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Temor sobre deterioração da governança corporativa e de diminuição do pagamento de dividendos. De uma vez, dois dos principais pilares para a tese de investimentos na Petrobras (PETR3;PETR4) ficaram ameaçadas nesta semana por propostas do Conselho de Administração da companhia.
Isso após outros eventos que chamaram a atenção dos investidores. Jean Paul Prates, CEO da estatal, sinalizou na semana passada possíveis maiores investimentos na Venezuela com alívio das sanções pelos Estados Unidos (o que foi recebido com ressalvas por analistas), enquanto houve um corte nos preços de gasolina válidos desde o último sábado num momento de tensão geopolítica que levou a duas semanas de alta para os preços do petróleo.
Porém, apesar de ser acompanhado com atenção pelos investidores, esses dois eventos não foram vistos como tão negativos quanto os da última segunda-feira (23), que levaram a um tombo de 6,03% (R$ 38,35) para os papéis ordinários, enquanto os ativos preferenciais tiveram queda de 6,61% (R$ 35,35) na sessão da véspera.
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O conselho de administração da Petrobras aprovou a apresentação de proposta de revisão em seu estatuto que visa eliminar determinadas restrições para a indicação de membros para a alta cúpula. A medida, na visão de analistas e de acordo com duas fontes a par das discussões ouvidas pela Reuters, poderá abrir caminho para a entrada de políticos na empresa.
A proposta apresentada também inclui a criação de uma reserva de remuneração de capital, que teria como objetivo buscar um meio de reservar recursos que excedam os 45% do fluxo de caixa livre previstos na política para distribuição mínima de dividendos. Essa parte excedente seria direcionada para investimentos e não mais para remunerar acionistas, também segundo essas fontes ouvidas pela agência, o que levaria a uma revisão das projeções para os proventos da estatal por diversas casas, que contavam com o pagamento de dividendos extraordinários.
A ideia com as mudanças nas regras de indicações para a alta cúpula é “permitir que políticos entrem no dia a dia da empresa”, como ocorria no passado, aumentando os riscos de ingerência na empresa, segundo disse uma das fontes à Reuters. “Retrocesso terrível, infelizmente”, complementou.
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Após o fechamento dos mercados, a Petrobras publicou novo comunicado, reiterando que a proposta tem por objetivo alinhar o estatuto ao disposto na Lei das Estatais “quaisquer que venham a ser as decisões judiciais a respeito do tema”.
Isso porque a mudança quer fazer valer no estatuto uma decisão liminar do então ministro do STF Ricardo Lewandowski, de março deste ano. Na ocasião, ele suspendeu os efeitos do trecho da Lei das Estatais que restringe indicações de conselheiros e diretores que sejam titulares de alguns cargos públicos ou que tenham atuado, nos três anos anteriores, na estrutura decisória de partido político ou na organização e na realização de campanha eleitoral. O Supremo, no entanto, ainda não tomou uma decisão final sobre o tema.
A Lei das Estatais foi aprovada pelo Congresso em 2016 na esteira dos escândalos de corrupção envolvendo a Petrobras e outras empresas públicas investigadas pela operação Lava Jato.
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Por outro lado, outra proposta é a proibição de cobertura de seguros para executivos em casos de má conduta intencional ou negligência grave.
Para analistas, ainda que haja alguns desdobramentos no radar, a notícia representa um retrocesso. André Vidal e Helena Kelm, analistas do setor de petróleo e gás da XP, apontam verem a Lei das Estatais juntamente com o estatuto social da Petrobras como dois importantes mecanismos de defesa da governança corporativa da companhia.
Os analistas destacam que, após a liminar de Lewandowski, a mudança proposta foi muito provavelmente acionada como mecanismo de defesa. Isso porque o deputado estadual Leonardo Siqueira, do Partido Novo de São Paulo, entrou com uma ação popular pedindo o afastamento de três membros conselheiros da Petrobras, argumentando que as nomeações eram irregulares por não seguirem o estatuto da estatal (ainda que respaldadas por essa liminar).
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A ação pede o afastamento dos conselheiros Pietro Mendes, Efrain Cruz e Sérgio Machado Rezende, todos indicados pelo Governo Federal.
“No entanto, vemos a formalização dessa liminar (que, por definição, não é definitiva) no estatuto da Petrobras como um retrocesso muito negativo em sua governança corporativa”, apontam.
O Goldman Sachs ressaltou que a proposta “deixa espaço para a nomeação de indivíduos politicamente expostos para cargos de gestão” e que via o estatuto social da Petrobras como “uma camada adicional de proteção contra intervenção na empresa”.
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Por outro lado, o Goldman pontuou que a proposta aprovada pelo conselho também prevê explicitar a vedação de cobertura do seguro D&O para administradores da companhia nos casos de atos eivados de dolo ou culpa grave, no que o banco afirmou que “incentiva o cumprimento das políticas atuais, negando seguro em casos de irregularidades”.
