Petrobras: falta de interesse do mercado em refinaria deve preocupar os acionistas da estatal?

Credit, BBI e BBA seguem com recomendação de compra para ações, mas veem notícia de falta de interesse na Rnest como negativa, Morgan tem mais cautela

Lara Rizério

Edifício da Petrobras (Shutterstock)
Edifício da Petrobras (Shutterstock)

Publicidade

SÃO PAULO – Os anúncios da Petrobras (PETR3;PETR4) sobre desinvestimentos feitos em refinarias na noite da última quarta-feira (25) levaram a avaliações distintas no mercado sobre o progresso da companhia na venda desses ativos que, apesar de pertencerem ao downstream (de refino de petróleo) são bem diferentes.

De acordo com análise do Morgan Stanley, com os anúncios, a companhia mostrou que deu um passo para frente, mas dois para trás no seu processo de desinvestimentos.

No primeiro comunicado, uma boa notícia para a empresa: ela assinou contrato de venda da Refinaria Isaac Sabbá (REMAN) para a Atem Distribuidora de Petróleo. Já no segundo comunicado, informou que os interessados na venda da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, não apresentaram proposta vinculante para a compra da refinaria. Ambas as refinarias constam no plano de desinvestimento da Petrobras.

A REMAN, presente no estado do Amazonas, possui capacidade de processamento de 46 mil barris por dia e foi vendida por US$ 189,5 milhões, sendo US$ 28,4 milhões pagos no  dia da assinatura do contrato de venda, e US$ 161,1 milhões a serem pagos no fechamento da operação, que ainda conta com um terminal de armazenamento.

Conforme destaca a Levante Ideias de Investimentos, por um lado, a venda da REMAN é positiva para a empresa, que segue se desfazendo de ativos considerados não estratégicos para focar na exploração e produção de petróleo em águas profundas, principalmente no pré-sal. Por outro lado, o encerramento do processo de venda da RNEST é negativo, visto que esta é uma das maiores e mais modernas refinarias do país, com capacidade de processamento de 230 mil barris de petróleo por dia.

O Credit Suisse ressalta que as refinarias que estão em processo de venda apresentam bastante diferenças em termos de rendimento, capacidade, infraestrutura e atendem diferentes mercados, sendo que os anúncios de ontem ressaltaram bem essa diferença.

Continua depois da publicidade

A Abreu e Lima (ou RNEST), lembra a Levante, iniciou como um projeto de ampliação da capacidade de refino no Brasil em
parceria com a PDVSA (a estatal Venezuelana, atualmente quebrada), com 60% de participação da Petrobras e 40% da PDVSA para a construção. O projeto foi aprovado em setembro de 2005, com orçamento total de US$ 2,3 bilhões.

Os analistas da casa de research apontam que, ao longo da execução, houve algumas revisões de projeto e de orçamento, com aumento cada vez maior de complexidade e imprevisibilidades, além de indícios de superfaturamento, elevando o
orçamento final para US$ 20,1 bilhões.

Posteriormente, a RNEST foi dividida em dois projetos (Trem 1 e Trem 2), com a conclusão do Trem 1 apenas em dezembro de 2014, ou seja, 50% da capacidade nominal (cerca de 115 mil barris por dia de processamento) e desta capacidade, apenas 64 por cento estava operacional na estreia da refinaria (73 mil barris por dia de processamento). Apenas em janeiro de 2016, com a aprovação da licença ambiental, a refinaria passou a operar com 100 mil barris por dia de processamento efetivamente.

Continua depois da publicidade

“Apesar de a RNEST ter a estrutura mais moderna que as demais no Brasil, as obras não concluídas, problemas com a PDVSA, além de falta de recursos para investimentos, a transformaram em um dos maiores ‘micos’ da infraestrutura brasileira e, no contexto atual, um dos mais desafiadores para vender a algum interessado”, apontam os analistas.

Segundo a Levante, é possível que a Petrobras tenha superestimado a avaliação da RNEST e os interesses de possíveis
investidores, dado que a necessidade de investimentos na refinaria é grande, além da provável necessidade de revisão de projeto da construção do Trem 2 somado ao histórico de superfaturamento. O ativo teria um grande potencial de ser uma das mais produtivas, sobretudo no refino de diesel, mas a venda esbarra nessas questões.

O que esperar

Olhando para frente, os analistas da Levante avaliam que, apesar do prazo definido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Petrobras pode não ter tanta pressa em seguir com um desinvestimento neste ativo, dado que grande parte de uma das metas mais críticas já foi atingida: o nível de endividamento.

Continua depois da publicidade

O compromisso firmado pela empresa com o Cade para a abertura do setor de refino no país prevê a venda de oito refinarias, deixando a empresa com apenas cinco.

A REMAN foi apenas a segunda refinaria vendida até o momento, enquanto as outras ainda se encontram em processo de venda. “Contudo, após o encerramento do processo de venda a RNEST, teme-se que outras refinarias detidas para a empresa não sejam vendidas”, avalia.

