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NOVA YORK – A década que se encerra em 31 de dezembro marca um dos períodos mais formidáveis da história da economia americana.
A performance das bolsas dos Estados Unidos superou todos os outros mercados ao redor do mundo, e os indicadores econômicos continuam causando surpresa mais de dez anos depois do estouro da bolha imobiliária.
Os números mais recentes de desemprego (3,5%) igualaram o índice mais baixo registrado nos últimos 50 anos, e em novembro os salários subiram 3,1% na comparação com mesmo mês do ano anterior.
Nem sequer as turbulências do impeachment do presidente Donald Trump e a guerra comercial com a China parecem suficientes para abalar a confiança dos investidores.
Mas períodos de bonança nunca duram para sempre, e parece consenso entre os economistas que esse ciclo esteja muito próximo do seu fim. Eis a pergunta na cabeça de muitos investidores mundo afora: será que a próxima década será dos emergentes?
Segundo um relatório recente da empresa de pesquisas Research Affiliates, a resposta é um enfático “sim”. A companhia estima que o índice MSCI EAFE, que mede a performance das bolsas dos países ricos, ofereça retorno anualizado de 5,3% nos próximos dez anos.
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Já as bolsas dos países emergentes, segundo a Research Affiliates, terão um ganho de 7,3%.
Uma comparação: nos anos 2010 (período que vai de janeiro de 2010 a dezembro de 2019), o índice S&P 500 quase triplicou, enquanto o fundo MSCI Emerging Markets registrou ganho de 7% em dez anos.
Os analistas da gestora britânica Schroders pensam da mesma maneira: para eles, os investimentos em ações nos mercados emergentes serão a melhor aposta até 2029.
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A companhia estima retornos anuais médios de 9% para as economias em ascensão, contra 6% nos Estados Unidos, 4,1% na zona do euro e 3% no Reino Unido.
A mensagem é clara: ninguém espera que performances espetaculares como a do índice S&P 500 neste ano – uma valorização de mais de 20% até aqui — se repitam tão cedo. Historicamente, o S&P 500 sobe pouco mais de 11% nos anos seguintes aos de ganhos acima dos 20%.
Somem-se a isso as incertezas que em relação à eleição presidencial americana do ano que vem, a margem estreita de manobra do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos) e a expectativa de um enfraquecimento do dólar e está completo o cenário para que as economias emergentes fiquem mais interessantes do ponto de vista dos investidores – também em razão de seus próprios méritos.
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Big techs fora dos EUA
Há dez anos, Ruchir Sharma, estrategista global chefe do Morgan Stanley, recomendava cautela com o auê feito em torno dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China). Sua perspectiva mudou.
“Estamos perto de um ponto de inflexão. A diferença entre a performance dos Estados Unidos e do resto do mundo será menor na próxima década”, disse ele numa entrevista recente.
Sharma aponta que as gigantes da tecnologia, sem dúvida as estrelas das bolsas americanas, devem perder atratividade, pois estão maturando e são alvo de pressão cada vez maior das autoridades reguladoras.
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As multinacionais podem sofrer com a ascensão do discurso antiglobalização, cristalizado na vitória avassaladora do pró-Brexit Boris Johnson na eleição parlamentar britânica.
A lógica segundo a qual o boom das commodities fosse se traduzir em crescimento da classe média entre os emergentes – e consequentemente impulsionasse as economias em desenvolvimento — não se realizou completamente na década que está terminando.
Mas foram plantadas algumas sementes importantes, entre elas a sofisticação tecnológica. As ações da gigante do comércio eletrônico Alibaba dobraram nos últimos cinco anos, e as da Tencent Holdings, dona da rede social WeChat, triplicaram.
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O Mercado Livre teve um dos melhores desempenhos dos papeis tecnológicos da América Latina, e as varejistas brasileiras estão provando para a Amazon que a competição local é muito aguerrida.
A Índia, um país de sistema bancário comparativamente rudimentar, está mostrando ao mundo as possibilidades dos pagamentos digitais. Graças aos smartphones, consumidores e lojistas indianos estão pulando a fase dos cartões de plástico.
Brasil entre os destaques
Numa pesquisa com 57 gestores de recursos americanos, a Bloomberg detectou otimismo em relação aos mercados emergentes. No que diz respeito às oportunidades fora dos Estados Unidos, 60% afirmaram esperar crescimento significativo na economia brasileira no próximo ano.
O otimismo é ainda maior em relação à Turquia (64% dos entrevistados esperam aumento do PIB). Quanto à China, as perspectivas são menos animadoras: somente 13% esperam bons resultados em 2020.
A cautela em relação à China é compreensível. A guerra comercial com os Estados Unidos ainda está longe de ser resolvida, e as tensões em Hong Kong seguem dominando o noticiário. O PIB chinês cresceu 6% no terceiro trimestre, na faixa inferior da meta definida pelo governo, um dos ritmos mais lentos das últimas três décadas.
As autoridades chinesas foram forçadas a tomar medidas de estímulo ao consumo. “No ano que vem, o desenvolvimento econômico da China provavelmente vai enfrentar mais pressão para baixo e um ambiente internacional mais complicado”, disse Li Keqiang, primeiro-ministro e responsável pela economia chinesa.
A Índia, o outro gigante emergente, até o ano passado detinha a economia que mais crescia no mundo. Não mais. Este ano, a expectativa é que o PIB cresça 5%, um número considerado baixo demais em um país que conta seus pobres na casa das centenas de milhões.
O recém-reeleito presidente Narendra Modi parece ter desviado o foco das reformas econômicas para a política – o que vem gerando enormes tensões entre a maioria hindu e os 200 milhões de muçulmanos do país.
Os contratempos dos dois gigantes emergentes – que são estruturais e levarão tempo para ser solucionados – podem representar uma boa notícia para o Brasil.
“Há pouco espaço para surpresas no Brasil. Há muita capacidade ociosa [na indústria], a moeda está desvalorizada e não há grandes desequilíbrios nas contas externas”, escreve Martin Castellano, responsável pelas pesquisas de América Latina do Institute of International Finance, uma organização que reúne bancos e instituições financeiras de todo o mundo.
Tensões políticas podem atrapalhar
É claro que, como aconteceu na década que está terminando, a promessa dos mercados emergentes pode não se concretizar. Com exceção da Rússia, comandada com mão de ferro por Vladimir Putin, os outros três Brics vivem tensões políticas internas que podem se alastrar para a economia.
“Embora o PIB tenha crescido na maioria dos mercados emergentes, a riqueza segue concentrada nas mãos de poucos, e a desigualdade pode causar tensões”, escreveu num relatório recente Scott Helfstein, estrategista do Morgan Stanley.
Helfstein também aponta que as críticas ao capitalismo estão se intensificando mundo afora, de mãos dadas com a ideia de que as empresas pensam demais em seus acionistas e de menos em todos os outros stakeholders.
Por fim, apesar dos sinais de que o banco central americano não vá aumentar as taxas de juros tão cedo, em caso de incerteza os investidores sempre podem se abrigar nos títulos do Tesouro americano – um eterno concorrente dos países em desenvolvimento.
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