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2022 foi um ano positivo para as principais estatais brasileiras. Tanto o Banco do Brasil (BBAS3) quanto a Petrobras (PETR3;PETR4) tiveram, em momentos diferentes, lucros recordes, bem como dividendos. Mesmo assim, as ações dessas companhias registraram quedas consideráveis no último trimestre do ano e as perspectivas para as empresas vêm se tornando mais sombrias.
Desde o seu melhor preço registrado em 2022, no dia 21 de outubro, as ações ordinárias do Banco do Brasil acumulam queda de mais de 22% até o fechamento desta segunda-feira (9). No caso da Petrobras, os papéis ordinários recuam quase 35% e os preferenciais, quase 37%, dos seus picos – ambos anotados no mesmo dia do que o do banco.
Nesta altura, toda pessoa que acompanha o mercado de capitais sabe porque os papéis dessas empresas públicas recuaram fortemente nos últimos meses: as ameaças de intervenção do novo governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva na governança das estatais colocam em xeque os bons resultados recentes.
Esses perigos explicam os múltiplos descontados, principalmente no que tange o valor de mercado e o lucro (P/E, na sigla em inglês), e dividem analistas – que também mencionam que há pesos diferentes das ameaças para cada uma das empresas públicas.
Para as ações ordinárias do Banco do Brasil, por exemplo, há, segundo a Refinitiv, atualmente duas recomendações de compra forte, 11 de compra e quatro neutras. O preço-alvo médio está em R$ 55,50, potencial de alta (ou upside) de 59,8% frente ao preço de fechamento de ontem.
No caso dos papéis ordinários da Petrobras, são quatro recomendações de compra, quatro neutras e apenas uma de venda, com preço-alvo médio em R$ 38, upside de 40,2%. Para as preferenciais, o upside previsto é de 49,7%, com três recomendações de compra, oito de manutenção dos papéis e também uma de venda.
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Descontos, mas com riscos
“Essas companhias estariam extremamente descontadas em qualquer métrica fundamentalista se não fossem estatais”, expõe Enrico Cozzolino, head de análise da Levante Investimentos. “Se compararmos a Petrobras, por exemplo, com a ExxonMobil, encontraremos desconto. E não é porque é uma empresa brasileira ou por ser pior tecnicamente, nem porque nosso petróleo é mais caro. O desconto vem da política”.
O especialista menciona, como exemplo, a política de preços aplicada na estatal petroleira, que segue a paridade de preço internacional do petróleo e que deve mudar na nova gestão, com o humor do mercado se alterando à medida que surgem declarações intervencionistas ou não para embasar o reajuste dos preços.
“O que acontece com as estatais, no momento atual, é aquilo que sempre trouxe esse desconto para essas empresas que hora é a maior, hora é a menor, ingerência política”, comenta Cozzolino. “Essas questões não são erradas ou ilegais, mas são ingerências. Quando falta clareza, temos um problema, e as estatais mudam suas políticas de ano em ano. Com as indefinições e as mudanças nas regras do jogo, há o recálculo do valor justo das ações”.
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Além da política de preços, ele expõe ainda os riscos ao plano estratégico apresentado pela Petrobras para os próximos anos, que havia sido bem recebido por investidores, com foco na extração de petróleo do pré-sal.
Nesta mesma frente, o governo petista já sinalizou que irá acabar com a venda das refinarias, e, possivelmente, voltar a investir em novas plantas – o que também consome capital, diminui a rentabilidade e o retorno aos acionistas.
“Apesar de nada confirmado, o mercado se antecipa e, por isso, há a desvalorização. Saber o futuro exato, ninguém sabe, mas há uma corrida na frente para evitar problemas”, diz o analista. “Eu não ficaria posicionado pensando em dividendos neste ano, por exemplo”.
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Banco do Brasil é “mais seguro” que Petrobras
Enrico debate ainda que no caso do Banco do Brasil há um risco de a companhia também passar por ingerências. Recentemente, por exemplo, políticos do novo governo falaram em acabar com o Saque FGTS, o que impactaria o faturamento de empresas do setor financeiro.
“Quanto ao Banco do Brasil, a gente fala que as ações, ao se avaliar o múltiplo, tornam ele o banco mais barato do mundo, e isso pelo mesmo motivo da Petrobras: a falta de clareza”, comenta o head da Levante.
Mas, para especialistas, a instituição financeira está um pouco mais protegida do que a petroleira – o que se traduz na diferença entre as quedas dos papéis e nas recomendações.
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“Para Petrobras e Banco do Brasil, temos visões diferentes. Para a primeira, a posição é mais neutra, mas para o Banco do Brasil, é ainda positiva”, diz Heitor de Nicola, especialista de renda variável da Acqua Vero. “Para a petroleira, a percepção é de que há mais riscos políticos, que vêm se confirmando desde a eleição”.
