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A semana começa em euforia para as criptomoedas após disparada de 20% do Bitcoin em relação à tarde de domingo (12), pouco depois do anúncio de que o banco Signature havia sido fechado por autoridades dos Estados Unidos. O BTC amanheceu a US$ 22 mil nesta segunda-feira e, por volta de 13h, já era negociado a US$ 24 mil, apagando as perdas vistas em fevereiro e nos primeiros dias de março.
O movimento foi avassalador, e trouxe junto criptomoedas menores, chamadas de altcoins. A chinesa Conflux (CFX), acumula alta de 65% supostamente impulsionada por capital chinês, e diversos tokens sobem mais de 30%, caso de Synthetix (SNX), Stacks (STX), Optimism (OP) e Maker (MKR).
Disparadas do tipo são comuns na classe de ativos, conhecida por sua alta volatilidade. Mas, para alguns, o tamanho do movimento surpreendeu. “Eu não esperava que essa subida fosse tão forte como foi neste momento”, comenta o analista Fernando Pereira, da corretora Bitget.
“A gente não está vendo o S&P 500 subir hoje muito por conta dos bancos, que estão pesando. Mas, se a gente olhar para o Nasdaq, que tem menos bancos, está subindo mais”.
Ainda assim, a diferença é considerável, e diferente da tendência vista desde fevereiro: o índice Nasdaq opera em alta de apenas 0,45% nesta segunda-feira, enquanto o Bitcoin se mantém acima dos US$ 24 mil. Segundo dados do agregador de mercado Coingecko, cerca de US$ 150 bilhões entraram no setor em pouco mais de 24 horas.
De acordo com especialistas, há três possíveis motivos que levaram ao salto.
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Socorro aos bancos e menos juros
O salto do Bitcoin começou no domingo, assim que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) anunciou que irá fornecer financiamento adicional às instituições depositárias por meio do novo Programa de Financiamento a Prazo do Banco (BTFP).
O BTFP oferecerá empréstimos com vencimento de até um ano a bancos, associações de poupança, uniões de crédito e outras que comprometem Treasuries, dívidas de agências e títulos garantidos por hipotecas e outros ativos qualificados como garantia, aliviando bancos que enfrentam problemas de liquidez porque têm boa parte do caixa em títulos de longo prazo.
A medida afeta imediatamente bancos como o Silvergate e o Signature, que serviam de ponte para criptos nos EUA, e o Silicon Valley Bank (SVB), que tem US$ 3,3 bilhões em garantias da segunda maior stablecoin mundo, da USDC.
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Uma das teses da disparada é que investidores voltaram ao mercado avaliando que o problema com os bancos regionais já passou e que o FDIC, o fundo americano equivalente ao FGC brasileiro, vai ter capital suficiente para cobrir o rombo deixado pelas instituições.
A alta das criptomoedas, portanto, seria uma reação normal à percepção de que os EUA não terão uma crise com os bancos regionais, fazendo o Bitcoin navegar o maior apetite do investidor e subir em linha com ativos de risco – embora com mais força.
“É um problema 100% iniciado com o aumento das taxas de juros no ano passado. Os bancos ficam com mais dificuldades de pagar os depositários. Foi um problema de liquidez, de descasamento de fluxo, e não de solvência. O governo americano consegue resolver. É [a tese para a alta das criptos] que eu acho mais provável”, conta João Zecchin, sócio e cofundador da Fuse Capital.
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Em paralelo, a disposição do Fed em socorrer os bancos regionais deu início a uma onda de especulações acerca do próximo ajuste dos juros por parte do Federal Reserve. Se antes o mercado aguardava como quase certo um aumento de 0,5 ponto percentual dados os números persistentes de inflação, a chance de um ajuste menor (ou até nulo) voltou à mesa.
“Isso vai influenciar certamente em uma decisão de juros, o Fed vai colocar na balança”, ressalta Zecchin, da Fuse. “Essa é uma sinalização muito ruim para a economia americana. Você ainda tem inflação fora do controle, não há um cenário de crescimento muito elevado, e juros tão elevados podem acabar com o sistema financeiro. O Fed acaba chegando a situação em que tem que cortar juros pelos motivos, eu diria, quase errados”.
Quebra de bancos e reserva de valor
Em paralelo, investidores mais entusiastas das criptomoedas apontam que, na verdade, o Bitcoin ganha força porque pode se beneficiar do cenário inverso: uma quebradeira generalizada dos bancos regionais nos EUA.
