PIB do agronegócio se destaca enquanto Brasil enfrenta crise com coronavírus: qual o reflexo para as empresas da Bolsa?

Setor performa bem melhor que a média da economia e atrai investidores pelas empresas de capital aberto que atuam nele

Ricardo Bomfim

Plantação de soja em Mato Grosso (Paulo Fridman/Corbis via Getty Images)
Plantação de soja em Mato Grosso (Paulo Fridman/Corbis via Getty Images)

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SÃO PAULO – Se a economia sofre sobremaneira com os impactos da crise do coronavírus, o agronegócio brasileiro mais uma vez deve crescer e bater recordes como se estivesse alheio a essa situação. No início do mês, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, destacou que desempenho do setor tem evitado uma queda maior do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Enquanto o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) prevê uma retração de 6% para o PIB geral em 2020, o instituto projeta que o PIB do agronegócio vai crescer 2,5% no mesmo período. Isso tomando como base a previsão de safra do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Usando a projeção da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a expansão do setor deve ser de 2,3%.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) divulgou em 8 de agosto que o PIB do agronegócio brasileiro avançou 4,65% nos primeiros cinco meses do ano.

De acordo com estimativas da consultoria MacroSector, o PIB recuará 8% em 2020, mas o agronegócio deve crescer pelo menos 1,8% no ano pela mesma metodologia.

A Conab elevou recentemente sua projeção para a produção brasileira de milho em 1,6% para 102 milhões de toneladas diante do clima mais favorável, e manteve suas expectativas para a soja em 121 milhões de toneladas. O volume da produção total de grãos no país está estimado em 253,7 milhões de toneladas, número 4,8% superior ao dado apurado em 2018/19.

Uma das razões para este desempenho destoante tem a ver com o quadro macroeconômico da China hoje. Para repor os plantéis de porcos perdidos em 2019 durante a epidemia de peste suína africana, os chineses devem consumir muito milho moído e farelo de soja, que são utilizados na alimentação destes animais. Foram quase 7 milhões de suínos abatidos em toda a Ásia no ano passado.

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O Brasil é o maior exportador de soja do mundo, tendo sido responsável por 56% das exportações globais do grão em 2018, de acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC).

“Estamos caminhando para uma nova safra recorde. Grande parte da safra já foi comercializada e os grandes produtores estão rentabilizados. Fora isso, não vemos nenhum evento climático impactando o agronegócio de maneira negativa”, avalia Ricardo Jacomassi, sócio da TCP Partners.

Para o futuro, Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSector, afirma que os resultados não devem ser tão extraordinários quanto na safra 2020-2021, pois boa parcela do efeito positivo já se realizou este ano. Contudo, não vê isso como um motivo tão grande para preocupação.

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O que pode ser um problema mesmo, na opinião de Silveira, são as próximas decisões do Banco Central. “O câmbio ajudou muito no primeiro semestre, porque o BC, mesmo com a quantidade de reservas de dólares à disposição, deixou a moeda flutuar. Em consequência, alguns produtos como a soja terão remuneração 20% acima do que tiveram no ano passado”, analisa.

Segundo Silveira, a partir de 2021 o importante é observar de que maneira a autoridade monetária irá atuar nessa realidade de juro real negativo, com a Selic em 2% ao ano, e a inflação próxima de 3%. “Como o BC vai reagir diante de um juro abaixo da inflação? Se subir a Selic, pode prejudicar o mercado local e o agronegócio tem uma fatia significativa de vendas domésticas, em torno de 60% do total”, alerta.

