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SÃO PAULO – Pregões Incríveis volta mais de cem anos na história para contar um episódio que, no entanto, carrega consigo muitas semelhanças com algo ocorrido recentemente: o dia em que JP Morgan salvou os mercados financeiros do colapso.
Para os que não lembram, a instituição exerceu papel fundamental na atual crise ao resgatar o Bear Stearns da completa bancarrota no dia 17 de março de 2008. Cem anos e cinco meses antes disto, JP Morgan também era aclamado em Wall Street: não o banco, mas seu fundador em pessoa, John Pierpont Morgan.
O contexto e o começo
A data era 1907, um ano particularmente difícil à economia norte-americana, impactada por uma decepcionante temporada de safras e pelo grande terremoto que havia devastado São Francisco um ano antes, em 1906. O pior, no entanto, ainda estava por vir. Sem qualquer tipo de órgão que atuasse como um Banco Central, esquemas e golpes eram comuns no ainda frágil mercado norte-americano.
Em 14 de outubro daquele ano, o magnata Otto Heinze decidiu realizar agressiva compra de ações da United Copper, a fim de forçar uma valorização dos papéis e, desta forma, embolsar grandes montantes em questão de um ou dois dias. O esquema, no entanto, falhou, e Otto e sua corretora Gross & Kleeberg foram à falência, causando um efeito dominó de proporções até então nunca vistas no setor financeiro.
Na tarde do dia 23 de outubro, após dezenas de firmas de peso já terem fechado suas portas, o então secretário do Tesouro dos EUA, George Cortelyou, pediu ajuda a John Morgan. Depois de uma reunião a portas fechadas na sede do JP Morgan em Wall Street – que, segundo relatos coletados por historiadores, teria durado toda a madrugada -, Cortelyou injetou US$ 25 milhões para adicionar liquidez aos mercados na manhã seguinte. Destes, US$ 10 milhões teriam vindo do magnata John D. Rockefeller; outras tantas dezenas de milhões, de John Morgan. Mas fato é que o pacote trouxe pouco alívio à bolsa de Nova York na quinta-feira do dia 24 de outubro.
Minutos cruciais à História
Às 10h00 da manhã, na abertura daquele pregão que ficaria para a História, as taxas cobradas pelos bancos para financiar as chamadas de margem flutuavam em torno de 10%; antes do meio-dia, haviam disparado para 60%; por volta das 13h00, atingiam 100%, paralisando os negócios na bolsa. Segundo o historiador Sean Carr, da Universidade de Virginia, foi por volta deste horário que John Morgan foi novamente procurado, desta vez por Ransom Thomas, o então presidente da New York Stock Exchange.
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A intenção de Thomas era fechar a bolsa mais cedo e evitar que mais falências ocorressem. Morgan, veementemente contrário à ideia, rapidamente reuniu os presidentes dos catorze maiores bancos nova-iorquinos em sua sala, por volta das 14h00. Menos de vinte minutos depois, Morgan conseguiu convencê-los a formar um novo pacote de US$ 25 bilhões. O montante chegou ao mercado às 14h30, a tempo de evitar uma derrocada histórica da bolsa e a falência de tantas outras inúmeras firmas.
Segundo Carr, quando Morgan saiu de seu escritório em Wall Street rumo à sua residência ao norte da ilha de Manhattan por volta das 19h00, uma multidão de investidores se aglomerava aclamando seu nome. Não era ainda o fim do episódio hoje conhecido como “Pânico de 1907” – na sexta-feira seguinte, novas turbulências foram constatadas, assim como nas semanas subsequentes -, mas sem dúvidas, John Morgan havia salvado o mercado de uma quinta-feira negra.
O legado e as lições
Do passado ao presente, na recente crise financeira, muitos resgates efetuados a instituições à beira da falência foram aclamados quando recebidos, mas posteriormente criticados. John Morgan passou por uma trajetória semelhante.
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Embora tenha desembolsado US$ 21 milhões para aplacar as turbulências, Morgan bem que soube se aproveitar delas para adicionar a Tennessee Coal, Iron and Railroad Company ao portfólio de suas empresas em uma operação bastante controversa – assim como foi a aquisição do Bear Stearns em 2008 pela barganha de US$ 2 cada ação.
O que ficou de lição mais concreta do “Pânico de 1907” foi, no entanto, a necessidade imperativa de uma autoridade reguladora unificada nos EUA, tanto de mercado quanto de políticas monetárias e fiscais, para que posteriores crises fossem mais bem controladas. O resultado foi a criação, em dezembro de 1913, do Federal Reserve, cuja importância hoje perpassa qualquer questionamento.