Real entre farpas: Como fica a cotação do dólar com a batalha entre Lula e BC?

Taxa de juros é responsável, em grande parte, pela manutenção da moeda brasileira em seus atuais níveis

Vitor Azevedo

Foto: Getty Images
Foto: Getty Images

Publicidade

O dólar chegou, na última semana, a ser negociado abaixo dos R$ 5  após a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) para, nesta terça-feira (7), tocar os R$ 5,20 na máxima do dia. Além dos fatores externos, como os dados de mercado de trabalho forte nos EUA, o que tem levado a uma recente fraqueza da moeda é a tensão entre o Banco Central (BC) e o governo.

Nos últimos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) intensificou a sua batalha contra o atual nível dos juros no Brasil, a independência do Banco Central e seu presidente, Roberto Campos Neto. A movimentação vem surtindo efeitos nos ativos brasileiros, principalmente no câmbio.

Lula, que já tinha feito críticas à autonomia do BC, subiu ainda mais o tom das suas falas na semana passada, após o Copom apresentar um comunicado hawkish (que sinalizou juros altos por mais tempo mostrando preocupação com a inflação). Com isso, surgiram rumores até mesmo de que o governo atuaria para mudar o perfil da autoridade monetária, já que dois cargos de diretores do BC ficaram vagos em breve.

Neste cenário, na ata desta terça, o BC buscou equilíbrio entre o comunicado duro e a visão do esforço fiscal do governo, apontando que a execução do pacote apresentado pelo Ministério da Fazenda deveria atenuar o risco fiscal e que será importante acompanhar sua implementação. Na sessão desta terça, o dólar chegou a cair para R$ 5,13 repercutindo a sinalização do BC; porém, críticas renovadas de Lula voltaram a impactar o câmbio, com o dólar voltando a subir.

“No Brasil, já vivemos uma incerteza quanto ao fiscal e, agora, temos também ameaças na política monetária”, diz Leandro Marchioretto, CEO da Mauá Câmbio. “A preocupação do mercado financeiro é: será que a política do Lula com o Banco Central é só para justificar, para achar um culpado, para o não-crescimento do país? Isso, de toda forma, reflete na cotação do dólar porque aumenta as dúvidas”.

A incerteza fiscal, em grande parte, é o que justifica as maiores altas taxas de juros. Investidores, com o temor de que o país pode não arcar com seus compromissos financeiros, cobram taxas maiores para emprestarem dinheiro, de olho na dinâmica de risco e retorno.

Continua depois da publicidade

As taxas maiores de juros vêm, então, para manter os retornos atrativos, acompanhando a alta dos riscos. Decorrentemente, ela também tem grande importância na força do real e no poder de compra dos brasileiros.

Sinalização do Copom derrubou dólar

E foi isso que o Copom, na última quarta, sinalizou após a sua decisão de manter a Selic, bem como em sua ata, publicada hoje. Lula, porém, não gostou das falas.

“É normal o desconforto, porque a taxa alta freia a economia, Com as ameaças, contudo, o mercado fica apreensivo, pois cai todo o aspecto técnico para dar lugar à política. Se a Selic for baixada na canetada, a gente fica menos atrativo para o investidor estrangeiro”, complementa Marchioretto.

Continua depois da publicidade

Julio Hegedus Netto, economista-chefe da Mirae, pondera que o atual presidente herdou, do governo passado, uma situação fiscal negativa.

“A bomba fiscal, com o Auxílio Brasil, veio em R$ 65 bilhões no ano passado. A PEC de Transição, nesse, chegou a R$ 230 bilhões. Neste contexto, o BC, nos seus vários comunicados, deixou bem claro que manterá o juro em 13,75% por um período prolongado, enquanto o front fiscal não for resolvido”, diz o economista.

O Banco Central começou um ciclo de alta dos juros já há algum tempo. Desde 2021, o BC vem buscando controlar a inflação, resultante, principalmente, dos estímulos impostos durante o período mais grave da pandemia e também por conta dos maiores gastos públicos da época.

Continua depois da publicidade

De acordo com Netto, entretanto, tentar mexer na Selic e na independência do Banco Central é duplamente antiproducente, pois aumenta a incerteza política, logo também os riscos, e, ao mesmo tempo, diminui os retornos.