Já para a XP, apesar da proibição explícita de cobertura de seguro D&O para os administradores da Companhia em casos de dolo ou falta grave ser positiva, ela não compensa os outros desdobramentos.
Ainda que seja uma notícia negativa, o BTG Pactual pontua
que existem mecanismos em vigor que devem continuar a evitar que decisões políticas tenham impacto nas operações cotidianas da Petrobras no curto prazo, tais como o risco de diretores e membros do conselho serem responsabilizados, pessoalmente, por decisões que destruam valor/gerem prejuízos à companhia. “Mas acreditamos que o mercado irá questionar fortemente esta medida, uma vez que a limitação de nomeações serviu de base para uma gestão orientada para o retorno e focada no negócio principal da empresa no passado recente”, reforça.
Já para o Itaú BBA e o Bradesco BBI, embora vejam o movimento como negativo, a empresa está cumprindo a decisão liminar do Supremo.
“Infelizmente, com base nas nossas extensas interações com o mercado, isto não é visto como as melhores práticas em termos de governança. Será interessante ver como os quatro conselheiros dos acionistas minoritários votaram sobre o assunto”, avalia o BBI.
E a remuneração?
No caso da proposta para a criação de uma reserva de remuneração de capital, a Petrobras pontuou que ela só poderá ocorrer após o pagamento dos dividendos na forma da Política de Remuneração dos Acionistas.
O JPMorgan avalia que o movimento “aumenta o risco de pagamentos extraordinários de dividendos mais baixos, uma vez que o excesso de caixa poderia ser canalizado para esta reserva”.
“Como a empresa gera um fluxo de caixa livre substancial, sem reserva, a probabilidade de um grande dividendo especial no final do exercício fiscal é elevada. No entanto, a criação de tal reserva permite que a administração da Petrobras retenha parte do caixa excedente para uso futuro”, avalia. “Não é uma obrigação, mas abre a porta para a redução do potencial de dividendos excessivos.”
O Goldman Sachs, em relatório, também apontou que a proposta de criação de uma reserva aumenta as incertezas na previsão para o pagamento de um potencial dividendo extraordinário.
Na visão do BBA, a notícia abalou a companhia uma vez que a projeção de significativos pagamentos de dividendos extraordinários tem sido um fator decisivo na preferência dos investidores pela Petrobras.
Assim, qualquer anúncio que poderia sinalizar que potenciais dividendos extraordinários ficariam aquém do expectativas do mercado levaria a uma frustração para os investidores e prejudicaria as ações.
Na visão do Bradesco BBI, contudo, a criação dessa reserva foi uma questão de tempo.
Os analistas do banco pontuam que ainda há incertezas sobre o tamanho desta reserva. “Só saberemos quando a ata da reunião do conselho for publicada na próxima segunda-feira, 30 de outubro. Mas esperamos alguma variação como, por exemplo, ‘até 50% do resultado final, limitado ao capital integralizado’, como visto em outros grandes empresas listadas como a Vale VALE3“, projeta.
O BBI não acredita que este intervalo seja muito “conclusivo”, com a decisão final a ser tomada pela administração antes da empresa publicar os resultados do 4T23 (provavelmente fevereiro/março de 2024).
As reservas serão constituídas anualmente, ao final de cada mandato. Com isso, o pagamento extraordinário de 2023 (a ser pago em 2024) será influenciado.
Porém, o BBI não acredita que a Petrobras perderá seu apelo como forte pagadora de dividendos, ao menos não em 2024.
“A decisão de pagar dividendos extraordinários está, em última análise, nas mãos dos gestores da estatal (particularmente o CFO) do ponto de vista da gestão de liquidez, e também do acionista controlador (particularmente o Ministério da Fazenda) do ponto de vista do cumprimento das metas fiscais. Desde que a Petrobras: (i) cumpra seu programa de gastos de capital e (ii) permaneça com seus níveis de caixa acima dos níveis ótimos (que devem ficar próximos de US$ 10 bilhões), vemos espaço para pagamentos extraordinários”, apontam.
Além disso, na perspectiva do Ministério da Fazenda, é benéfico que a Petrobras deva seguir pagando o mais elevado nível de dividendos.
A falta de detalhes por enquanto, avalia a XP, não permite uma visão completa. “Nossa avaliação preliminar é que esse mecanismo facilita o não pagamento de dividendos extraordinários acima de sua política mínima. Isso não significa, necessariamente, que o governo não pagará dividendos extraordinários referentes ao exercício de 2023 (nosso cenário base continua sendo que eles o farão), apenas que facilita para o governo implementá-lo, se esse for o caminho escolhido”, pontua.
Para a Genial, ainda que a atual política de dividendos continue (45% do Lucro Operacional – Investimentos), a nova proposta de reserva traz um sentimento de “mexer em time que está ganhando” e eventualmente colocar o montante levantado ao longo do ano em destinações diversas que não o recebimento dos recursos ao acionista.
“É importante lembrar que os recentes discursos indicam um incremento nos investimentos atualmente planejados (US$ 78 bilhões para o período 2023-2027) para comportar investimentos em fontes renováveis como as eólicas offshore”, aponta a Genial.