Confira o compilado de recomendações dos analistas para as empresas da Bolsa ligadas ao agronegócio

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Empresa Ticker Recomendações de Compra Recomendações Neutras Recomendações de Venda Preço-alvo médio Upside para preço-alvo médio* Variação das ações no ano até agora
Brasil Agro AGRO3 2 1 0 R$ 21,50 +6,07% +5,99%
BRF BRFS3 7 3 1 R$ 28,65 +38,27% -42,27%
Cosan CSAN3 5 5 0 R$ 77,73 -7,45% +23,26%
JBS JBSS3 13 0 1 R$ 34,09 +39,54% -3,88%
Marfrig MRFG3 9 3 0 R$ 17,69 +1,84% +73,90%
Minerva BEEF3 6 4 0 R$ 15,27 +11,38% +4,52%
São Martinho SMTO3 8 4 0 R$ 24,57 +0,33% +1,71%
SLC Agrícola SLCE3 3 5 1 R$ 24,89 -0,72% +3,21%
Terra Santa TESA3 0 0 0 Sem dados Sem dados -18,62%

Fonte: Reuters
*Usando como referência a cotação com que eram negociados os papéis às 14h47 (horário de Brasília) de 20 de agosto de 2020. 

Na semana passada, a SLC Agrícola (SLCE3) reportou seu resultado referente ao segundo trimestre de 2020 e os analistas Martinez Cerdan e Roberto Browne, do Morgan Stanley, escreveram em relatório que os números comprovaram a resiliência do agronegócio. A companhia teve lucro líquido de R$ 196,1 milhões e receita líquida de R$ 562,6 milhões.

“Apesar dos preços da soja e do milho terem caído em dólares, eles continuam atrativos para os produtores brasileiros devido ao câmbio depreciado e ao prêmio da soja no Brasil, que aumentou por causa das disputas comerciais entre Estados Unidos e China”, analisam.

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Hoje, pouco mais de 98% dos grãos de soja da safra 2019/2020 da SLC já estão vendidos com um preço de US$ 9,80 por bushel ou US$ 21,61 por saca, além de 49% da safra seguinte ao preço de US$ 9,70 o bushel (US$ 21,38 por saca).

A preocupação da equipe de análise do Morgan Stanley fica apenas com a produção de algodão, pois a indústria têxtil foi atingida com força pela pandemia de coronavírus, impactando os preços da commodity. Entretanto, o real desvalorizado mais que ofuscou este efeito no trimestre, o que garantiu a rentabilidade da operação.

Já os analistas Victor Saragiotto e Felipe Vieira, do Credit Suisse, classificaram os números da SLC como “saudáveis”. O lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) de operações agrícolas cresceu 30,9% na comparação com o mesmo período do ano passado, chegando a R$ 144,9 milhões graças aos maiores preços da soja.

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“O crescimento do Ebitda é explicado principalmente pela maior receita bruta unitária para soja, que avançou 103,9% na comparação anual, e para volumes maiores de grãos de soja vendidos no segundo trimestre de 2020, com aumento de 49,6%, enquanto a queda nas margens é parcialmente explicada pela menor receita bruta unitária para o algodão, que recuou 71% na base anual”, avalia a equipe de análise do banco suíço.

O Credit Suisse destaca ainda que a SLC já comprou quase todos os fertilizantes e defensivos agrícolas necessários para a safra 2020/2021 a preços significativamente mais baixos em dólar, o que é vantajoso em um cenário de real mais depreciado daqui para frente. Outro ponto positivo é que a empresa conseguiu proteger 59,8% da sua produção de algodão a preços atrativos na moeda nacional.

Todavia, os analistas lembram que a redução nas estimativas para as margens do algodão nesta safra deve prejudicar essa parte das operações da SLC.

Já a Terra Santa Agro (TESA3), que é focada na produção agrícola de algodão, soja e milho teve prejuízo líquido de R$ 10,1 milhões no segundo trimestre de 2020, pior que os R$ 3,4 milhões de prejuízo registrados no segundo trimestre de 2019. O Ebitda da companhia foi de R$ 79,9 milhões, ante R$ 49,9 milhões no mesmo período do ano passado e a receita líquida foi de R$ 229,6 milhões, contra R$ 86,5 milhões no segundo trimestre de 2019.

A equipe de análise da Nord Research considera a companhia uma má aposta no setor por conta da histórica falta de rentabilidade das operações, que compensariam a eficiência operacional defendida pela administração.