“Não é papel do presidente do Banco Central agradar o governante de ocasião. Seu papel é sim de ‘poder moderador’. O governo errou a mão na política econômica? Gastou muito? As taxas de mercado se estressam e o BC atua”, comenta o especialista da Mirae. “Os investidores vinham trazendo recursos para o Brasil pensando na arbitragem de juros, mas a boa comunicação do Fernando Haddad [ministro da Fazenda] em Davos também foi uma boa sinalização. O problema é que aí veio o Lula para embaralhar tudo”.

Haddad, para ele, vem buscando formas de melhorar a situação fiscal brasileira, o que permitiria um recuo da Selic. Além disso, o ministro da Fazenda também vem tentando colocar panos quentes na disputa, sinalizando que não há orientação de mudar o perfil das indicações da diretoria do BC.

Continua depois da publicidade

“Todos os ativos estão estressados. Dólar em apreciação, futuros de juro esticados, bolsa de valores de lado. Estamos numa escalada e por uma estratégia meio errada, Lula porém aparentemente resolveu dar mais ouvidos a alas do PT, mais ideológicas, aos dilmistas, e menos à turma mais assertiva e pragmática”, contextualiza Julio Hegedus Netto.

A Mirae, segundo seu economista-chefe, na frente de câmbio, “continua a observar atentamente os acontecimentos”.

Real caiu também por cenário externo

O dólar, na última semana, caiu forte também por conta de uma “tempestade perfeita” que se formou no exterior – e que, depois, se desfez.

Continua depois da publicidade

Enquanto o Banco Central brasileiro sinalizou que a Selic poderia se manter alta por mais tempo, o presidente do Federal Reserve Jerome Powell citou, também na última quarta, a possibilidade de cortar a fed funds, taxa básica da maior economia do mundo, ainda neste ano se a inflação, por lá, se mostrar controlada.

A combinação entre os dois movimentos aumentaria o diferencial de juros do Brasil para os Estados Unidos, o que fortaleceu o real.

Na última sexta, porém, a divulgação do Payroll americano trouxe que o mercado de trabalho, por lá, continua muito aquecido, o que aumentou as preocupações de que o Fed terá de manter o juros alto por mais tempo.

“O câmbio está com uma leve depreciação e com uma volatilidade alta, dado o noticiário doméstico, com as críticas do presidente à questão do Banco Central, à taxa de juros e à meta de inflação. Tudo isso gera ruído na precificação”, explica Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo Investimentos. “Isso vem junto com o cenário lá fora, com o dólar ainda se apreciando frente às principais moedas, revertendo a tendência anterior, de enfraquecimento”.

O DXY, que mede a força da moeda americana frente a outras divisas de países desenvolvidos, saiu do patamar dos 101 pontos na última sexta para os 103,5 pontos hoje, com a possibilidade de o Fed não baixar a taxa de juros.

Por fim, os especialistas destacam que o real também vem sendo impactado negativamente pela questão da China.

A reabertura do gigante asiático, após o fim da política de Covid Zero, impulsionou o valor das commodities, principais produtos exportados pelo Brasil. Agora, o mercado aguarda para ver como a economia do país irá reagir aos lockdowns e o ânimo com o fim das restrições, que vinha desde novembro, deu espaço para uma certa cautela.

“Até o final do mês teremos dois eventos relevantes para o mercado. A reunião do Conselho Monetário Nacional, no dia 16, e a indicação dos dois novos diretores para o BC, que tem cadeira no Copom. Destaque para o nome que irá substituir Bruno Serra, diretor de Política Monetária”, destacou a Wagner Investimentos, em relatório publicado nesta manhã de terça.

“Quanto ao câmbio, é possível que tenhamos nova rodada de apreciação do dólar”, aponta o documento, destacando os dados da inflação dos EUA (PCI, na sigla em inglês) na próxima semana, que podem levar a uma alta da divisa americana se os números vierem acima do previsto. “Internamente temos a disputa Lula com Roberto Campos e a indicação dos novos diretores”, reforçou.

Um outro ponto de atenção mencionado foi a expectativa pela fala nesta tarde Powell. As declarações, contudo, foram vistas para a moeda brasileira como positivas ao sinalizar desaceleração da inflação nos EUA, mas não o suficientes para segurar a alta do dólar.

A disputa BC-governo continuou nesta terça, apesar do sinal dado pelo Copom na ata, o que indica que o câmbio deve seguir pressionado.