Tudo o que você precisa saber sobre o julgamento do habeas corpus de Lula no Supremo em 13 perguntas

A discussão sobre pedido apresentado pela defesa do ex-presidente alimenta paixões na sociedade e já provoca um clima de tensão no órgão máximo do Judiciário brasileiro

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Na próxima quarta-feira (4), o plenário do Supremo Tribunal Federal voltará a se debruçar sobre uma questão que pode definir a prisão ou liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva enquanto recorre nas instâncias superiores de uma condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, por decisão unânime dos membros da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O julgamento de um pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa do petista tem alimentado paixões na sociedade e já provoca um clima de tensão no órgão máximo do Judiciário brasileiro. A seguir, respondemos 13 perguntas que podem ajudá-lo a tirar suas dúvidas sobre o assunto:

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1. O que será julgado amanhã?

Na sessão desta quarta-feira (4), o Supremo Tribunal Federal retomará o julgamento de pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O julgamento havia sido suspenso em 22 de março após discussão preliminar do caso. Agora, os ministros decidirão se o líder petista poderá responder em liberdade ao processo envolvendo um apartamento tríplex, no Guarujá (SP). Em 24 de janeiro, Lula foi condenado por unanimidade a 12 anos e 1 mês de prisão pelos três desembargadores membros da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Na semana passada, o ex-presidente teve recurso de embargos declaratórios negado pelos magistrados, o que, em tese, poderia acarretar no início do cumprimento da pena.

2. Lula pode ser preso imediatamente se o pedido de habeas corpus for negado?

Caso o Supremo não atenda o pedido apresentado pela defesa do ex-presidente, a prisão pode ocorrer, desde que entendido que os recursos disponíveis na segunda instância se esgotaram. Nessa situação, a presidente do STF comunicaria o TRF-4 de que a liminar que impedia o cumprimento da pena caíra e que, portanto, o acórdão do Tribunal fora restabelecido. O TRF-4 comunicaria ao juiz da primeira instância, Sérgio Moro, a quem cabe a emissão de mandado de prisão. A execução é cumprida na região mais próxima da residência do réu. Comunicada a decisão do Tribunal, o réu pode se entregar imediatamente à autoridade responsável por cumprir a determinação — no caso, a Polícia Federal. Ele terá de fazer exame de corpo de delito para ingressar no sistema penitenciário. Contudo, os advogados de Lula têm até 10 de abril para apresentar embargos secundários, o que normalmente é julgado rapidamente pelo TRF-4 e considerado recurso meramente protelatório.

3. Ainda cabem recursos no TRF-4?

Conforme pontua o advogado Renato Stanziola Vieira, sócio do escritório de advogacia André Kehdi & Renato Vieira Advogados e diretor do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), se a defesa entender que permanecem obscuridades, contradições, omissões ou erros materiais na decisão do TRF-4, é possível apresentar embargos secundários — os chamados “embargos dos embargos”. Neste caso, o prazo é até 8 de abril. Tal recurso pode ser usado repetidas vezes, mas seus efeitos práticos são reduzidos. Caso os desembargadores entendam que a medida tem mero efeito protelatório, pode ser aplicada até uma multa ao réu.

Os embargos secundários podem ter efeito suspensivo, mas ante precisariam ser reconhecidos pelos desembargadores do TRF-4, o que não é garantido. Enquanto isso não acontece, a pena pode ser cumprida. “Embargo não admitido é embargo inexistente”, explicou o especialista. Ou seja, se a prisão tiver sido decretada, o réu cumpre pena até que seja concedido efeito suspensivo.

4. A decisão do Supremo pode influenciar outros casos?

Segundo João Paulo Martinelli, professor de Direito Penal do curso de pós-graduação do IDP de São Paulo, os ministros podem decidir pela repercussão geral daquele julgamento. Neste caso, o julgamento do habeas corpus se aproximaria de uma deliberação sobre ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade), consideradas questões abstratas sobre o tema. Atualmente, há duas ações nesse sentido relatadas pelo ministro Marco Aurélio Mello questionando a prisão após condenação em segunda instância disponíveis para discussão em plenário. A presidente Cármen Lúcia, porém, optou por pautar antes o HC de Lula.

