chapter 11’ não é propriamente uma novidade dentro desse setor, as dificuldades de reestruturação da dívida e de apoio via BNDES já eram problemas conhecidos para a Latam e, no curto prazo, as brasileiras tendem a ser beneficiadas [em meio à menor concorrência]”, aponta Netto. Segundo o estrategista, tanto a Gol quanto a Azul possuem capacidade em seu caixa para suportar diversos meses com uma retração de frota muito grande.

Na mesma linha e também reforçando as medidas tomadas pelas aéreas brasileiras recentemente, o Morgan Stanley avalia: “Reconhecemos que as notícias de hoje possam suscitar preocupações sobre qual seria a próxima companhia aérea, mas não estamos preocupados demais. (…) A Gol e a Azul ganharam confiança adicional em sua capacidade de sobreviver à crise com base no nível reduzido de consumo mensal de caixa, posições de liquidez respeitáveis, baixos níveis de vencimentos de dívida no curto e médio prazos (apesar da Gol ter um empréstimo com vencimento em agosto) e com o potencial financiamento do BNDES”.

A Levante Ideias de Investimentos, por sua vez, aponta que a notícia da Latam acende o sinal vermelho no setor de empresas aéreas brasileiras devido ao aumento da percepção de risco do mercado.

Mas também ressalta que alguns números do setor nos Estados Unidos revelam que o pior já pode ter passado. Segundo dados da Transportation Security Administration, o número de passageiros identificados no último dia 24 de maio triplicou no com relação ao número do dia 14 de abril, passando de cerca de 87 mil passageiros para mais de 267 mil passageiros.

“O número ainda é bastante inferior aos registrados no mesmo período de 2019, mas a melhora ao menos marginal é uma luz no fim do túnel de que a tendência a partir das próximas semanas é de melhora no movimento”, avalia. Assim, o catalisador para as ações do setor seguirá sendo a duração das medidas mais rígidas de isolamento social e o aumento gradual no fluxo de passageiros nos aeroportos.

No acumulado do ano (até o fechamento de segunda-feira), as ações da Gol e da Azul recuam 65,7% e 73,7%, respectivamente, enquanto o Ibovespa apresenta queda de 25,6% em 2020. Na sessão desta terça, os papéis registraram baixa em meio à cautela com o segmento, com queda de 2,46% para os ativos GOLL4 e 3,85% para os AZUL4, mas longe do pânico que poderia representar um pedido de recuperação judicial de uma grande empresa no setor.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.