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Na tarde da última sexta-feira (10), uma notícia pegou os investidores de surpresa: o grupo Cosan (CSAN3) anunciou a compra de 4,9% na Vale (VALE3), desvendando o mistério sobre o forte comprador das ações da mineradora dos últimos dias.
As primeiras impressões do mercado sobre a operação não foram muito boas, principalmente para a Cosan. Isso uma vez que essa compra da fatia, com possível participação adicional de 1,6% (não votante) na mineradora, levaria a uma posição equivalente a 78% do market cap [capitalização de mercado] da Cosan, um negócio bastante relevante e que gerou dúvidas com relação ao risco, alavancagem e desconto de holding.
Com isso, na sexta-feira, as ações CSAN3 fecharam em queda de 8,72%, a R$ 16,65, enquanto as ações VALE3 desaceleram fortemente os ganhos e fecharam próximas à estabilidade. Nesta segunda-feira (10), os ativos CSAN3 seguiram em queda, fechando com baixa de 7,51% (R$ 15,40), enquanto VALE3 caiu 2,01%, a R$ 73,99.
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A Cosan realizou, às pressas, teleconferência na noite da última sexta que ajudou a dirimir alguns temores do mercado, ainda que alguns questionamentos ainda estejam no radar. Segundo Marcelo Martins, vice-presidente de estratégia da empresa, ela precisou antecipar a divulgação devido a um “possível vazamento”. Segundo o executivo, o objetivo era fazer o anúncio “com calma” no final de semana, mas o suposto vazamento mudou os planos. Ele disse que a conclusão da transação ocorreu na própria sexta-feira.
Durante a tele, os executivos da companhia bateram na tecla principalmente da alavancagem, que foi o grande temor dos investidores após o anúncio.
Ricardo Lewin, diretor financeiro da Cosan, destacou que o financiamento da operação, via empréstimo bancário e derivativos, mantêm a alavancagem do grupo “em níveis adequados”, e a estratégia não compromete a saúde financeira do grupo e não afeta investimentos das empresas controladas.
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Ele ainda destacou que, ao comprar uma participação minoritária na Vale, que pode chegar a R$ 22 bilhões ao todo, a Cosan dá um novo passo em sua estratégia de alocação de capital e diversificação do portfólio, apostando em setores onde o Brasil tem claras vantagens competitivas e comparativas.
“A Vale é um ativo único e irreplicável, posicionado em um setor onde o Brasil tem grande vantagem competitiva e comparativa com exposição à moedas fortes”, afirmou o vice-presidente de estratégia da Cosan, Marcelo Martins, na teleconferência. “A operação não compromete a saúde financeira do grupo”, disse Martins.
Se isso ocorrer, ela pode ser desfeita, nas partes ou no todo. Ou seja, a Cosan pode chegar a 6,5% da Vale mas também por vir, em um caso extremo, a ter zero, caso entenda no futuro que a estratégia compromete sua saúde financeira.
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“Queremos ter certeza de que não haja diluição para o acionista da Cosan”, afirmou, falando que não haverá emissão de ações pelo grupo.
Fora do negócio de açúcar e etanol, a compra da Esso, em 2008, foi a primeira aposta do grupo, contou Martins. Naquele momento, houve muitos questionamentos sobre a capacidade do grupo de apostar em um novo negócio, fora de sua área principal de atuação, o que em seguida se mostrou uma estratégia acertada. “Temos a reputação de ser player disciplinado e investidor que agrega valor. Isso não muda.”
Mais detalhes sobre a operação
Durante a teleconferência, foi divulgada uma apresentação detalhando a operação, que foi uma compra minoritária de ações ordinárias (ON) da Vale por meio de uma combinação de compra direta de ações no mercado e uma estrutura de derivativos. “Com essa participação, a Cosan pretende se tornar um acionista relevante da empresa e contribuir para criação de valor”, destacou Lewin.
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A transação foi financiada por um empréstimo-ponte de longo prazo de R$ 8 bilhões com Itaú e Bradesco e uma estrutura de derivativos de 5 anos com JPMorgan e Citi de R$ 13 bilhões – o chamado collar financing. “A estrutura de financiamento limita os riscos”, afirmou Lewin.
