Petrobras: os pontos da fala do novo CEO que impulsionaram as ações (e por que os analistas ainda preferem esperar para ver)

Discurso de posse de Joaquim Silva e Luna na última segunda fez a estatal ganhar quase R$ 16 bilhões de valor de mercado, mas analistas seguem céticos

Lara Rizério

Joaquim Silva e Luna  (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Joaquim Silva e Luna (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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SÃO PAULO – Alvo de desconfiança entre os investidores, Joaquim Silva e Luna acabou sendo um catalisador positivo para as ações da Petrobras (PETR3; PETR4) na última segunda-feira (19) por conta de suas primeiras falas como presidente da estatal, em seu discurso de posse. Porém, para analistas, ainda é preciso esperar para ver os próximos passos do novo CEO da petroleira.

As ações passaram a ganhar força no final da manhã da última segunda-feira (19), quando começou o discurso de Silva e Luna, de cerca de 10 minutos. Os papéis chegaram a saltar mais de 7% em meio às sinalizações do presidente da estatal de que seu principal objetivo será reunir o interesse de consumidores e acionistas, em um tom considerado conciliador.

Os ativos PETR3 fecharam com ganhos de 5,03%, a R$ 23,79, enquanto os papéis PETR4 fecharam com salto de 5,80%, a R$ 24,28, após chegarem a subir, respectivamente, 7,24% e 8,45%. Com isso, em apenas um pregão, a companhia teve uma alta de quase R$ 16 bilhões de valor de mercado (mais precisamente R$ 15,93 bilhões), que passou de R$ 297,14 bilhões para R$ 313 bilhões.

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Em relatório, o Bradesco BBI destacou três pontos principais do discurso do CEO:

1) Silva e Luna afirmou que, em sua nova função de CEO, ele ouvirá de diferentes partes interessadas (membros do conselho,
diretores, órgãos de controle e organizações regulatórias), a fim de alinhar as visões e percepções do que precisa ser feito. No longo prazo, Silva e Luna equilibrará uma mistura de “ousadia e cautela” para completar sua missão, apontou.

2) O novo CEO afirmou que o desafio será tornar a Petrobras cada vez mais forte, trabalhando com visão de futuro, com segurança, respeito ao meio ambiente, aos acionistas e à sociedade em geral, para garantir o maior retorno possível ao capital empregado. Para isso, o general conta com os ativos de classe mundial (termo adotado na gestão de seu antecessor, Roberto Castello Branco, para tratar de grandes campos do pré-sal), em águas profundas e ultraprofundas.

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3) Ao mesmo tempo, o novo CEO lembrou que a Petrobras precisará conciliar os interesses dos consumidores
e acionistas, valorizando os trabalhadores. “Vamos buscar reduzir a volatilidade (mudanças bruscas dos preços nas refinarias, em curtos prazos), sem desrespeitar a paridade internacional (alinhamento com os preços externos)”, afirmou. Ele apontou que, no processo, “nenhuma aventura será empreendida que desrespeite a legislação brasileira” e todas as providências serão tomadas com a máxima transparência.

Também no seu discurso, Silva e Luna afirmou que a redução da dívida e o investimento em pesquisa e desenvolvimento também estarão no foco da sua administração. “Contribuiremos com a geração de previsibilidade ao planejamento econômico nacional. Destaco que o plano estratégico da Petrobras para 2025 já sinaliza com as linhas mestres da superação desse desafio”, acrescentou.

O general citou também que as regras de boa governança da empresa são suficientes para garantir proteção aos acionistas. “Neste aspecto, entendo que uma boa comunicação antecipatória do que for possível deve ser central, transparente, assentada em informações consistentes e sempre baseadas em dados e fatos”, afirmou.

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Silva e Luna disse ainda que a força de trabalho da empresa é o seu maior patrimônio. “O somatório da vivência na Petrobras dos quatro diretores escolhidos ultrapassa um século.”

Luna também apontou para uma continuidade em relação ao que pregava a administração anterior, dizendo que a Petrobras deve “crescer sustentada em ativos de óleo e gás de classe mundial, em águas profundas e ultra profundas, buscando incessantemente custos baixos de eficiência”.

O antecessor de Silva e Luna, Roberto Castello Branco, demitido em meio à insatisfação de Jair Bolsonaro com a política de preços de combustíveis, vinha realizando um ambicioso plano de venda de ativos, para focar na produção de óleo e gás natural, no pré-sal, em áreas com alto rendimento.

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“Não há dúvidas de que os principais desafios, entre tantos outros, são fazer a Petrobras cada vez mais forte, trabalhando com visão de futuro”, disse Luna, na cerimônia que foi transmitida pela internet, seguindo protocolos para evitar o contágio do novo coronavírus.

Leia também: As ameaças de bomba-relógio na energia em 2021 seguem presentes, mesmo após discurso de Silva e Luna

Luna não fez comentários explícitos, no entanto, sobre o plano em curso para a venda de dezenas de ativos da empresa.

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Presente do evento, o ministro de Minas e Energia, o almirante da reserva Bento Albuquerque, afirmou em seu discurso que as vendas de ativos da Petrobras têm sido um “sucesso” e são importantes também para promover a competição no setor.

Na segunda-feira, também tomaram posse na empresa: Rodrigo Araujo Alves, diretor Financeiro e de Relacionamento; Cláudio Rogério Linassi Mastella, Comercialização e Logística; Fernando Assumpção Borges, diretor de Exploração e Produção; e João Henrique Rittershaussen, diretor de Desenvolvimento da Produção. Salvador Dahan irá substituir Marcelo Zenkner na diretoria de Governança e Conformidade.