De acordo com Nicola, há menos apelo em fazer interferências políticas no Banco do Brasil do que na Petrobras. O resultado no caso de o banco utilizar seu caixa para subsidiar empréstimos, por exemplo, não é tão perceptível para a população geral como uma redução do preço dos combustíveis.
“Olhando exclusivamente para a Petrobras, o cenário é muito incerto. O investidor tem de acompanhar os próximos capítulos, separando o que é ruído e o que de fato muda a tese de investimentos”, diz o analista da Acqua Vero. “No caso do Banco do Brasil, vemos como menos sensível porque ele tem uma blindagem maior à interferência política”.
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Para a Acqua Vero, ainda é difícil definir se haverá mudanças e há, inclusive, impactos ao próprio governo no caso de elas saírem do papel.
“É impossível saber, por exemplo, se manterão a política de dividendos. O governo petista, atacando as políticas de distribuição, parece esquecer que o maior acionista da Petrobras e do Banco do Brasil é a União. Boa parte desse dinheiro ajudou, recentemente, as contas públicas brasileiras”, avalia o especialista. “Barrar os dividendos parece ser algo trivial, mas não é. É um processo que envolve as contas do governo e mudanças internas nas estatais”.
João Abdouni, analista da Inv, vai no mesmo sentido, mas reforça que, de qualquer forma, a perspectiva é de que os dividendos cairão.
“No Banco do Brasil, temos Tarciana Medeiros, uma profissional de carreira do banco de longa data. Na Petrobras, Jean Paul Prates também trabalhou bastante tempo no setor de petróleo. Mas, mesmo assim, os nomes têm mais viés ligado ao pensamento desenvolvimentista do que ao pensamento liberal”, comenta o analista.
“A perspectiva é que os dividendos das companhias cairão, com políticas mais voltadas à parte social das empresas. Na Petrobras, é possível que a companhia venda petróleo e combustíveis a preços mais baixos. No Banco do Brasil, o esperado é que haja uma expansão de crédito. São estratégias clássicas do PT. Com isso, a rentabilidade abaixa”.
Estatais estaduais têm privatização no foco
Se as incertezas, no que tange as estatais federais, tendem para o lado negativo, quando o assunto são as principais companhias públicas ligadas aos estados, a tendência é para o lado oposto.
Nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, governadores vêm sinalizando que podem ir pelo caminho da privatização.
“Os governos desses três estados deram algumas declarações positivas e estão mais alinhados a questões liberais, o que facilita o fortalecimento das empresas como empresas, não como instrumentos políticos”, diz João Daronco, analista da Suno Research.
A Copel (CPLE6), para Daronco, é uma companhia com “chance de ser privatizada neste ano”, bem como a Sabesp (SBSP3), a Cemig (CMIG3) e a Copasa (CSMG3) – essas menos.
O governo do Paraná, liderado por Ratinho Junior, anunciou em novembro intenção de se desfazer do controle da Copel através de uma oferta de ações em bolsa, com a empresa deixando de ter um controlador definido, um modelo semelhante ao da Eletrobras (ELET6). A proposta já foi aprovada pela assembleia legislativa do Paraná.
Em São Paulo, o governo, liderado por Tarcísio de Freitas, também já defendeu a privatização da Sabesp e está realizando estudos. O mesmo acontece em Minas Gerais, com Romeu Zema mencionando a venda da Cemig e da Copasa.
Nessas dois estados, porém, as ameaças às privatizações estão ficando maiores recentemente. A privatização da Sabesp pode esbarrar em mudanças na regulação do setor de saneamento, impostas pelo Governo Federal, ainda que o governo tenha voltado atrás em algumas diretrizes iniciais, e em Minas, Zema ainda tenta consolidar sua base de apoio político.
“Saneamento, por exemplo, é um setor que precisa de muito investimento, e os governos estaduais não têm capital para isso. E aí eles sinalizam que irão recorrer à iniciativa privada, com algum tipo de privatização, principalmente em São Paulo e Minas”, debate o analista da Suno. “Energia elétrica a necessidade de investimento é menor e nem há tantas para serem privatizadas, talvez a Copel seja o principal foco”.
De qualquer forma, nos estados, a perspectiva é de que as estatais não sofram tanto com interferências políticas, mantendo uma boa gestão.
Para as ações preferenciais série B da Copel, segundo a Refinitiv, há cinco recomendações de compra e quatro neutras, com preço-alvo médio em R$ 8,50, upside de 14,4% frente ao fechamento de ontem.
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Para as ordinárias da Sabesp, são duas recomendações de compra forte, 12 de compra e duas em manutenção, com preço-alvo médio em R$ 65,50 e potencial de alta de 19,7%.
As ordinárias da Copasa têm quatro recomendações de compra, seis neutras e duas de venda, com preço-alvo em R$ 17, com 10,9% de potencial de alta, e as da Cemig, por fim, têm uma recomendação de compra, três neutras e uma de venda, com a Refinitiv não dando preço-alvo médio.