Pela estrutura, a Cosan comprou o equivalente a 1,5% em ações da Vale de forma direta no mercado e 3,5% via instrumentos financeiros derivativos com proteção para queda do preço das ações da Vale.
A Cosan pode ainda comprar mais 1,6%, em posição feita com estrutura de derivativos também com proteção de queda do preço das ações da Vale. Nesse caso, a operação de derivativos poderá ser convertida em uma estrutura com direito a voto, após aprovação da operação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Com isso, o grupo criado pelo empresário Rubens Ometto pode chegar a 6,5% da mineradora, uma posição avaliada em R$ 22 bilhões.
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O empréstimo-ponte será refinanciado por uma operação de ‘equity’, com ações preferenciais de Raízen e Compass que não afetam o endividamento da Cosan, afirmou seu diretor financeiro. “É importante destacar que a Cosan não precisará emitir ações para financiar o pagamento do colar financing derivativo”, disse Martins.
Sobre potenciais formas de pagar o financiamento da operação, os executivos explicaram que a Cosan tem “diversas alternativas”, incluindo a venda de participações minoritárias dos ativos nos próximos anos. O grupo também pode usar dividendos de suas empresas e da Vale para o pagamento.
Além disso, a estrutura de derivativos permite o desmonte da operação através da venda das ações para os bancos, sem risco de crédito para a Cosan. “Podemos também refinanciar a estrutura, alongando o prazo ou fazer o pagamento do collar financing, desfazendo da operação de derivativos e ficando expostos à ação da Vale”, afirmou o diretor.
A diretoria da Cosan explicou que a entrada do grupo na Vale se dá em um momento favorável para a criação de valor para o portfólio da Cosan. “Ela é um ativo cujos principais produtos são essenciais na economia e relevantes para a transição energética”, afirmou Lewin.
Após a teleconferência, o Bradesco BBI destacou que a sua percepção de risco da operação diminuiu. “As opções e a exposição limitada ao risco oferecidas pelo financiamento collar, juntamente com a administração reiterando suas metas de alavancagem nos faz acreditar que o balanço da Cosan está mais protegido do que nós inicialmente tínhamos pensado no caso de uma forte desaceleração no ciclo do minério de ferro”, avalia o analista Vicente Falanga, que assina o relatório.
Dito isso, ainda acredita que a percepção de risco do mercado aumentou, uma vez que: (i) ainda há alguma exposição à conjuntura cíclica do minério de ferro (1,5% das ações da Vale e limites sobre o financiamento collar); (ii) a aquisição reduzirá o fluxo de dividendos de curto prazo para os acionistas da Cosan; (iii) ao fato da estrutura da transação ainda ser complexa, com algumas variáveis não totalmente divulgadas aos acionistas, como os limites de collar e os fluxos de dividendos da Compass e Raízen (RAIZ4) para os bancos locais, e (iv) o fato da Cosan estar adicionando mais um investimento à sua holding com algumas novas camadas, o que poderia justificar o aumento do desconto de holding (agora em 17%).
“Como nota positiva, se nossa equipe de metais e mineração se mostrar correta, com a China fortalecendo sua atividade no próximo ano e trazendo reflexos positivos para os preços do minério de ferro, a percepção de risco sobre o investimento pode cair ainda mais ao longo de 2023”, avalia Falanga.
Para os analistas do Credit Suisse Regis Cardoso e Marcelo Gumiero, a aquisição não destrói e nem cria valor. Eles avaliam que as perguntas sobre os riscos envolvidos em uma transação tão grande foram parcialmente respondidas com a estrutura da operação, que limita o potencial de desvalorização e de valorização dos ativos em 5% dos 6,5% totais, o financiamento tem duration flexível e há alguns colaterais para reduzir os custos de financiamento, enquanto a operação tem liquidez e pode ser revertida caso preciso.
Sobre a alavancagem da Cosan, o Credit destaca que a empresa tem R$ 12 bilhões em divida na holding e terminou o segundo trimestre de 2022 com um consolidado pro forma de 2,45 vezes a relação entre dívida líquida e lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês).