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“O rali do Bitcoin coincide com alguns dos bancos com laços cripto sob forte pressão. A regulamentação não atingirá apenas as criptomoedas, mas também os bancos”, aponta Edward Moya, analista da formadora de mercado de câmbio Oanda. “Parece que a maior subida em um dia desde a turbulência da FTX é um sinal de que alguns investidores acreditam que as soluções DeFi apoiam a tese de segurar criptoativos”.
As soluções DeFi às quais Moya se refere são programas de computador que permitem negociação de criptoativos sem que o usuário seja obrigado a abrir mão da custódia. Para alguns especialistas, quanto mais o sistema bancário mostra fragilidade, mais esse tipo de serviço é visto como tendo um lugar no mundo.
O próprio Bitcoin, visto como uma moeda da Internet, é considerado da mesma forma pelo investidor mais entusiasta, que acredita que a criptomoeda pode se tornar uma reserva de valor.
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“A alta de hoje está ligada à queda dos bancos, mas de uma forma muito mais fundamentalista do que a taxa de juros”, avalia Alexandre Vasarhelyi, sócio da gestora BLP Crypto.
O especialista ressalta que o Bitcoin surgiu em 2009 justamente em resposta a uma crise financeira global, ou, nesse caso, a uma crise nos EUA, e que a queda dos bancos volta a evidenciar a fragilidade do sistema financeiro.
“O Bitcoin nasceu como uma opção de bancarização diferente do sistema financeiro, e essa característica só é testada quando se tem uma crise. Estamos no primeiro teste verdadeiro de utilidade do Bitcoin”, asseverou.
O gestor lembra que esta pode ser uma oportunidade para o Bitcoin mostrar que pode ser uma reserva de valor. “Qualquer reserva de valor só chegou a este patamar após enfrentar e vencer várias crises. Quem sabe essa não é a primeira oportunidade para o Bitcoin ter essa experiência”.
Para Zecchin, da Fuse, investidores mais ávidos por criptomoedas preveem que os bancos regionais não vão escapar de um corrida de saques, pois os clientes já perceberam que não há benefício em deixar dinheiro em um banco pequeno na comparação com um grande banco como o JP Morgan.
“[Se começar a] quebrar muito banco regional, a gente voltaria para um cenário em que o governo americano tenha que imprimir mais dinheiro, reduzir taxas de juros, para que isso não se alastre e não gere uma epidemia de corrida aos bancos”, explica o executivo. “Com isso, cripto ganha muita força. Se esse for o caso, essa tecnologia descentralizada [ganha tração], onde seu dinheiro está garantido pela blockchain e não depende de uma instituição centralizada, como Bitcoin, Ethereum e outras criptos”.
“Essas três quebras (de Silvergate, Silicon Valley Bank e Signature) aumentam a probabilidade desse cenário que muita gente fala há muito tempo. É meio apocalíptico, mas essa probabilidade vem aumentando”, completa.
Força do fundamento
Uma terceira via sugere que o movimento atual pode não ter ligação real com a crise dos bancos regionais nos EUA. Para Pereira, da Bitget, o gráfico do Bitcoin já deixava claro que o fundo de mercado foi atingido em novembro, na região dos US$ 15.500, e que não haveria motivo para que esse nível fosse revisitado.
Na sua opinião, parte da força do movimento está ligado à ameaça de colapso da stablecoin USDC, que caiu quase 20% e deixou investidores temerosos de que o caso UST/Luna, que fez US$ 60 bilhões evaporarem do mercado cripto em maio do ano passado, acontecesse mais uma vez.
“A gente viu muito dinheiro saindo das stablecoins e indo para o Bitcoin, por todo o medo que foi criado no fim de semana, no caso da USDC”, diz o analista. “Os fatores macroeconômicos ajudaram na volatilidade, mas os preços não atingiram patamares que teriam sido atingidos apenas por conta dessas notícias”.
“Independentemente de SVB e USDC, o Bitcoin teria recuado para a região que recuou (pouco abaixo dos US$ 20 mil) e, após isso, teria voltado para a região que voltou hoje”, ressalta o analista.
Segundo ele, alguns dados consultados diretamente na rede do Bitcoin também apontam para um catalisador fundamentalista: nunca houve tanta gente comprando Bitcoin, levando o número de carteiras da criptomoeda para máxima histórica, mesmo com o preço longe do topo atingido em 2021.
Além disso, os investidores com grandes quantidades de BTC no bolso não estão se desfazendo do ativo: a quantidade de carteiras que não move fundos há pelo menos um ano só cresce.
“Falar de mais queda é muito difícil, porque a demanda está grande e a oferta está baixa”, comenta Pereira.