Trimestre histórico para frigoríficos

Para os frigoríficos com ações negociadas em Bolsa como BRF (BRFS3), JBS (JBSS3), Marfrig (MRFG3) e Minerva (BEEF3), o cenário também é bom, pois os asiáticos ainda precisam de muita carne para compensar as perdas de 2019. “Conseguimos atender à demanda chinesa e nos tornamos muito competitivos com a moeda no patamar atual”, diz Ricardo Jacomassi.

Segundo a XP Investimentos, os frigoríficos animam porque o impacto da peste suína foi tão grande que vai levar mais cinco anos para oferta e demanda estarem novamente alinhadas. “O modelo de produção de suínos deles é muito pulverizado e baixo. A China teve uma queda entre 30% e 40% dos plantéis. O comércio mundial não consegue cobrir o tanto que foi abatido.”

Na avaliação da XP, para não haver desabastecimento no país mais populoso do mundo, será necessário alterar o padrão de consumo dos chineses, que comiam em média 5 kg de carne bovina per capita por ano, metade da média global e muito abaixo dos 35 kg que o brasileiro médio consome anualmente.

“Dito isso, os setores de carne bovina e suína no mundo já estão se aproveitando deste cenário e isso deve continuar para os próximos semestres.”

No segundo trimestre, os grandes frigoríficos brasileiros tiveram resultados bastante sólidos. Um dos mais elogiados deles foi o da JBS, sobre o qual a equipe de análise do Credit Suisse fez a seguinte pergunta: “como alguém pode não estar otimista?”

Os analistas do banco suíço, Victor Saragiotto e Felipe Vieira, destacaram que esperavam que a empresa entregasse seus melhores dados operacionais da história, mas não podiam antecipar quão fortes eles seriam. “A receita cresceu 32,9% na comparação anual a R$ 67,6 bilhões e o Ebitda ajustado teve uma disparada impressionante de 105,9% em relação ao segundo trimestre de 2019, para R$ 10,5 bilhões”, lembram.

A divisão de carne bovina do frigorífico nos EUA foi a principal responsável pelo desempenho extraordinário. “As margens na JBS USA Beef cresceram em 11,5 pontos percentuais, para 20,4% em meio a um recorde nos spreads dos preços da proteína de boi.”

Na avaliação dos analistas, o segundo trimestre de 2020 foi histórico e dificilmente será batido, porém, o momentum deve durar por muito mais tempo. “O nível mais depreciado do real deve ajudar a ofuscar parcialmente a pressão de custos que está por vir nas marcas Seara e Friboi.”

Já a XP ressaltou que todas as unidades do frigorífico apresentaram bons resultados, mas aquelas focadas em carne bovina se sobressaíram.

“A empresa registrou lucro de R$ 3,4 bilhões, número 173,9% acima das nossas estimativas. A geração de fluxo de caixa livre foi de R$ 9,5 bi (+176,5% A/A) e a alavancagem em reais caiu para de 2,8 vezes [no múltiplo dívida líquida dividido pelo Ebitda] no segundo trimestre de 2019 para 2,1 vezes agora. A empresa segue contando com um balanço forte, com quase R$ 31,3 bilhões em caixa e equivalentes”, resumiu a equipe de análise da corretora em relatório.

A Minerva, por sua vez, também surpreendeu o Credit Suisse, com crescimento de 9,3% da receita líquida na comparação anual. O Ebitda de R$ 590 milhões animou a equipe de análise, mostrando um avanço de 62,2% em relação ao segundo trimestre de 2019. O número foi ainda 4,5% acima das projeções do banco suíço.

De acordo com o Credit, os resultados foram impulsionados principalmente pela depreciação de 20,4% sofrida pelo real no trimestre e pela sólida demanda por carne na Ásia.

Graças ao efeito cambial, os preços das exportações aumentaram 60,4% na base anual. Outro destaque é que a alavancagem caiu de 2,9 vezes para 2,6 vezes no múltiplo dívida líquida dividida pelo Ebitda ajustado na comparação trimestral.

