Por que as pesquisas não anteciparam a derrota expressiva de Macri? Veja outros casos

A distância de 15 pontos percentuais entre a chapa do atual presidente da Argentina e a de Alberto Fernández e Cristina Kirchner nas primárias de domingo pegou a todos de surpresa; entenda

Anderson Figo

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SÃO PAULO — As eleições primárias na Argentina no último final de semana mostraram um resultado que ninguém previu: o atual presidente Mauricio Macri ficou 15 pontos percentuais atrás da chapa formada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner na contagem de votos. Já era esperado que Macri fosse derrotado nas urnas, mas não com uma diferença tão grande.

Alguns fatores podem ter influenciado o gap das pesquisas. O principal deles seriam os “shy voters” — ou eleitores envergonhados — que votaram na chapa de Cristina, mas, quando perguntados previamente nas pesquisas, não assumiram o voto. A ex-presidente recebeu diversas críticas durante o seu governo, que é apontado como responsável por levar a Argentina à crise que ainda se encontra, por isso eleitores podem ter ficado receosos de admitir voto na chapa Fernández-Kirchner.

“Outro erro comum em pesquisas desse tipo é o de enquadramento. É quando você quer fazer uma pesquisa que reflita o desejo da população toda, mas a apuração acaba ouvindo apenas um determinado grupo, como só os mais ricos ou só quem mora em grandes cidades”, explica Guilherme Jardim Duarte, cientista político e doutorando em ciência política por Princeton.

“Aparentemente, há um viés de seleção na Argentina em pesquisas feitas por telefone. E as pesquisas para as primárias foram feitas todas por telefone, o que pode ter influenciado nos erros em relação ao resultado das urnas. Mas é importante frisar que não são todas as pesquisas feitas por telefone ou qualquer outra tecnologia que dão errado. Pelo contrário, nos EUA, por exemplo, houve casos de pesquisas feitas via Xbox em eleições recentes que foram super assertivas.”

Duarte levantou, a pedido do InfoMoney, alguns erros emblemáticos de pesquisas eleitorais como os que ocorreram na Argentina recentemente. O primeiro deles foi em 1936, nos Estados Unidos, na disputa pela presidência do país entre Alf Landon e Franklin D. Roosevelt. 

A revista Literary Digest, uma clássica publicação que sempre acertou nas previsões eleitorais no país desde 1916, publicou uma pesquisa que indicava vitória de Landon com 57% dos votos. Mas o resultado oficial foi exatamente o contrário: Roosevelt ganhou com 61%.

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“A mostra que a revista fazia era com mais de 2 milhões de eleitores, o que não existe no Brasil. Mas eles erraram ao usar o telefone como base para as pesquisas, já que eles, com isso, acabavam falando apenas com classes mais ricas [que tinham poder aquisitivo para ter uma linha telefônica], por isso que erraram nas estimativas”, conta Duarte.

O levantamento da revista foi contestado na época pelo sociólogo George Gallup, que afirmou que quem ganharia as eleições seria Roosevelt, com 56% dos votos. Ele fez uma amostra muito menor, de 3 mil pessoas, sem nenhum viés de seleção. E, após o resultado confirmar sua pesquisa, ele virou uma celebridade no país e referência em estudos eleitorais, criando o Instituto Gallup. 

Em 1948, outro caso de erro em pesquisas eleitorais entrou para a história na disputa pela presidência dos EUA entre Thomas Dewey e Harry Truman. Dessa vez, o erro foi do próprio Gallup. Ele estimou que Dewey ganharia as eleições sobre Truman com diferença de 15 pontos percentuais. Mas Truman venceu e Gallup se justificou dizendo que encerrou as pesquisas três semanas antes do dia das eleições.

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“Na verdade, o que aconteceu foi que Gallup usava um método de pesquisa por cota, no qual pega-se um número de negros, brancos, mulheres, homens, mais velhos, mais novos etc., e vai preenchendo as intenções de voto de cada grupo. É diferente de você estratificar e atualizar [já que há grupos que são maiores do que os outros]. É um método não-probabilístico”, explica Duarte.

O episódio serviu de exemplo para os institutos de pesquisa globais aprimorarem seus métodos. Hoje em dia muito mais precisos, os levantamentos eleitorais ainda podem apresentar incertezas, por isso existe a figura da margem de erro. 

“Além do erro de enquadramento, também é comum o erro de medida, quando tem algo na pesquisa que pode afetar a resposta. Por exemplo, a ordem das alternativas ou das perguntas. Alguns institutos mais tradicionais utilizam até uma roda de candidatos para que o respondente escolha através da ‘sorte’ sobre quem ele vai responder primeiro”, diz o cientista político.

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Duarte chama atenção para a taxa de “não-resposta”, comum em qualquer pesquisa. “Um caso clássico foi o da eleição de 2016 nos Estados Unidos, com a disputa entre Donald Trump e Hillary Clinton. Dizem que eleitores de Trump estavam se recusando a responder as pesquisas. Havia um viés maior de ‘não-resposta’ que prejudicou Hillary.” É bem comum que as pessoas que votam em candidatos extremistas (independentemente do lado) não queiram expor seus votos — ou se sintam menos à vontade para fazer isso. 

No Brasil, é comum que as pesquisas mostrem uma diferença maior em relação aos resultados oficiais quando elas são feitas muito antes do primeiro turno. “Os levantamentos do segundo turno costumam ser muito precisos e acurados. No primeiro turno, sobretudo para governador, há muitos erros. Isso acontece principalmente porque o perfil dos eleitores é decidir o voto para esse tipo de cargo na última hora. Há um grupo grande que decide no último dia, por isso que gera esses erros nas pesquisas. As pesquisas de boca de urna costumam cravar os resultados ou chegam muito próximas disso.”

Nas eleições presidenciais de 2018, a pesquisa de véspera do pleito feita pelo Instituto Paraná Pesquisas apontou vitória folgada de Jair Bolsonaro (PSL) por 60,6% dos votos, contra 39,4% para Fernando Haddad (PT). Embora tenha acertado o vencedor, houve uma diferença no levantamento de quase 6 pontos percentuais em relação ao resultado oficial. 

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A última pesquisa Vox Populi para o mesmo pleito também apontou uma diferença grande sobre o resultado final. O levantamento previa empate de 50% para cada um dos candidatos — metade dos votos para Bolsonaro e a outra metade, para Haddad. O candidato do PSL venceu a disputa com 55% dos votos válidos.

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