Regis Cardoso e Marcelo Gumiero, analistas do Credit, esperam que a Petrobras não desista de vender a RNEST mesmo se o prazo de outubro terminar, uma vez que ela é uma das principais refinarias do ciclo de desinvestimentos, com potencial para dobrar a capacidade atual de 130 mil barris por dia.

Continua depois da publicidade

Eles também se mantiveram otimistas sobre a venda de outras refinarias relevantes, como REFAP e REGAP, antes do prazo de outubro.

Segundo os analistas do Credit, a não-venda da RNEST pode levantar uma maior preocupação com relação a continuidade do processo. Mas, de toda forma, acreditam que o processo de venda de refinarias representa oportunidades para os compradores e que o mercado brasileiro traz características interessantes como margens operacionais elevadas, crescimento potencial e tamanho razoável, com as possíveis vendas devendo mitigar de forma relevante os riscos de precificação da Petrobras e de necessidade de capital no futuro.

O Credit Suisse possui recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado) para o American Depositary Receipt (ADR) de Petrobras negociado na Bolsa de Nova York, tendo preço-alvo em US$ 14, representando um potencial de alta de 28,5% sobre o fechamento da véspera.

Continua depois da publicidade

O Bradesco BBI, por sua vez, avalia que os anúncios de ontem apontam para questões estruturais na venda de refinarias, dado que o cenário eleitoral de 2022 representa um risco significativo para o preço dos combustíveis.

“A venda da REMAN foi concretizada, mas a um valor bem abaixo de nossa avaliação de US $ 300 milhões. Além disso, não vemos a venda do REMAN como um sinal de que o processo de venda das refinarias está ocorrendo sem problemas, uma vez que este é um ativo de mais nicho dada a sua menor escala e posição geográfica”, avaliam.

Contudo, a equipe de análise econômica mantém recomendação outperform para a ação Petrobras por conta do alto pagamento de dividendos esperado para os próximos nove meses.

O Itaú BBA também manteve a visão positiva para a ação da companhia, com recomendação de compra e preço-alvo de R$ 38 para o ativo PETR4, representando uma alta de 37% frente o último fechamento.

Os analistas apontaram que, apesar de negativa, a falta de interesse na Rnest não teria maiores impactos na ação da Petrobras, que ainda está muito descontada na comparação com pares do mercado. De qualquer forma, a venda de todos os ativos de refino é importante, uma vez que reduziria a exposição da estatal  ao mercado de combustíveis, principal fator que segura as ações da estatal

Já os analistas do Morgan Stanley possuem recomendação equalweight (exposição em linha com a média do mercado) para os ADRs da companhia, com preço-alvo de US$ 12,60, ou upside de 15,70% em relação ao fechamento da véspera.

Eles ressaltam que, até o momento, a Petrobras tem enfrentado desafios no processo de desinvestimento, não só na RNEST, mas também com a REPAR (Refinaria Presidente Getúlio Vargas, no Paraná, que teve o processo de concorrência reiniciado), o que pode aumentar a percepção de risco para a indústria de downstream (refino) no país.

Venda da Refap vai acontecer? 

Neste contexto, o Bradesco BBI também destaca que a Ultrapar (UGPA3) e Petrobras têm prazo até o final de outubro  para negociar os termos finais para que a Ultrapar compre a REFAP (Refinaria Alberto Pasqualini).

Até o momento, o negócio não é um feito, já que a Ultrapar poderia desistir da aquisição sem pagar qualquer multa.

“Embora tenhamos argumentado no passado que possuir um refino no Brasil poderia agregar valor à Ultrapar e ainda
acreditemos na nossa tese, o cenário político do Brasil está mudando e as eleições presidenciais de 2022 aumentam as incertezas. Enquanto isso, a Ultrapar segue comprometida com o processo de aquisição, e  reportagens recentes da mídia especularam que a Ultrapar compraria REFAP por US$ 1,2 bilhão (contra nossa avaliação justa de US$ 1,6 bilhão,
que não presume que a Ultrapar implemente potenciais melhorias futuras)”, apontam os analistas.

Segundo eles, a depender o resultado da eleição, criar valor a partir do REFAP pode ser materialmente mais difícil, especialmente se a venda de outra refinaria, a REPAR, não se concretizar.

“A menos que este governo surja com uma solução sustentável para os preços dos combustíveis no Brasil (como a criação de um fundo de estabilização a partir do qual os refinadores são devidamente pagos mesmo em períodos de incerteza), acreditamos que a aquisição da REFAP poderá trazer volatilidade considerável às ações da Ultrapar em 2022. Já uma possível venda bem-sucedida da REPAR pela Petrobras poderia ajudar a mitigar riscos potenciais para REFAP no futuro”, apontam. Os analistas reiteram a recomendação neutra para as ações da Ultrapar, com preço-alvo de R$ 21.

As melhores recomendações de investimentos por 30 dias grátis: conheça o Expert Pass

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.