Do lado dos custos, o preço do gado se manteve sob controle, o que combinado com o desempenho forte nas exportações levou a margem bruta a 23,2%. A parte negativa ficou por conta dos menores volumes na divisão Brasil e na Athena Foods.

Para os analistas do Credit, a Minerva deve continuar a se beneficiar de um cenário favorável para exportações de carne nos próximos trimestres devido ao grande déficit na oferta provocado pela epidemia de peste suína africana no ano passado.

Todavia, como o momentum para o gado brasileiro é menos favorável e 80% dos custos da empresa são relacionados à compra de gado, o Credit Suisse não espera qualquer alívio para os custos nos próximos trimestres.

Já a equipe de análise do Morgan Stanley, que previa um Ebitda 7% menor para a companhia no período, os pontos positivos foram a geração de fluxo de caixa livre e a menor alavancagem.

“Foi uma performance impressionante, particularmente se considerarmos a disseminação da pandemia e os lockdowns associados a ela”, resumem os analistas. Por outro lado, os analistas do banco americano ressaltam que a receita decepcionou principalmente no mercado doméstico de carne bovina.

Mas o grande destaque mesmo foi da Marfrig, que teve lucro de R$ 1,6 bilhão no segundo trimestre de 2020, contra R$ 87 milhões no mesmo período do ano passado. O Ebitda da companhia foi de R$ 4,07 bilhões e a receita líquida atingiu R$ 18,9 bilhões. O Credit Suisse classificou o resultado como “um ano em um trimestre”.

“As razões para este desempenho deslumbrante são um trimestre espantosamente positivo para a National Beef, que teve 23,7% de margem Ebitda [Ebitda dividido pela receita líquida] ajustada impulsionada pelas vendas de carne bovina nos EUA, e um grande resultado na América do Sul com 13,9% de margem Ebitda ajustada puxada pela depreciação do real e pelo aumento no mix de exportações”, argumenta o banco suíço.

Os analistas André Hachem, Gustavo Troyano, Renan Moura e Leonardo Marcondes, do Itaú BBA, realçaram a queda na alavancagem, que caiu para 2,1 vezes, de 3,6 vezes no primeiro trimestre de 2020. “As operações da companhia foram fortes, com margens recordes na América do Norte e na América do Sul. Os destaques ficam por conta da geração de fluxo de caixa livre e da desalavancagem”, concluem.

Já a equipe de análise do Bradesco BBI destaca que a receita veio 10% acima das projeções do mercado com o sucesso das vendas na América do Norte e que o Ebitda foi 24% superior ao esperado pelo banco e 52% maior que a expectativa mediana dos analistas do mercado graças a despesas com vendas, gerais e administrativas 40% abaixo das esperadas.

“No segundo trimestre de 2020 a Marfrig se beneficiou de fechamento de diversas plantas de frigoríficos nos EUA devido a casos de Covid-19, o que levou a um excedente de animais para o abate que reduziu os custos com compra de gado, além de uma menor oferta de carne no mercado graças à menor capacidade de processamento da indústria, o que elevou os preços da carne bovina”, analisou Leandro Fontanesi do Bradesco.

Para ele, as margens da proteína bovina devem “voltar ao normal” nos próximos trimestres, apesar do excedente de animais para o abate continuar por mais 12 meses. “Os preços da carne bovina estavam 36% superiores no segundo trimestre de 2020 na comparação anual e o custo do gado estava 13% inferior na mesma base, mas agora a carne bovina está 5% mais barata do que no terceiro trimestre de 2019 e o preço do gado está 10% menor na mesma comparação.”

As dúvidas agora, na avaliação do analista, são sobre a sustentabilidade da geração de fluxo de caixa livre, que chegou a R$ 3,3 bilhões no trimestre passado, porém seria necessário observar o comportamento deste indicador de agora em diante para se obter mais clareza a respeito da trajetória do caixa da empresa.

