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SÃO PAULO – “A eleição presidencial de 2002 despertou admiração e euforia dentro e fora do Brasil. É notável e insólito que um ex-operário metalúrgico, apoiado em votação consagradora, chegue à presidência da República. Apesar de Lula, o torneiro mecânico, estar longe dos tornos há umas três décadas, isso de modo nenhum anula o fato de que estamos em face do mais espetacular caso de ascensão social em toda a história do Brasil”.
Em um momento em que a figura emblemática do antes quase unânime ex-presidente vem sendo contestada, o professor titular de sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, José de Souza Martins desvenda o partido de Lula, o PT, através do seu livro “Do PT das Lutas Sociais ao PT do Poder”, publicado pela Editora Contexto e lançado nesta semana.
A questão a ser lançada é: no que o partido se transformou após mais de uma década de exercício contínuo de poder?
O livro começa com a eleição presidencial de 2002 de Lula, narrado na perspectiva do momento da disputa entre ele e o tucano José Serra (“ambos filhos do subúrbio”), destacando os desafios que o antes torneiro mecânico teria que atravessar para governar, passando pela sociedade dividida e o fim do “proletariado mítico”.
Afinal, o que mudou do PT de 1980, que lutava nas ruas e nas portas das fábricas, nas igrejas e nas universidades pregando ética e justiça social, para que ele virasse o PT de hoje? Em tempos bastante tensos para o partido, vale a pena conferir uma perspectiva histórica sobre a legenda.
Confira um trecho do livro:
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O Partido dos Trabalhadores, para vencer as eleições presidenciais de 2002, abriu mão de valores e orientações “pétreas” de seu ideário, fez alianças heréticas e desviou-se de seu eixo doutrinário de esquerda. É de prever-se, portanto, que, sendo essa a opção do partido, não terá dificuldades para ajustar-se ao figurino neopopulista que a população pretende aplicar a Lula. Porém, isso vai depender de uma grande mudança na política econômica e no uso do dinheiro público, que nem o PT, nem ninguém, está em condições de promover sem gravíssimas consequências sociais e políticas. O populismo brasileiro, sobretudo a partir de JK, nutriu-se de recursos inflacionários, com todo o elenco de desastres econômicos, sociais e políticos que conhecemos. Não creio que o PT tenha o mínimo interesse em alimentar a energia que lhe infla o peito e, ao mesmo tempo, mina o terreno em que pisa e compromete o seu destino político. O PT terá como principal e ingrata tarefa de seus quatro anos de governo convencer seu eleitorado de que, no fundo, Fernando Henrique Cardoso não era neoliberal, era de esquerda e estava correto no seu modo de governar e de associar a política econômica e a política social.
No ABC, muitos se perguntam o quanto a eleição de um morador da região à presidência da República representará como saída para uma conjuntura regional de desindustrialização e de reestruturação produtiva. O que o ABC ganha com essa eleição?
Lula foi eleito presidente da República, e não prefeito de um dos municípios do ABC. Além disso, Lula foi eleito como aquilo que ele já não é, um operário, e como figura de uma região fabril e operária, coisa que o ABC já não é majoritariamente. O ABC da eleição de Lula é um ABC mítico, que a rigor já não existe, pois o ABC mudou muitíssimo nas últimas décadas. O Lula da classe operária mítica, a classe operária dos manuais de Ciência Política, foi, provavelmente, a última personagem do último episódio da fase mais importante da história da industrialização no Brasil, a fase do verdadeiro operário de carne e osso, do trabalhador do imaginário da revolução.
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O PT DAS LUTAS SOCIAIS AO PT DO PODER
AUTOR José de Souza Martins
EDITORA Contexto
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