“A nossa preocupação fica para o custo total de financiamento na holding em um cenário de forte desaceleração no mercado que poderia afetar o portfolio, mesmo sabendo que estamos diante de uma empresa com bastante diversificação de ativos. A Cosan passará a reportar as variações de marcação a mercado da posição na Vale e acreditamos que neste primeiro momento o resultado seja positivo”, afirma.
Para o Morgan Stanley, a aquisição da participação da Vale é um movimento ousado, feito por meio de uma estrutura de financiamento complexa e sofisticada. “É o DNA da Cosan, que tem sido uma ótima alocadora de capital ao longo dos ciclos. A operação tem todos os ingredientes para ser bem-sucedida, mas pode resultar inicialmente em um aumento no desconto de retenção”, afirma.
Os analistas do banco ressaltam que a empresa já havia entrado recentemente no setor de mineração por meio de um investimento em um porto de ferro no Norte do Brasil e uma potencial participação em um projeto de minério de ferro na região. A entrada na Vale amplia a exposição a minério de ferro e metais básicos (por exemplo, níquel e cobre), que podem ser fundamentais para os temas de eletrificação e descarbonização, além de ser um fluxo de caixa em dólares. Também se enquadra na estratégia da empresa de investir em ativos únicos e irreplicáveis nos quais o Brasil está estrategicamente posicionado com vantagem competitiva e comparativa.
Além disso, é o potencial início de uma fase de reciclagem de portfólio. A administração da Cosan mencionou que a Vale traz opcionalidades para a empresa, e o ponto de entrada (ou seja, preço médio pago pelas ações da Vale) era bastante atraente no atual nível de avaliação.
O BTG Pactual destacou que crescer em diferentes setores faz parte do DNA da Cosan e aceitar isso é fundamental para entender a tese do investimento.
“O negócio é mais um passo da CSAN em direção a setores de forte importância para a transição energética global, e a Vale oferece uma combinação rara de oportunidades de desbloqueio de valor no ciclo de commodities. Os desafios são muitos, mas vemos a CSAN como uma das poucas holdings capazes de aproveitar tais oportunidades”, avalia o banco.
O foco será de extrema importância para o sucesso deste novo passo, mas a estrutura (e cultura) corporativa da CSAN, construída ao longo dos últimos 14 anos, deve preservar a independência de suas subsidiárias. “Embora prefiramos investir em CSAN por meio de suas subsidiárias no curto prazo, ou pelo menos até prevermos um catalisador que reduza o desconto (um IPO de uma subsidiária, por exemplo), seguimos otimistas com a CSAN e a vemos como uma forte história de geração de caixa em nossa cobertura”, apontam os analistas.
Para a Levante Ideias de Investimento, a criativa estrutura montada para realizar a operação pode ser um ponto de atenção, mas traz um alívio para que seu balanço não fique muito pesado.
Segundo a holding, ativos maduros e participações minoritárias podem ser vendidas, sem prejudicar os planos de investimentos de suas controladas e sem precisar emitir novas ações. “Acreditamos que o prazo de 5 anos é suficiente para que a Cosan consiga realizar o IPO da Compass e da Moove, que, juntamente com os dividendos esperados de suas
investidas, devem ser suficientes para bancar este plano ousado sem estressar seu balanço. Em um cenário pessimista, no qual a Cosan avalie que a operação não faz mais sentido, a perda financeira está limitada pelo collar, que ainda pode ser desmontado”, aponta.
Na avaliação dos analistas da casa de research, no fim, investir em uma holding é basicamente acreditar na boa alocação de capital da gestão, o que trará bons resultados no longo prazo. “Devido ao seu ótimo track record [histórico], continuamos enxergando a Cosan como uma holding vencedora e merecedora de um voto de confiança, sendo um bom investimento com visão de longo prazo”, apontam.
Vale: mudanças no Conselho?
Para a Vale, as mudanças não devem ser tão significativas. “No final das contas, enxergamos a Cosan usando alavancagem para adquirir uma fatia na Vale e que irá tentar exercer alguma influência na empresa com um assento no Conselho. Esta influência nos parece limitada e também não enxergamos até o momento sinergias muito claras entre os dois grupos”, afirma o Credit Suisse.