Na contramão, o Credit Suisse está muito mais otimista e os analistas esperam que o segundo semestre de 2020 seja melhor do que o segundo semestre de 2019, com novos recordes de rentabilidade e geração de fluxo de caixa. Em grande parte porque o declínio no abate de gado no segundo trimestre de 2020 impediu o abate de 1,2 milhão de cabeças.

“Vemos esse acúmulo de novilhos proporcionando um abastecimento confortável por mais de dois trimestres mesmo assumindo que a indústria de carne bovina dos Estados Unidos operará na taxa de utilização máxima, o que não acreditamos ser viável dada a pandemia”, preveem os analistas do Credit.

Vale lembrar que Miguel Gularte, CEO das operações na América do Sul da Marfrig, disse em live do InfoMoney que não descarta a possibilidade de fazer uma Oferta Pública Inicial (IPO, na sigla em inglês) nos Estados Unidos. Segundo Gularte, a administração está trabalhando para deixar a empresa pronta para essa operação, caso ela seja aprovada em algum momento pelo Conselho de Administração.

A equipe do banco suíço ficou bem menos entusiasmada com o resultado da BRF, que classificou como “bom, mas nada excitante”. Os principais pontos lembrados foram o Ebitda de R$ 1 bilhão, que caiu 15,4% na comparação com o segundo trimestre de 2019, em linha com as projeções do Credit.

“O desempenho decente é explicado pelos volumes mais elevados e pelos preços no mercado doméstico, que subiram 6,3% e 7% na base anual respectivamente, além dos preços 15% superiores no mercado internacional, impulsionados por Ásia e pelo segmento Halal (carne produzida seguindo os preceitos da religião islâmica)”, explicam os analistas.

Do lado negativo, os volumes de aves vendidas para a Ásia caíram 6,7% na comparação anual e a carna Halal teve volumes 3,7% inferiores apesar dos preços mais altos. A perda de market share no Brasil, para 43,4% no quinto e sexto meses do ano, contra 44,2% no mesmo período do ano passado, também foi apontado como fator preocupante.

Para os analistas do Credit Suisse, o câmbio depreciado vai beneficiar os resultados da BRF no terceiro trimestre de 2020, mas a queda de 18% nos preços de aves em dólar vão manter a expansão da receita da companhia abaixo das expectativas.

A XP considerou os resultados do segundo trimestre da BRF mais fracos que o esperado. Uma das frustrações veio da margem Ebitda. Segundo a XP, isso ocorreu porque os custos continuam pressionando o frigorífico.

“Do lado positivo, as mudanças nos hábitos de consumo em função da pandemia ajudaram as vendas de alimentos processados no mercado interno, aumentando as margens e levando a receita líquida para R$ 9,1 bilhões”, reforçaram os analistas em relatório a clientes.

O Bradesco BBI, mais otimista com a ação, viu com bons olhos o aumento de 13% na comparação anual dos volumes de alimentos processados no Brasil, que ajudaram a BRF a reportar uma receita líquida de R$ 9,1 bilhões e um lucro líquido de R$ 307 milhões no trimestre.

A preocupação ficou pelo lucro 1% menor que o esperado nas operações internacionais, explicado pelos embarques de exportações menores que o esperado depois do ciclone que atingiu a região Sul do Brasil e pela menor utilização de capacidade por causa da pandemia.

Coronavírus em frigoríficos

O problema para o futuro das empresas que produzem carne no Brasil é acompanhar os surtos de coronavírus em frigoríficos brasileiros e suas repercussões internacionais.

Fábio Silveira, da Macrosector, afirma que o nível de contágio da Covid-19 no Brasil tornou-se um empecilho para aumentar ainda mais as vendas, uma vez que alguns países torcem o nariz para a carne brasileira diante da imagem que se consolidou no exterior de que a pandemia está descontrolada no País.

O problema foi exacerbado na semana retrasada quando uma amostra de asas de frango congeladas importadas do Brasil pela China apresentou resultado positivo para o coronavírus.