Foram reconduzidos: Nicolás Simone, diretor de Transformação Digital e Inovação; Roberto Furian Ardenghy, diretor de Relacionamento Institucional e Sustentabilidade; Rodrigo Costa Lima e Silva, diretor de Refino e Gás Natural.

O Credit Suisse  apontou que o primeiro discurso do CEO foi positivo, destacando que a Petrobras se concentrará em retorno sobre o capital, investindo em ativos de classe mundial e seguindo com os planos de desalavancagem, além de seguir a paridade, mas buscando reduzir volatilidade nos preços.

Vicente Falanga e Gustavo Sadka, analistas do Bradesco BBI, ressaltam também que o discurso em geral foi amplamente “amigável” para acionistas e mercado.

Contudo, agora, a atuação de Silva e Luna precisará ser cuidadosamente observada. “Com base em seu discurso, acreditamos que a política de preços da Petrobras acompanhará a paridade, mas com mudanças menos frequentes ao longo do ano. Também esperamos ver a nova política sendo anunciada oficialmente ao mercado em breve e continuaremos a observar outros comentários feitos pelo novo CEO a respeito de questões como vendas de ativos, preços de produtos e dividendos”, afirmam os analistas do BBI.

Na mesma linha, Bruno Montanari, do Morgan Stanley, aponta que, embora acredite que a nova equipe de gestão da Petrobras tenha enviado uma mensagem positiva, a companhia é uma “história ainda a se provar”.

Isso porque o sentimento de dúvida sobre as políticas da companhia deve prevalecer por mais tempo, enquanto os investidores procuram evidências concretas de que os preços dos combustíveis permanecerão em paridade internacional níveis e que nenhum desvio material da estratégia anterior será implementado.

Para Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, o tom parcimonioso adotado por Silva e Luna durante o período de transição é benigno, sobretudo no início de seu trabalho. Contudo, a aplicação de transformações no dinamismo de preços e a manutenção da paridade tendem a apresentar antagonismo e requererão do novo CEO decisões que, corretamente, serão tomadas após o mesmo se ambientar na presidência da companhia.

Suavização dos preços

Tema central no pronunciamento do novo CEO, Arbetman avalia que o movimento de suavização nos preços poderia ser criado através de um fundo de estabilização. Com relação a isso, jornais da última semana apontaram que a estatal está levantando alternativas a serem apresentadas ao governo para viabilizar a criação do fundo para amortecer oscilações dos valores de combustíveis. Entre as diversas possibilidades em estudo está o uso de recursos do leilão das áreas da cessão onerosa do pré-sal, previsto para o fim deste ano.

A Petrobras chegou a um acordo com a União na última semana que estabelece as participações e o valor de compensação à estatal no caso de licitação dos volumes excedentes da Cessão Onerosa nos campos de Sépia e Atapu, na Bahia de Santos. Pelo campo de Atapu, a Petrobras receberá US$ 3,25 bilhões, e pelo campo de Sépia, a compensação líquida será de US$ 3,2 bilhões. Parte da arrecadação do leilão poderia ser destinada ao fundo, que, na prática, bancaria um subsídio para evitar as oscilações em um momento de elevação dos preços no mercado internacional e da cotação do dólar frente ao real.

“Apesar de ser mais benigno que uma medida mais drástica como o cancelamento da paridade, requererá habilidade e possivelmente, capital político até ser formulada de forma definitiva e aplicada. Uma vez que a mudança no comando da petrolífera fora motivada pela insatisfação do Executivo com a política atual de preços, acreditamos que uma definição sobre os rumos da nova abordagem quanto a política de preços será o primeiro e principal desafio da nova gestão”, avalia o analista da Ativa.

Na semana passada, ao comentar o noticiário sobre o fundo de estabilização, a XP destacou que, ainda que seja marginalmente positivo que estejam sendo estudadas formas de compensar à volatilidade dos preços de combustíveis fora do escopo da política de preços da Petrobras, a alternativa proposta não produziria soluções até o leilão dos barris excedentes dos campos de Atapu e Sépia ocorrer.

Gabriel Francisco e Maira Maldonado, analistas da XP, também reforçam que o governo não foi bem sucedido ao tentar licitar tais blocos em novembro de 2019, tanto devido (i) aos valores de bônus de outorga considerados elevados (R$ 13,7 bilhões para Atapu e R$ 22,9 bilhões para Sépia, totalizando R$ 36,6 bilhões), como (ii) devido à incerteza relacionada ao cálculo de compensação à Petrobras pelo diferimento da produção de seu contrato original das áreas da cessão onerosa, assinado em 2010 (ponto esse que foi recentemente endereçado).

Assim, a notícia em si não reduziria a percepção de risco para a manutenção de uma política de preços de combustíveis alinhada com à paridade de importação, tendo em vista que há incertezas a respeito do sucesso das licitações destas áreas.

Os analistas da XP seguem com recomendação equivalente à venda para os ativos, com preço-alvo de R$ 24 para ambas as classes de ações, mesma recomendação do BBI para os ativos. Já o Morgan Stanley tem recomendação equalweight (exposição em linha com a média do mercado), com preço-alvo de US$ 8,20 para o ADR PBR (equivalente ao ativo PETR3, mas negociado na Bolsa de Nova York). Ou seja, apesar das primeiras indicações positivas, os analistas ainda preferem esperar por mais sinais de Silva e Luna antes de ficarem mais otimistas com a ação.

(com informações da Estadão Conteúdo e da Reuters)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.