Precificação de Selic acima de 13% é irracional? Especialistas veem exagero; entenda

Expectativas pioraram após declarações de Lula e dúvidas sobre entrega de cortes de gastos, mas economistas e gestores apontam possível disfuncionalidade

Matheus Prado

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Após os avanços recentes dos juros futuros, em movimento atribuído principalmente a falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre possíveis novas isenções de impostos e ao ceticismo em relação à entrega de cortes de gastos, a curva passou a precificar uma Selic acima de 13% ao fim do ciclo de aperto. Mas o mercado pode estar pesando a mão.

Para alguns agentes ouvidos pela reportagem, mesmo compartilhando da preocupação da maioria com a trajetória das contas públicas, o cenário não é condizente com o tamanho dos prêmios de riscos existentes hoje no mercado e podem indicar algum nível de disfuncionalidade.

Existe um racional por trás da alta dos juros, diz Rafael Ihara, economista-chefe da Meraki Capital, considerando o nível de inflação corrente, a desancoragem das expectativas e o modelo do Banco Central (BC) mostrando a inflação acima da meta no horizonte relevante. Mas o nível atual, com o juro real podendo encostar nos 9%, “já entra em uma trajetória de irracionalidade, com os preços descolando muito dos fundamentos”.

A deterioração do quadro fiscal, somada à pressão da retomada dos juros de títulos públicos nos Estados Unidos, já desenhava um quadro negativo no curto prazo. Ficou pior após Lula voltar a falar sobre a possibilidade de ampliar a faixa de isenção de imposto de renda, com investidores reforçando temores sobre um possível quadro de dominância fiscal à frente.

O leilão de NTN-Bs realizado ontem, que saiu com a maior taxa do ano para os três vencimentos disponibilizados (maio 2029, maio 2035 e agosto 2060) e sem colocação total dos papéis mais longos, mostra humor recente do mercado, diz Ihara. Segundo o executivo, investidores estão pedindo muito prêmio e o Tesouro Nacional é obrigado a aceitar.

“O BC deveria trabalhar para suavizar a volatilidade dos ativos locais, mas depois da trapalhada na reunião de maio, não quer mais se comprometer com guidance. Então o mercado, que não quer dar mais o benefício da dúvida ao governo, está ‘indo pra cima’, porque viu que está sem goleiro”, diz, notando que, para alguns, um câmbio estressado motiva a cooperação em Brasília e facilita a aprovação de cortes de gastos.

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“Bazuca para matar uma formiga”

Sérgio Machado, gestor da MAG Investimentos, caracteriza o patamar atual dos juros como a utilização de uma “bazuca para matar uma formiga”. O executivo pondera que existe, sim, um ambiente conturbado, de dúvidas, na medida em que a injeção de dinheiro pelo governo na economia tem impacto inflacionário e pode, em última instância, anular os efeitos do ciclo de aperto monetário. “Mas não faz sentido um juro real de 8% para levar a inflação de 4,40% para 4%, é muita discrepância entre o tamanho da munição e tamanho da caça”, afirma.

“Na minha opinião, esse movimento foi ajudado pela atuação atabalhoada do BC, que escolheu fazer diversos discursos públicos sobre seu compromisso com a meta nos últimos meses e fez o mercado pedir cada vez mais juros, até pedir juros demais. E agora o BC sumiu. O mercado erra, seja por inocência ou por intenção, e a autarquia precisa corrigir a rota.”

Nessa linha, Machado acredita que a autarquia deveria realizar leilões de recompra de NTN-Bs e LTNs, “impondo limites ao mercado”. Mas, enquanto isso não ocorre, o gestor não está posicionado na curva pré, temendo que a disfuncionalidade do mercado possa durar mais tempo.

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Comunicação do BC

Para Andrei Spacov, economista-chefe da Exploritas, a dinâmica de retroalimentação entre mercado e BC começou já em abril. À altura, houve uma guinada hawkish (pró aperto monetário) no discurso do presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, que viria a culminar na infame decisão dividida em 5 a 4 de maio.

“Não concordo que tenha sido um movimento puramente de mercado. O BC mostrou preocupações já em abril e o mercado entrou na onda. Depois, quando as expectativas de inflação voltaram a se deteriorar e a autarquia mostrou desconforto, o mercado colocou ciclo de aperto nos preços. Agora, a curva diz que o ciclo precisa ser do tamanho X e talvez o BC não entregue tantas altas”, diz.

O economista opina que começar um ciclo de alta de juros com o juro real a 7% já era questionável, mas que isso foi ignorado e agora a taxa pode ir para 9%, patamar alcançado pela última vez quando a inflação estava em dois dígitos. Nota, por outro lado, que exageros de precificação são comuns durante ciclos de aperto monetário e que a pressão sobre o câmbio exige um aperto maior.

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Mesmo que o Banco Central tivesse acertado mais na comunicação, Gustavo Okuyama, gestor de renda fixa da Porto Asset acredita que o mercado não estaria muito distante do que se encontra hoje. “Uma comunicação mais eficiente certamente teria retirado volatilidade e poderia ter evitado parte da desancoragem do Focus, mas não acho que tenha sido causa central para a necessidade do ciclo de alta”, diz.

Ele diz não enxergar um cenário de estresse nos preços atuais, e sim um prêmio de risco cada vez maior por conta das incertezas fiscais e, mais recentemente, da alta do rendimento dos títulos do Tesouro dos EUA (Treasuries). “O mercado não acredita em Selic a 13,35% no fim do ciclo, mas está mostrando que é um cenário possível agora. Mas não vejo como irracionalidade, e sim medo do governo manter a postura atual.”