5. Qual é o atual entendimento do Supremo sobre condenados em segunda instância?

Pela atual jurisprudência do STF, condenados por decisão de órgão colegiado podem começar a cumprir pena, desde que esgotados os recursos da defesa na segunda instância, ou seja, que ele deixe de estar restrito ao caso de Lula e tenha efeito sobre casos semelhantes.

6. Quais são as expectativas do resultado?

O resultado ainda é imprevisível. Hoje, a questão da prisão em segunda instância divide o STF em dois grupos equilibrados. De um lado, os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Marco Aurélio defendem a mudança do atual entendimento. De outro, Edson Fachin, Luiz Fux, Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes pedem que o entendimento de 2016 seja mantido.

A dúvida está em como votará a ministra Rosa Weber. Apesar de já ter se manifestado a favor da execução da pena somente após o julgamento no STJ (Superior Tribunal de Justiça), a magistrada tem seguido a jurisprudência. E este é um dos debates que antecedem a sessão da próxima quarta-feira (4). De um lado, os defensores da atual jurisprudência dizem que o julgamento de amanhã trata de um caso específico e não tem poder de alterar o entendimento da Corte. Do outro, há quem defenda que já pode começar a ser alterada a jurisprudência. Vale lembrar que o entendimento da prisão em segunda instância começou com uma decisão sobre HC. Caso vença a segunda narrativa, as chances de êxito de Lula podem crescer.

7. Por que Lula não foi preso após o julgamento dos embargos de declaração no TRF-4?

O julgamento do pedido de habeas corpus foi suspenso em 22 de março, após a discussão preliminar do caso se arrastar por boa parte da tarde e começo da noite. Com o adiamento, os ministros do Supremo decidiram, por 6 votos (Rosa Weber, Marco Aurélio, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello) a 5 (Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia), conceder medida acautelatória ao réu, evitando o início do cumprimento da pena até que fosse retomado o julgamento do HC. Na prática, os magistrados decidiram conceder uma espécie de habeas corpus preventivo a Lula naquela ocasião. Antes, o plenário havia decidido tomar conhecimento do pedido apresentado pela defesa do ex-presidente, por 7 votos (Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello) a 4 (Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia).

8. Quais são as próximas etapas do processo contra Lula?

O réu ainda pode entrar com recurso especial junto ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e extraordinário no STF (Supremo Tribunal Federal). Nenhum desses casos necessariamente evita o cumprimento de pena.

9. Se Lula for preso, quais são os impactos políticos esperados?

Sob a perspectiva das pesquisas de intenção de voto, há dois cenários avaliados. Com base no histórico de Lula em episódios teoricamente adversos, é possível que a reação seja um crescimento. Essa foi uma hipótese abordada por Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha em entrevista concedida ao InfoMoney em fevereiro. “Durante o auge do noticiário sobre o ‘mensalão’, Lula perdeu prestígio e depois acabou recuperando. Mais recentemente, na condução coercitiva e no depoimento, que foram amplamente divulgados, ele ganhou popularidade. Essa resistência que Lula apresenta perante a opinião pública, baseada na lembrança que as pessoas têm de seu governo, principalmente os menos favorecidos, me faz crer que, com a eventual prisão ou mesmo mais pessoas tomando conhecimento da condenação, ele tem tendência a ser beneficiado. Mas isso com base no que já aconteceu. É claro que agora há um dado concreto, que é a condenação”, afirmou na ocasião. Ele lembra, ainda, que a queda na confiança dos brasileiros na Justiça pode ajudar o líder petista na construção do discurso de perseguido político.

Por outro lado, por mais que o líder petista tenha mostrado resiliência em outros momentos, a eventual prisão configura um novo cenário e pode afetar negativamente seu potencial eleitoral. Essa é a avaliação do analista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice. “É grande a possibilidade de a prisão abalar muito seu capital político. É outro cenário. As imagens, toda a repercussão, isso tudo vai gerar um abalo. Até pela dimensão que a Lava Jato tomou e o combate à corrupção”, observou. Para ele, mesmo que uma parcela significativa do eleitorado se mantenha ao lado de Lula, os impactos tendem a ser grandes. “A partir de uma eventual prisão, o eleitor pode enxergar sua imagem um pouco diferente do que se tem hoje”, complementou. O especialista, contudo, pondera que, mesmo acreditando em um cenário negativo com uma possível prisão, Lula continuaria sendo cabo eleitoral importante ao PT e à esquerda.