A amostra contaminada pelo vírus foi retirada do próprio frango, ao contrário do que já havia ocorrido antes, de cargas nas quais a Covid-19 foi identificada nas embalagens. Depois do ocorrido, a China negou que fosse tomar, por enquanto, qualquer medida de restrição contra a carne brasileira.

No entanto, o governo de Hong Kong suspendeu na última terça-feira (18) a importação de carne de frango da unidade da Aurora Alimentos de Xaxim (SC).

“Por uma questão de prudência, o CFS também suspendeu temporariamente o pedido de licença de importação de carne de frango para Hong Kong da fábrica em questão (número de registro: SIF601), enquanto espera por mais investigação do caso e detalhes de teste das autoridades competentes”, diz o comunicado.

Também na terça-feira, surgiu a possibilidade de uma greve dos trabalhadores dos frigoríficos brasileiros caso o índice de contaminação pela Covid-19 nessas empresas, estimado em até 25%, não seja reduzido.

“Não é esse nosso desejo. Queremos mesmo é buscar o diálogo, com entendimento para uma produção sustentável dentro da situação anormal que vivemos. Mas se os frigoríficos continuarem irredutíveis, radicais e não quererem abrir uma negociação, essa possibilidade de paralisação não está descartada”, afirmou ao site da Globo Rural Artur Bueno de Camargo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Alimentação (CNTA).

Para Luiz Deoclecio Fiore de Oliveira, CEO da consultoria Onbehalf, pode ocorrer alguma restrição nas entregas neste momento, mas isso é temporário. “Uma coisa é os países ficarem com uma certa insegurança por algum indício e outra é cancelarem os contratos por uma situação como essa. Esses países [como a China] dependem muito das exportações brasileiras e não vejo nenhuma ruptura severa no comércio exterior”, avalia.

Açúcar e etanol

Mesmo o setor sucroalcooleiro, que tem um cenário menos positivo que os demais, teve pontos positivos no trimestre. Principalmente com a performance excepcional da São Martinho (SMTO3).

A equipe de análise do Morgan Stanley ressalta que a São Martinho conseguiu entregar fortes resultados e um crescimento de 41% no Ebitda ajustado do primeiro trimestre do ano-safra 2020/2021, atingindo R$ 491 milhões. O lucro líquido da companhia foi de R$ 116 milhões.

O real mais depreciado ajudou a empresa a conseguir preços e margens maiores na exportação de açúcar, o que mais que compensou a fraca demanda por etanol.

“Os volumes de etanol se expandiram em 3%, mas os preços caíram 14% devido à demanda mais baixa e ao aumento da competitividade nos preços dos derivados de petróleo. Entretanto, os preços do açúcar em real aumentaram em 17% impulsionados pela depreciação do câmbio ao mesmo tempo em que os volumes vendidos quase dobraram”, avaliam os analistas Martinez Cerdan e Roberto Browne.

Já a equipe de análise do Bradesco BBI destaca que a receita líquida de R$ 1,025 bilhão reportada pela São Martinho foi 20% superior à mediana das projeções do mercado e 31% maior que a estimativa do próprio Bradesco graças ao desempenho extraordinário das vendas de açúcar.

Para os analistas Leandro Fontanesi e Vicente Falanga, mesmo uma sobreoferta de etanol é improvável hoje devido à retomada da demanda que ocorre desde que foram relaxadas as medidas de isolamento social tomadas para impedir a proliferação do coronavírus. “Mesmo se assumirmos uma uma redução de 15% nas vendas de etanol no segundo semestre de 2020 os estoques seriam 10% menores no final deste ano do que foram em dezembro de 2019”, explicam.

O único risco que torna a equipe do Bradesco mais cautelosa com o ativo é que com a guerra de preços do petróleo que ocorreu no começo de 2020 entre Rússia e Arábia Saudita, as usinas brasileiras decidiram produzir o máximo possível de açúcar na safra 2020/2021. Isso porque com a queda nas cotações do petróleo o etanol se tornou menos atrativo como combustível e a produção sucroalcooleira do País foi redirecionada para o grão de açúcar, o que deve contribuir para um excesso projetado de 5 milhões de toneladas da commodity no mundo.