Para os analistas, nos termos que veem hoje (baixos preços de energia e Investimentos/MWh capacidade instalada), não conseguem observar tais projetos como interessantes do ponto de vista econômico-financeiro. O novo plano de investimento deve ser anunciado em novembro de 2023.
O que esperar para as ações?
No geral, as casas de análise e bancos no geral não fizeram nenhuma mudança em suas projeções e recomendações, mas muitas delas ligaram o sinal de alerta após as notícias da última segunda.
Algumas, como o JPMorgan, Genial e o Citi, já possuíam recomendação neutra ou equivalente para os ativos, também destacando o baixo potencial de valorização que viam, isso principalmente após a estatal bater máximas históricas durante o mês de outubro. Para o Citi, a Petrobras não possui uma grande “assimetria” ante os principais pares globais nos atuais níveis de negociação dos ativos.
O Itaú BBA também possui recomendação equivalente à neutra (marketperform, ou desempenho em linha com à média do mercado), mas reforça que espera ter uma visão mais clara das ambições de investimento da empresa com o plano estratégico no fim de novembro.
“Neste momento, o anúncio de reserva de capital parece ter como objetivo proporcionar à empresa maior flexibilidade para descobrir a melhor estratégia de alocação para o curto prazo sem ser limitado pelos atuais limites de reservas de lucros da empresa e considerando o estado ainda imaturo dos planos de investimento em renováveis. No final das contas, acreditamos que a criação desta reserva poderia dar
mais tempo para amadurecer sua estratégia de alocação de capital”, aponta.
A XP segue com compra para as ações, mas vê o anúncio como uma notícia marginalmente negativa, embora não completamente inesperada. Os analistas da casa ressaltam que, nos últimos pregões, a Petrobras vem superando as ações brasileiras juniores de petróleo e gás, o que foi inédito durante um rali nos preços do petróleo.
Eles veem várias explicações (não excludentes) para isso: (i) a recompra de ações da Petrobras (e o desempenho melhor de PETR4 versus PETR3 como um forte sinal desse fator); (ii) capitulações dos investidores à tese, especialmente após o aumento dos preços da gasolina e do diesel anunciado em 15 de agosto, bem como a nova política de dividendos anunciada em 30 de julho, e; (iii) formação de consenso sobre o pagamento de dividendos extraordinários para 2023 (em face da deterioração das contas fiscais do Brasil).
“Com o anúncio, acreditamos que mais investidores questionarão os fundamentos da tese, bem como pesarão mais probabilidade de não haver dividendos extraordinários para o exercício de 2023”, afirmam.
O BTG Pactual também mantém recomendação de compra para as ações, mas cita que o sinal amarelo foi ligado.
“Quando atualizamos a tese da Petrobras há dois meses [com elevação de recomendação para compra], argumentamos que a verdadeira contribuição para nosso tom otimista não eram exatamente os pagamentos volumosos que deveriam se tornar mais recorrentes, mas sim a nossa confiança de que os mecanismos de defesa (do balanço) da Petrobras, sustentados por uma melhor governança corporativa, impediriam uma guinada de 180 graus na alocação de capital da empresa. Afirmamos também que grandes tentativas de alterar o estatuto/lei das estatais e reduzir a responsabilidade da equipe de gestão/Conselho de Administração poderiam reduzir o nosso otimismo”, avalia.
Por enquanto, mantém posição de compra enquanto aguarda mais detalhes sobre as propostas. A Petrobras, cita o BTG, ainda está sendo negociada a 13% de dividend yield (dividendo sobre o preço da ação) para 2024, com base em preços do petróleo quase 10% abaixo dos níveis atuais, e mesmo excluindo o potencial para pagamentos extraordinários, oferecendo um bem-vindo suporte de valuation.
Também vendo o retorno de dividendos da estatal como bastante atraente, e que assim permanecerá em 2024 , o BBI também manteve recomendação equivalente à compra (outperform, desempenho acima da média do mercado), para o papel. “Enquanto a Petrobras continuar a pagar dividendos sólidos, acreditamos que o interesse dos acionistas pela história permanecerá alto”, afirma.
Assim, muitos analistas ressaltam: olhando mais a fundo, nem tudo está perdido para a tese de investimentos para a Petrobras, mas o evento de segunda remeteu novamente ao “risco estatal” da companhia.
Por esse ângulo, casas como a Nord Research têm preferido as petroleiras juniors PRIO (PRIO3), 3R (RRRP3) e Petroreconcavo (RECV3). A Levante Corp também destacou seguir com preferência pela alocação de capital em players do setor privado, como é o caso de Vibra (VBBR3) e PRIO, que também têm apresentado bom desempenho e sem ter risco de intervenção estatal.
Assim, o “risco estatal” mais uma vez deu as caras na Petrobras e a volatilidade mais uma vez deve ganhar forças até que sejam conhecidos maiores detalhes sobre as possíveis mudanças na companhia.
(com informações da Reuters)
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