Plano de Campos Neto para o real digital é a melhor solução para não acabar com bancos, diz CEO da Stellar

Denelle Dixon, da Stellar, explica as vantagens da tecnologia blockchain para uma moeda digital nacional e elogia solução brasileira

Paulo Barros

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AUSTIN – O plano traçado até aqui pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para o real digital tende a ser o melhor possível para preservar o papel dos bancos no sistema financeiro e, ao mesmo tempo, garantir a digitalização do dinheiro utilizando tecnologia blockchain. A opinião é de Denelle Dixon, CEO da Stellar Development Foundation (SDF), que concedeu entrevista exclusiva ao InfoMoney CoinDesk durante a Consensus 2022, em Austin, nos Estados Unidos.

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A SDF é a organização que administra a Stellar Network (XLM), uma blockchain que nasceu como uma alternativa rápida e barata na comparação com o Bitcoin (BTC), mas que acabou ganhando as graças dos governos que estão estudando a possibilidade de lançar moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) – como o brasileiro.

Buscada pelo governo ucraniano para compor um esforço ambicioso de digitalização da economia que acabou sendo frustrado pela invasão russa, a plataforma ganhou a possibilidade de ter papel central na construção do real digital ao ser contratada por Mercado Bitcoin, Fundação CPQD e Bitrust, que formam um dos nove consórcios do projeto piloto criado pelo Banco Central para encontrar o modelo ideal para a moeda digital brasileira.

Na conversa, Dixon, que é doutora em direito pela Universidade da Califórnia e ex-diretora de operações da Mozilla, elogiou a iniciativa brasileira, explicou por que tem o potencial de conciliar a inovação com a sobrevivência dos bancos, e ainda cutucou os EUA, afirmando que o modelo seria o mais recomendável para o dólar digital. Confira a entrevista:

InfoMoney CoinDesk – A Stellar não começou como um serviço de infraestrutura para CBDCs. Por que isso mudou?

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Denelle Dixon – Essa é a melhor coisa da Stellar. Ela sempre foi incrível para CBDCs, mas nunca foi o foco dos diferentes países que focam nisso. O bom da Stellar é que ela permite emitir ativos de maneira muito fácil. A função de emissão de ativos faz com que CBDCs, stablecoins, ativos lastreados em ouro, sejam muito fáceis de ser emitidos, literalmente uma linha de código.

Na parte das CBDCs, algo valioso é a integração da Stellar com medidas de compliance. Então se você vai emitir uma CBDC, a Stellar é meio que a plataforma ideal, porque é possível escolher entre criar de maneira permissionada – com necessidade de verificação de identidade antes de enviar para alguém – ou não-permissionada – em que qualquer usuário pode comprar o ativo em qualquer lugar.

Então a Stellar sempre foi ideal para CBDCs, mas só agora os países estão olhando para ela como alternativa.

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InfoMoney CoinDesk – Você acha que CBDCs são inevitáveis para todos os países?

Denelle Dixon – Eu não acho que seja inevitável para todos os países. Acho que alguns países vão considerar as CBDCs uma ferramenta muito útil para eles. Acabamos de entrar no estágio em que as CBDCs oferecem o uso do ativo de um jeito simplificado.

Você pode emiti-lo no país e ter a moeda alavancada no exterior, mas você sabe o que está acontecendo com ela porque a está acompanhando por meio de um registro imutável. Esse é o valor da blockchain. Eu acho que muitos países vão olhar para isso porque vão considerar muito valioso se eles querem digitalizar o dinheiro totalmente.

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O presidente Zelensky, da Ucrânia, por exemplo. Quando nos reunimos com ele, ele disse que desejava ter uma sociedade sem dinheiro físico até o final deste ano – isso foi antes da guerra. Mas também há uma porção de outros países que buscam dinheiro digital porque é mais fácil de guardar, a blockchain é um registro imutável e permite que todo mundo veja o que está acontecendo, não tem fraude e lavagem de dinheiro na blockchain. E isso tem muito valor.

Alguns países vão considerar isso inevitável e vão buscar ter [uma CBDC] como uma camada de infraestrutura. Mas provavelmente não todos os países.

InfoMoney CoinDesk – O presidente do Banco Central do Brasil disse recentemente que vê o real digital como uma base para que bancos possam emitir suas stablecoins em reais. Qual sua opinião sobre isso?

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Denelle Dixon – Eu acho incrível. Se você pensa nos correspondentes bancários como existem hoje nos EUA, o Fed emite os dólares e os bancos são garantidos pelo governo federal enquanto fazem o trabalho de fazer o dinheiro chegar aos consumidores. O Fed não estabelece o relacionamento com o consumidor. Isso é uma coisa boa, e acho que uma CBDC pode fazer o mesmo.

O órgão que emite a CBDC na camada governamental não precisa manter o relacionamento com os consumidores, assim os bancos podem ter esse relacionamento, usando seus ativos estáveis garantidos pela CBDC. Acho que é uma maneira inteligente de fazer. A não ser que você queira que o banco central tenha esse relacionamento com o consumidor.

Algumas vezes as pessoas podem não querer esse tipo de relação porque não querem que o governo federal saiba tudo sobre elas. Então [a proposta do BCB] é interessante.

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InfoMoney CoinDesk – E assim a CBDC também não acaba com os bancos, certo?

Denelle Dixon – Exato, esse também é um ponto importante. Já estamos vendo nos EUA stablecoins lastreadas no dólar, e instituições que não são reguladas como bancos emitindo stablecoins de um jeito auditável e rastreável. Adoramos que isso crie competição e inovação, inclusive fora dos EUA, e ter esse tipo de infraestrutura é positiva para o consumidor.

Mas eu não desejo que os bancos acabem. Então a possibilidade de emitir stablecoins garantidas por uma CBDC são uma ótima alternativa. E é possível fazer isso na Stellar, a emissão de ativos é a nossa espinha dorsal.

InfoMoney CoinDesk – Você já viu propostas parecidas vindas de outros bancos centrais pelo mundo com os quais a Stellar conversa?

Denelle Dixon – Na verdade já vi vários que estão pensando em caminhos parecidos. Uma das coisas que costumamos dizer é que, se os EUA um dia tiverem uma CBDC – algo que eu não necessariamente acredito porque existem tantas stablecoins fortes -, esse seria o modelo que nós recomendaríamos [ao Fed].

InfoMoney CoinDesk – A Stellar está sendo procurada por mais projetos de CBDC?

Denelle Dixon – Há outras instituições que trabalham conosco em ambientes de sandbox, e ajudamos eles a trabalhar na rede e criar valor. Então temos grupos por todo o mundo que estão focando na Stellar para dar suporte aos seus pilotos de CBDCs.

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Paulo Barros

Jornalista pela Universidade da Amazônia, com especialização em Comunicação Digital pela ECA-USP. Tem trabalhos publicados em veículos brasileiros, como CNN Brasil, e internacionais, como CoinDesk. No InfoMoney, é editor com foco em investimentos e criptomoedas