Por que o dólar caiu tanto em tão pouco tempo, mas o mercado segue cético com o real?

Fatores externos e noticiário interno "mais tranquilo" das últimas semanas afetaram o real positivamente, mas incerteza com EUA e com fiscal no Brasil segue no radar

Lara Rizério

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Após registrar a segunda maior valorização entre as moedas de 27 economias globais em janeiro, o real continuou sua trajetória de alta em fevereiro. Essa tendência foi interrompida apenas na sessão desta quarta-feira (5), mas a moeda ainda se manteve em torno de R$ 5,80, representando uma queda de quase R$ 0,50 em relação às máximas históricas nominais observadas no final do ano passado, quando se aproximou de R$ 6,30 em meados de dezembro. Desde o dia 18 de dezembro até o fechamento da véspera, a queda acumulada é de 8%.

O dólar foi para a casa abaixo dos R$ 5,80 na sessão de terça-feira (4), engatando 12 sessões seguidas de baixas, a maior sequência negativa em 20 anos, desde o período entre 24 de março e 13 de abril de 2005, quando o dólar fechou em baixa por 14 sessões consecutivas. A moeda americana à vista fechou em queda de 0,76%, aos R$ 5,7719, a menor cotação desde 19 de novembro do ano passado, quando encerrou em R$ 5,7679.

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O movimento recente ocorre por muitas razões, listadas a seguir, enquanto analistas ainda têm muitas dúvidas se essa queda irá persistir:

1. Trump trade mais fraco?

Desde o início do governo de Donald Trump, em 20 de janeiro, a moeda americana passou a registrar queda com sinais de que não haveria medidas tão imediatas que afetassem a economia. Contudo, houve um susto no mercado, após Trump anunciar no fim da última semana a taxação de produtos do México, Canadá e China, os dois primeiros em 25% e o gigante asiático em 10%. Isso causou uma forte aversão a risco no início da semana, até que o presidente dos EUA fez um recuo que causou alívio nos mercados globais.

Trump anunciou acordo na segunda-feira com o México e o Canadá, suspendendo o tarifaço por 30 dias, em troca do fortalecimento da segurança nas fronteiras. Na última terça, a Casa Branca informou que o presidente teria uma conversa telefônica na terça com o líder chinês, com Xi Jinping. Fontes ouvidas pela Dow Jones afirmaram, no meio da tarde, que o diálogo não aconteceria naquele dia.

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“Prevalece no mercado a impressão de que Trump usa a ameaça de tarifas como ferramenta para trazer os países para a mesa de negociação, e não como uma política comercial já definida. Isso reduz um pouco a percepção de risco neste primeiro momento”, apontou o economista-chefe da corretora Monte Bravo, Luciano Costa, ao Broadcast.

2. Dados mais fracos dos EUA

Além do alívio com o adiamento de tarifas a México e Canadá, especificamente na última quarta, o dólar caiu no mundo com dados aquém do esperado da atividade nos EUA referentes a dezembro, como as encomendas à indústria e a abertura de postos de trabalho segundo o relatório Jolts, conforme ressaltou o economista André Galhardo, consultor da plataforma de transferência internacional Remessa Online.

“A pesquisa Jolts sugere que, finalmente, o mercado de trabalho americano está perdendo força. Isso teoricamente abre caminho para o Federal Reserve ser talvez menos conservador na política monetária do que o esperado, ajudando a empurrar o dólar para baixo”, afirma Galhardo.

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Na terça à tarde, a presidente do Fed de São Francisco, Mary Daly, ecoando falas recentes de dirigentes do Banco Central dos EUA, disse que a política monetária está bem posicionada para lidar com o atual ambiente de incerteza e que a inflação caminha à meta de 2%. Ferramenta do CME Group mostra que a curva de juros futuros dos EUA passou a refletir cenário mais provável redução acumulada de 50 pontos-base na taxa básica americana neste ano.

3. Carry trade

Também houve um aumento da atratividade de operações de carry trade e que, com as altas seguidas da taxa Selic, o carregamento de posições compradas em dólar se tornou muito custoso. Carry trade nada mais é que uma operação de tomar dinheiro emprestado em um país com juros mais baixos e investir em outro que ofereça taxas mais altas.

“Outras moedas também ganham contra o dólar. Contudo, há evidências de que os efeitos cumulativos das altas dos juros no Brasil podem estar tendo efeito sobre a dinâmica cambial”, afirma o economista André Perfeito.

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Um ponto importante na véspera foi a ata do Copom. Para Costa, da Monte Bravo, o Copom buscou, em sua ata, “corrigir a impressão” mais amena deixada pelo comunicado da quarta-feira passada, quando elevou a taxa Selic, em 1 ponto porcentual, para 13,25% ao ano, e reiterou a promessa de mais uma elevação de igual magnitude em março. Na ocasião, chamou à atenção dos analistas a menção a perda de fôlego da atividade doméstica, o que foi visto como possível sinal do BC de proximidade do fim do ciclo de alta.

“O BC abriu em detalhes o balanço de riscos e deixou bem claro que os riscos de alta da inflação dominam. Do lado de riscos de baixa, ele qualificou o comentário sobre a atividade doméstica, com desaceleração ainda incipiente”, afirma Costa, que vê Selic terminal em torno de 15% e 15,25%.