Todavia, no mesmo setor, a Cosan (CSAN3) teve números bem menos animadores. O analista Regis Cardoso, do Credit Suisse, apontou que o Ebitda de R$ 518 milhões reportado pela empresa foi 41% menor que as projeções do banco, embora as estimativas já tivessem sido revisadas para levar em consideração os impactos da quarentena.

“Esse certamente foi um trimestre único e não representa os níveis normalizados de produção daqui para frente. Ainda assim, não há como fugir do fato que os resultados foram muito fracos”, opina. Cardoso argumenta que as perdas de estoque e as deseconomias de escala são parte da explicação do porquê o segundo trimestre ter sido tão fraco.

Contudo, ele vê outras razões intrínsecas ao grupo Raízen para a decepção nas demonstrações financeiras. “A Raízen Combustíveis teve seu menor Ebitda da história em R$ 65 milhões, dado 79% abaixo das nossas estimativas. As perdas de estoques e escala devem ter sido muito mais relevantes do que antecipamos, dada a redução de margens.”

Analisando a perspectiva macro para o setor sucroalcooleiro, o sócio da TCP Partners, Ricardo Jacomassi, afirma que uma penosa combinação de demanda fragilizada para etanol com consumo de açúcar pressionado prejudicam o futuro das empresas. “Boa parte das redes de restaurantes e bolos estão fracas por conta da pandemia”, ressalta.

Deste modo, as companhias do setor que tinham situações menos saudáveis de dívida devem ser impactadas de maneira mais contundente. “Algumas empresas do setor sucroalcooleiro buscaram linhas de financiamento de capital e estas quase não foram abertas no semestre.”

Neste ponto, novamente a Cosan se destacou negativamente. A dívida líquida da empresa aumentou de R$ 2,9 bilhões no primeiro trimestre deste ano para R$ 14,5 bilhões no segundo trimestre. “O acréscimo no endividamento não pode ser integralmente explicado pela queima de caixa e pode ser parcialmente atribuído aos dividendos de R$ 700 milhões, ao capital de giro para empilhar estoques de açúcar e etanol na Raízen Energia e à desvalorização do real sobre a dívida denominada em dólar.”

Jacomassi projeta projeta uma retomada na demanda por etanol apenas no segundo semestre de 2021. “Ainda há muita incerteza a respeito de quando teremos uma vacina para o coronavírus e o primeiro trimestre de cada ano costuma ser de menos movimento graças aos feriados, então é de se imaginar uma recuperação mais lenta para o combustível”, explica.

Medidas do governo

“O contexto atual da pandemia trouxe desafios para todos”, lembrou Campos Neto, citando medidas recentes tomadas pelo governo com foco no setor do agronegócio. “Ajudamos a construir a Lei do Agro, sancionada em abril”, citou. “A partir de 1º de julho, consolidou-se contratação simplificada de crédito rural, demanda antiga do setor”, completou.

A Lei 13.986/2020, conhecida como Lei do Agro, foi feita com o objetivo de ampliar o mercado de crédito privado para o agronegócio brasileiro por meio da criação de novas modalidades de garantia como o Fundo Garantidor Solidário (FGS). Enquanto isso, a contratação simplificada de crédito rural foi uma série de medidas emergenciais criadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para desburocratizar a concessão de financiamentos aos produtores.

Luiz Fiore da Onbehalf ressalta que a facilitação do crédito aumentou o financiamento e pode trazer superávits ainda maiores na Balança Comercial. “Na medida em que você fomenta um mercado que já tem uma demanda grande e com capacidade para aumentar ainda mais, ajuda bastante”, defende.

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Ricardo Bomfim

Repórter do InfoMoney, faz a cobertura do mercado de ações nacional e internacional, economia e investimentos.