10. Quais são os outros processos que o ex-presidente responde na Justiça?

Além do caso do tríplex no Guarujá (SP), que culminou em sua primeira condenação criminal (ainda cabem recursos), Lula responde a outros sete processos: o do sítio em Atibaia (SP); do terreno para a construção do Instituto Lula e de um apartamento vizinho ao seu imóvel, em São Bernardo do Campo (SP); da suposta compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró; do suposto tráfico de influência pela liberação de recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para financiar obras da Odebrecht em Angola; de uma possível venda de medidas provisórias sobre incentivos tributários a montadoras; de um suposto tráfico de influência envolvendo a compra de 36 caças Gripen, da sueca Saab, pelo governo brasileiro; e de formação de organização criminosa no que foi apelidado “quadrilhão do PT”.

11. Como fica a candidatura de Lula à presidência da República?

Pela Lei da Ficha Limpa, um candidato torna-se inelegível por condenação em órgão colegiado — caso do TRF-4. Mesmo com o esgotamento dos recursos na segunda instância, Lula ainda pode registrar candidatura junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) enquanto ainda recorre às instâncias superiores. Cabe à Justiça Eleitoral decretar a inelegibilidade do petista caso entenda procedente eventual reclamação feita por um dos candidatos ou pelo próprio Ministério Público Federal. Acredita-se que Lula possa esperar até o último momento para formalizar seu ingresso na disputa (15 de agosto), em uma tentativa de atrasar tais contestações.

Não há clareza sobre quais caminhos poderiam ser tomados, e, portanto quando será definido o futuro da candidatura de Lula. Para se ter como exemplo, existe a possibilidade de o ex-presidente disputar o primeiro ou até mesmo o segundo turno das eleições e, posteriormente, ter sua candidatura impugnada pela Justiça Eleitoral. Não é o cenário mais provável, mas não está descartada a possibilidade de Lula vencer as eleições e, mais tarde, ter condenação confirmada no âmbito da Lava Jato. A única certeza é que há uma insegurança jurídica em torno da candidatura de Lula e potenciais desdobramentos sociais com a sua viabilização ou não. De todo modo, hoje as chances de o ex-presidente ser autorizado a disputar as eleições são remotas.

12. Se Lula não for candidato, quais são os caminhos do PT?

Cada vez que a possibilidade da candidatura do ex-presidente apresenta-se mais distante, cresce a resistência de partidos e possíveis candidatos a outros cargos firmarem aliança com Lula e o PT. A despeito do prestígio que o líder petista tem no Nordeste, figuras que poderiam compor com ele já estudam alternativas. Dentro do próprio PT, é natural que, com o passar do tempo, cresçam as especulações sobre um “plano B”. Atualmente, ganham relevância os nomes do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e do ex-governador da Bahia Jaques Wagner. Embora demande uma costura ainda mais complexa, também especula-se sobre uma possível aliança com Ciro Gomes (PDT), o que ainda é considerado improvável. De qualquer forma, independentemente do nome apoiado por Lula, ele deverá ser competitivo. O poder de transferência de votos do ex-presidente não é o mesmo de anos atrás, mas continua relevante.

13. Lula pode fazer campanha preso?

Sim. As questões criminal e eleitoral caminham em paralelo, mas por trilhos distintos. No plano eleitoral, mesmo que esteja inelegível sob os critérios da Lei da Ficha Limpa, Lula pode solicitar registro de candidatura junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Com isso, enquanto tramita seu pedido, o líder petista está autorizado a realizar atos de campanha. Caso o ex-presidente se torne inelegível no meio do processo, o sistema eleitoral tem mecanismo que confere às legendas a possibilidade de substituir seus representantes até 20 dias antes das eleições. Ou seja, Lula só não poderá ser substituído após 17 de setembro. Neste caso, o PT perderia o direito de ter candidato à presidência da República. No momento, mesmo com os riscos de inelegibilidade, o partido sustenta que irá com Lula até o fim, mas nomes como do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e do ex-governador da Bahia Jaques Wagner são tratados como possíveis substitutos. Nessa situação, a estratégia também consistiria em levar a candidatura do ex-presidente até a data mais próxima possível das eleições, em vistas a elevar seu potencial de transferência de votos a quem herdar o bastão na reta final.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.