Por que o Ibovespa só caiu desde a Super Quarta?

Indefinição externa, o fraco desempenho das principais commodities e o crescimento da percepção de risco fiscal limitam tomada de risco por aqui

Lara Rizério

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Contrariando projeções de que a queda da taxa de juros em 0,5 ponto percentual pelo Federal Reserve na semana passada iria mais do que compensar a alta da Selic no Brasil em 0,25 ponto percentual com a entrada de mais investidores estrangeiros, o Ibovespa só registrou baixa desde a última quarta-feira (18) de decisões de política monetária no mercado, ou a conhecida “Super Quarta”.

Desde então – fechamento de terça até o fechamento de sexta – o Ibovespa caiu 2,9%, com queda bem significativa especialmente no dia 20, quando a baixa foi de 1,55%, atingindo mínimas desde meados de agosto.

Conforme destaca a Ágora Investimentos, nos mercados, as reações dos ativos com as decisões do Fed nos EUA e do Copom no Brasil foram naturalmente diferentes, mas convergentes ao contexto estrutural de cada uma das geografias.

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Nos Estados Unidos, a decisão e a comunicação pós-decisão foram bem recebidas pelos investidores, com impacto nos ativos de risco e com S&P 500 e Nasdaq renovando máximas históricas, principalmente em meio à leitura de que o ciclo de afrouxamento monetário deve ser acompanhado por um pouso suave da economia americana- ou seja, uma desaceleração que não evolui para uma recessão.

Neste sentido, as projeções de lucros para as empresas permanecem minimamente resilientes e os múltiplos de negociação não se deterioraram.

Por aqui, a reação do Ibovespa negativa reflete um movimento de maior aversão ao risco no mercado local, principalmente com uma forte adição de prêmio nos juros futuros de longo prazo, que vai além da desancoragem das estimativas de inflação ou percepção de menor ritmo de cortes nos juros americanos. “Ao cenário, soma-se um aumento significativo do risco fiscal após manobras recentes para aumentar os gastos sem afetar o resultado primário”, avaliam os estrategistas da Ágora.

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Após o comunicado mais duro do Copom, o mercado calibrou suas expectativas para o encontro de novembro, prevendo, em sua maioria, uma alta de 0,50 ponto porcentual na Selic – a Ágora Investimentos entende que esse ciclo de aperto monetário levará a taxa básica da economia à 12,00% no início de 2025.

Assim, a aversão ao risco doméstica aumentou apesar das indicações do mercado de que a elevação dos juros no Brasil seria positiva no atual momento por sinalizar compromisso com o combate à inflação. Desta forma, um efeito positivo desses movimentos não foi sentido nem no curto prazo na Bolsa.

Cabe ressaltar que, no final da semana passada, era grande a expectativa dos investidores para a entrega do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas pelo governo ao Congresso com anúncios que, como se temia, não agradaram o mercado.

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Os ministérios do Planejamento e da Fazenda apontaram que a contenção total de verbas de ministérios para respeitar regras fiscais será reduzida de R$ 15 bilhões para R$ 13,3 bilhões, com ganhos de arrecadação compensando uma alta de gastos obrigatórios. Para o JPMorgan, a redução da contenção de gastos eleva o ceticismo e deixa menos margens para surpresas positivas do lado fiscal.

Soma-se a esse cenário a queda das commodities, com destaque para o minério de ferro, sendo que a Vale (VALE3) corresponde a maior participação individual na carteira do Ibovespa.

Saldo final

Para a Ágora, o saldo final após as decisões monetárias no Brasil e nos Estados Unidos,é um aumento sequencial esperado do diferencial de juros entre as duas economias, que favorece as operações de carry trade(ou carrego).

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“O carry trade é um mecanismo muito utilizado por investidores para tentar obter lucros com base na diferença entre a taxa de juros de dois países. Esse tipo de operação costuma ter forte impacto no câmbio, mexendo com o preço do dólar ante o real, por exemplo”, ressalta a casa. Os estrategistas avaliam que, neste contexto, é coerente esperar um cenário de fortalecimento do real ante o dólar no médio prazo, a partir da entrada de fluxo de capital estrangeiro no país para aproveitar esse diferencial de juros.

“No entanto, um cenário de aumento significativo do risco fiscal –que coloque em dúvida a solvência da dívida pública do país –pode naturalmente reduzir o apetite para esse tipo de estratégia e provocar uma fuga de capital, que por sua vez causaria uma elevação na cotação do dólar frente ao real”, avalia. Na sexta, cabe ressaltar, em meio ao temor fiscal, o dólar subiu 1,78% e superou os R$ 5,50.

O que olhar na semana

O Itaú BBA aponta que a decisão do Copom de elevar a Selic já era amplamente antecipada pelo mercado, mas reforça que o comunicado deixou em aberto a intensidade do ciclo de alta, o que fez com que os investidores ajustassem suas expectativas para as próximas reuniões.

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Agora, o mercado embute uma alta de 0,6 ponto percentual (p.p.) para a próxima reunião, refletindo a crescente incerteza sobre a política monetária à frente. O Banco Central deixou claro que está atento ao comportamento do hiato do produto – que se encontra positivo – e a outras variáveis como a inflação, especialmente em itens sensíveis à atividade, as expectativas de inflação e o balanço de riscos.

Já de acordo com o Relatório Focus desta segunda-feira, analistas consultados pelo Banco Central subiram sua projeção para o nível da Selic ao fim deste ano, prevendo agora uma alta de 50 pontos-base nos juros na próxima reunião do Copom, em novembro. O levantamento, que capta a percepção do mercado para indicadores econômicos, mostrou que os analistas veem a taxa básica de juros, atualmente em 10,75% ao ano, fechando 2024 em 11,50%, ante 11,25% na semana anterior. Em 2025, eles mantiveram a expectativa de que a Selic cairá para 10,50%.

Nesta semana, o foco se volta para a divulgação da ata do Copom nesta terça-feira e o Relatório Trimestral de Inflação na quinta. Esses documentos poderão esclarecer melhor a estratégia do Banco Central, especialmente em relação ao ritmo de aperto monetário, avalia o BBA.

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O IPCA-15, que será divulgado na quarta-feira, também terá papel crucial na definição das expectativas de mercado, especialmente em relação à dinâmica dos serviços, que têm apresentado sinais de aceleração. O mercado estará atento à composição da inflação, com foco no comportamento dos núcleos, que são os itens mais sensíveis à política monetária.

“Com isso, seguimos de olho nas próximas decisões do Banco Central e nos dados econômicos que podem influenciar a política monetária. A combinação de um câmbio mais depreciado, expectativas de inflação desancoradas e um cenário fiscal incerto mantém o mercado cauteloso. Embora o ciclo de alta de juros já tenha sido iniciado, a magnitude e o ritmo das próximas decisões ainda estão em aberto, o que certamente trará volatilidade à curva de juros nas próximas semanas”, avaliam os analistas do banco.

Para a Ágora, a indefinição externa, o fraco desempenho das principais commodities e o crescimento da percepção de risco fiscal devem seguir limitando a tomada de risco por aqui. A revisão do contingenciamento de R$ 3,8 bilhões no orçamento, após projetar uma melhora na arrecadação de 2024, mesmo com frustrações na entrada de receitas extraordinárias, também deve continuar exigindo maior prêmios.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.