4. Noticiário político-econômico

Em relatório, a equipe de análise econômica do Bradesco também destaca o papel da trajetória para a dívida pública brasileira, que segue sendo um fator importante para o cenário dos ativos brasileiros. “Os próximos meses marcarão a pior combinação entre inflação e atividade dos últimos períodos. Os índices de preços ainda responderão à depreciação cambial, à inércia e às surpresas com o crescimento, manifestadamente nos núcleos”, avalia.

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Contudo, os sinais de desaceleração da economia vêm se acumulando, sendo que apenas a agropecuária apresentará resultados consistentes. Assim, espera que o crescimento recue para 1,9% neste ano, de 3,4% no ano passado.

Ao reconhecer esse risco de desaceleração mais acentuada do PIB, o Banco Central limitou os cenários mais extremos para a Selic, reduzindo as chances de uma discussão antecipada sobre dominância fiscal que vinha amedrontando o mercado.

A dominância fiscal é uma situação em que a política fiscal gera pressões na economia, tornando ineficazes as ações do banco central para controlar a inflação. Nessa situação, o desequilíbrio fiscal leva a um aumento da dívida pública, o que torna necessário reduzir a dívida em termos reais. Essa postura vem cumprindo um papel na redução dos prêmios de risco, o que também levou à apreciação do real, aponta o Bradesco.

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Ainda no radar do mercado, estão as eleições de 2026, com a visão de aumento da rejeição de Lula nas pesquisas recentes, o que leva à sugestão de mudança do pêndulo político, conforme ressaltou o diretor da consultoria Wagner Investimentos, José Faria Júnior. O enfraquecimento de Lula dá esperanças de políticas mais pró-mercado na próxima gestão, o que já começa a influenciar os ativos de forma precoce.

Além disso, com o Congresso em recesso até a última segunda, as águas estiveram mais tranquilas nas últimas semanas. Contudo, com a volta às atividades, o mercado vai dar atenção especial a algumas agendas no Congresso, conforme apontou o estrategista da RB investimentos, Gustavo Cruz. Conforme o estrategista, a tributação dos dividendos e a isenção do imposto de renda para salários de até R$ 5 mil – duas pautas do segundo capítulo da reforma tributária, que tratará da tributação da renda – são dois dos temas a serem monitorados de perto pelos investidores. Completam a lista a exploração de petróleo na bacia da foz do rio Amazonas e a negociação das emendas parlamentares.

De qualquer forma, a impressão do discurso do novo presidente da Câmara, Hugo Motta foi positiva: defendeu Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e disse que o Congresso deveria observar mais os gastos e não aprovar novos impostos.


O que esperar para o dólar?

Com tantas incertezas e questões ainda no radar, muitos analistas ainda veem a recente queda do dólar como pouco sustentável.

“A saúde de nossa economia não mudou nada em relação ao final do ano passado (…) Provavelmente em algum momento iremos observar uma piora dos nossos ativos, salvo o surgimento de evento totalmente inesperado”, aponta Faria Júnior.

Para o especialista, no fim da história, a melhora do dólar sugere que as políticas adotadas pelo governo estão certas, mas não seria exatamente assim. “Sabemos que a foto da economia ainda é boa, mas o filme não. Com números piores de atividade e emprego, a chance de adoção de medidas populistas – subsídios e novos programas, como o lançado esta semana de desconto de 15% em hotéis para professores – são praticamente certas, vide o projeto de isenção de IR”, avalia o analista.

O Bradesco, por sua vez, apesar da forte convicção de que a atual taxa de câmbio se provará depreciada caso se afaste o quadro de dominância fiscal, decidiu manter a premissa de uma moeda estável em R$ 6,00 o dólar até o final do próximo ano.

“Esperamos um aperto adicional da taxa Selic até 15,25% em meados do ano. O ciclo de afrouxamento deve se iniciar apenas em dezembro, em resposta à desaceleração da atividade. A melhora nos preços de ativos pode prosseguir, mas os temas globais e a agenda fiscal seguirão dominante nos debates”, avalia o banco.

O JPMorgan, que destacou em relatório recente enxergar um fôlego curto em rali de ativos do Brasil, vê o valor justo do real entre R$ 5,90 e R$ 6. Os estrategistas ressaltam que o dólar ultrapassou o limite de alta em dezembro, ficando próximo aos R$ 6,20, e a novidade então foi a ação rápida do Banco Central tanto na frente de intervenção quanto no retorno da orientação da política monetária (aumentos de 2 vezes de 100 pontos-base na Selic nas reuniões de janeiro e março). O banco ainda vê a correção recente dos ativos como um movimento técnico após a forte queda do real e também das ações brasileiras, mas sem grande força para recuperação.

Já o UBS vai além e projetou que o dólar atinja R$ 6,40 até o final de 2025, conforme apontaram os economistas da casa Gustavo Arruda e Tânia Bacelar, que destacaram a previsão em evento na Latin America Investment Conference (LAIC), realizada pelo banco no fim de janeiro.

Essa previsão é motivada por fatores como a expectativa de um ciclo de cortes nas taxas de juros pelo Banco Central, que deve ocorrer em um cenário de desaceleração da inflação. Além disso, o UBS acredita que a recuperação econômica global e o aumento da aversão ao risco podem impactar a moeda americana, levando a uma valorização do dólar frente ao real. A instituição ressalta que, embora possa haver um alívio momentâneo nas taxas de câmbio, a tendência de alta do dólar deve prevalecer no longo prazo.

Além disso, a incerteza sobre os próximos passos de Trump seguem sendo um fator de volatilidade para as moedas globais – o que inclui a do Brasil.

(com Agência Estado e Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.