Prejuízos bilionários: como as companhias aéreas se acostumaram a operar no vermelho

Com margens estreitas e custos relevantes, prejuízos se tornaram corriqueiros; entenda

Camille Bocanegra

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“Nos anos 1970, no Brasil, existiam dois empregos para vida toda: no Banco do Brasil e na Varig”. A frase, de um executivo que atuou por anos como CEO no setor de linhas aéreas na Europa, ilustra a segurança que havia em torno da primeira companhia aérea criada no Brasil.

Hoje, o que um dia foi a Varig, após inúmeros percalços financeiros, se transformou na Gol(GOLL4), que está em recuperação judicial (RJ) por meio do Chapter 11. A decretação aconteceu no começo deste ano. Desde então, as ações da companhia aérea desabaram 82% e os papéis foram expulsos do Ibovespa, pela condição de RJ.

O caso acima exemplifica a dificuldade financeira existente no setor aéreo. Trimestre a trimestre, as companhias amargam prejuízo quando há ajuste no lucro líquido, como foi o caso, também, da Azul (AZUL4) em 2021, 2022 e 2023.

Dessa forma, a questão que fica é: o setor aéreo se acostumou a voar no prejuízo?

Prejuízos bilionários

No caso brasileiro, a margem é, de fato, muito apertada, segundo Enrico Cozzolino, head de análise da Levante. Dentre os números, considera-se 40% de custo em querosene de aviação, de 10% a 12% para funcionários e, entre outros itens, como peso operacional, tarifas, taxas e depreciação, que somam 99% do lucro da companhia.

Na visão do especialista, por mais que o setor seja bem operado, sempre trabalhará com margem apertada. “Tem diversos planos que as companhias aéreas já revisitaram ao longo dos tempos e vão revisitar novamente, apertar um pouquinho mais ainda o voo para caber mais”, afirma.

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Além disso, a aviação é diretamente impactada por fatores muito voláteis como o dólar e o petróleo, considerando também a concorrência internacional (que apresenta custos diferentes, como 20% de seu custo em querosene para o caso da American Airlines).

Trata-se, contudo, de um segmento estratégico e há estudos que garantem o retorno de investimento em portos, aeroportos e rodovias na proporção de R$ 50 para cada R$ 1 investido.

De acordo com o head de análise, pode ser considerado um setor que traz retorno importante para o PIB e que é fundamental para desenvolvimento de nação, explica o especialista.

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Justamente por isso que quanto mais consolidação for, melhor, segundo Cozzolino. “Não tem, de fato, espaço para todo mundo e não à toa que as companhias aéreas, no final das contas, muitas dessas acabam quebrando, falindo ou se juntando”, afirma.

“É um jogo de escala e operar, obviamente, no micro, aqueles indicadores assento por quilômetro, taxas de ocupação, o custo operacional por assento por quilômetro”, comenta Cozzolino.

Azul em vantagem

Os aspectos micro são justamente os pontos que baseiam a tese de investimento na Azul (AZUL4) da Levante. A redução de custos operacionais, a escalabilidade, a iniciativa de realização de promoções e eventos para melhorar a ocupação em sazonalidade adversa são alguns dos aspectos elencados pelo estrategista.

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Do lado macro, a desvalorização do real frente ao dólar dificulta as operações da companhia, assim como o custo aumentado do querosene de avião. Os entraves abarcam não somente a Azul mas sim todas as companhias locais.

Para além do prejuízo e de indicadores tradicionais do mercado, há alguns específicos como o ASK (que é o Available Seat Kilometre, ou seja, a oferta para olhar quanto de assento tem disponível) e o RPK (Receita Passageiro Quilômetro) que auxiliam no entendimento dos números das companhias aéreas.

Dentre os aspectos analisados, estão “a diluição dos custos fixos, a escalabilidade no negócio, tentar tirar vantagens, muitas vezes com consolidação, fusões, aquisições e sobreposições de rotas entre as companhias”, considera o especialista.

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“Em números, quando a gente vai falar de margem operacional das companhias no último trimestre, Azul gira em torno de 13, já Gol em torno de 23%. O dado varia muito de trimestre a trimestre”, diz Cozzolino.

Há uma série de variações que tornam os múltiplos das companhias pouco projetáveis, considerando a alta oscilação apresentada no setor.

Lá fora não é muito diferente

“Eu diria que é capaz de ser uma das indústrias mais difíceis do mundo porque está rodeada de muitas variáveis que nós não controlamos. Por isso, normalmente uma companhia aérea para arrancar precisa de muito capital”, comenta Eugenio Fernandes, que atuou como CEO na EuroAtlantic Airways e hoje administra empresa própria de consultoria e intermediação de negócios, na área da avião, em especial na venda/aluguel de aeronaves e fornecimento de serviços, essencialmente, combustível e peças.

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A visão do executivo sobre o negócio em escala internacional (em especial, na Europa) é similar ao observado no Brasil, como negócio de pequena margem e muito sujeita a variáveis.

Ainda assim, Fernandes rechaça a ideia de que é um setor que dá apenas prejuízo, desde que gerido muito de perto. Além disso, há a dinâmica de muito crescimento nas companhias, com investimentos e expansão difíceis de manter sem que haja capital sempre disponível para tanto.

Algumas das dificuldades enfrentadas lá fora, no entanto, são um pouco diversas, como movimentação de sindicatos.

“Qualquer aumento do preço do combustível, qualquer tremor de terra, qualquer revolução num país, faz com que o prejuízo venha muito rápido, porque é um negócio de volumes muito grandes e de margens muito pequeninas. E, por isso, se o negócio não for gerido na ponta do lápis, independentemente de qual seja a dimensão da companhia, a probabilidade de dar prejuízo é grande”, resume o executivo.

Fusão Gol e Azul

Em meio à crise da Gol, mês passado, foram fortes os rumores quanto à uma fusão dela com a Azul, após notícia da Bloomberg informar que a negociação estaria em curso. Entretanto, a Azul afirmou que não negociou qualquer acordo de compra da concorrente no Brasil.

Pelo sim, pelo não, analistas calcularam de quanto poderiam ser as sinergias operacionais com a fusão entre a companhias, que poderiam somar algo como R$ 1,3 bilhão e R$ 1,7 bilhão por ano.