O Itaú BBA vai na mesma linha, apontando que o impacto de curto prazo para a Vale é limitado, pois não espera mudanças significativas no estratégia da empresa decorrente da participação adquirida pela Cosan.
“Embora reconheçamos que os investidores provavelmente receberiam um novo acionista de referência para ajudar no planejamento estratégico, e apesar do histórico positivo da Cosan em outros setores, notamos que o grupo é um recém-chegado à indústria de minério de ferro. Suas contribuições potenciais para a Vale ainda não foram comprovadas”, avaliam os analistas do banco.
Para o analista Thiago Lofiego, do BBI, do ponto de vista da Vale, parece que a intenção da Cosan é estabelecer alianças com conselheiros e diretores e contribuir para a trajetória de geração de valor de longo prazo da companhia, o que veem como positivo.
Um acionista de referência bem reconhecido como a Cosan poderia levar as ações da Vale a continuar se reclassificando em relação aos pares australianos, além da estratégia de redução de risco existente da Vale nas barragens de rejeitos e frentes de ESG (melhores práticas de meio ambiente, social e governança corporativa), crescimento do volume de minério de ferro e desbloqueio de valor da divisão de metais básicos.
Uma das preocupações que estava no radar do analista seria sobre uma eventual mentalidade mais “expansionista” para a mineradora, impactando em última análise na robusta remuneração aos acionistas da empresa, mas a administração da Cosan chegou a mencionar na tele que a Vale não precisa de projetos de alto capex (investimentos em capital) para gerar valor.
“Por fim, a Cosan deve construir relacionamentos com a diretoria e com administração da Vale nos próximos meses, o que será fundamental para validar a intenção da empresa de estabelecer alianças sólidas antes da próxima eleição do Conselho, em abril”, aponta Lofiego.
O BTG avalia que a entrada de um acionista com um extenso histórico de criação de valor em uma corporação como a Vale deve ser considerada um fato positivo e um alerta para a comunidade de investidores que ignorou a Vale nos últimos meses (principalmente por questões macro).
“Embora não haja bala de prata e reconheçamos que a Vale ainda é altamente influenciada por fatores exógenos na China, o fato de um investidor estratégico estar fazendo uma aposta tão grande na Vale reforça nossa confiança na subvalorização das ações. Neste ponto, acreditamos que há mais elementos qualitativos em jogo aqui, mas ainda vemos potencial para que a expansão de múltiplos da ação em relação aos pares australianos continue um pouco mais. Reiteramos nossa recomendação de compra da Vale, com ações precificando uma curva de minério de ferro de US$ 77 a tonelada e negociando em torno de 4,5 vezes o Ebitda em 2023, o que consideramos bastante atrativo”, apontam.
O BBI tem recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado, equivalente à compra) para a Vale, destacando que seus papéis estão negociados com um desconto entre 10% e 15% para os pares australianos, enquanto poderia eventualmente negociar com prêmio, dado seu melhor portfólio de produtos e perspectivas de crescimento.
O Itaú BBA, por sua vez, tem recomendação market perform (desempenho em linha com a média do mercado, equivalente à neutra) para os ADRs (recibo de ações, na prática, ativos negociados na Bolsa de Nova York) , com preço-alvo de US$ 15, ou um potencial de alta de 4% frente o último fechamento.
O Morgan Stanley também tem recomendação equivalente à neutra – equalweight (exposição em linha com a média do mercado) – para a Vale, apontando que gostaria de obter mais evidências da estabilização dos mercados imobiliários e redução das restrições da Covid na China, resolução do acordo de compensação de Mariana e outras medidas para liberar valor do unidade de metais básicos.
A recomendação também é equalweight para CSAN3. “A Cosan é uma empresa sofisticada, com uma equipe de gestão forte e financeiramente experiente. Ao longo dos ciclos, provou ser um alocador de capital hábil. No entanto, também enfrentou períodos de preocupação no mercado, principalmente durante as diversas etapas de reestruturação da estrutura da holding. Acreditamos que a empresa pode contribuir ativamente com a Vale, mas achamos que a natureza complexa da transação e questões sobre futuros movimentos inesperados podem levar a uma potencial ampliação da taxa de desconto”, avalia.
(com Estadão Conteúdo)
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