Petrobras dá adeus aos R$ 30? Falas de Bolsonaro sobre política de preços reforçam cautela com as ações

Aumento do risco de ingerência política e estabilização do preço do petróleo afastam chances de recuperação da ação no curto prazo, dizem analistas

Priscila Yazbek

(Getty Images)
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SÃO PAULO – As falas do presidente Jair Bolsonaro sobre a Petrobras (PETR3PETR4) nesta semana elevaram as apostas do mercado de que a política de preços da estatal será alterada. Os recentes discursos, que têm sido interpretados como um aumento da interferência política na empresa, associados a um cenário de petróleo caminhando para a estabilidade afastam a perspectiva de que a empresa retome o patamar dos R$ 30 ainda neste ano, segundo analistas.

Nesta quarta-feira (7), em evento em Foz do Iguaçu (PR), Bolsonaro voltou a fazer críticas aos preços praticados pela Petrobras. “Não vou interferir, a imprensa vai dizer o contrário. Mas podemos mudar essa política de preço lá”, disse o presidente.

Bolsonaro afirmou também que o aumento do preço do gás natural anunciado pela estatal nesta semana, de 39%, é “inadmissível”. E disse ainda que é preciso previsibilidade para a política de preços da empresa e a população não pode viver com a “sanha arrecadatória” do governo federal e dos governos estaduais.

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“Bolsonaro sabe que gasolina cara e diesel caro tiram voto, acho difícil ele não ceder à tentação para evitar que preços aumentem nos próximos meses. Por isso, ele deve, sim, fazer mudança na política de preços da Petrobras. Afinal, ele trocou [Roberto] Castello Branco por quê? Porque estava chateado com a política de preços de combustíveis”, afirma Adriano Pires, fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e especialista em petróleo.

Pires afirma que as recentes declarações aumentaram o receio do mercado sobre a entrada de Joaquim Silva e Luna, general da reserva indicado pelo governo para assumir a presidência da empresa no lugar de Roberto Castelo Branco, demitido em fevereiro.

As ações preferenciais da Petrobras, que começaram o ano no patamar dos R$ 31, caíram para as mínimas de R$ 21 em fevereiro, após a demissão de Castello Branco. Bolsonaro vinha sendo pressionado por caminhoneiros quanto ao preço do diesel, e havia se mostrado insatisfeito com a alta.

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A mudança ou não na política de preços está no centro das preocupações dos investidores porque se a Petrobras deixar de definir os preços dos combustíveis de acordo com referências internacionais, a empresa corre o risco de retornar ao modelo que a prejudicou no passado, segundo analistas, quando os governos usavam a estatal para segurar o avanço da inflação, resultando em prejuízos bilionários ao balanço da petroleira.

“É muito difícil acreditar que tudo o que aconteceu – inclusive a mudança de gestão e as falas de Bolsonaro – foi feito para nada mudar. A fala de ontem [quarta] só reacende o que nós já sabíamos, que a chance de mudança na política de preços é grande. Com as incertezas atuais, não vemos a Petrobras em R$ 30 no horizonte”, afirma Gabriel Francisco, analista de petróleo da XP, que tem recomendação de venda para as ações, com preço-alvo de R$ 24 para PETR4 e PETR3.

Após as declarações de Bolsonaro, a Petrobras informou, nesta quinta-feira (8), que “indagou o seu acionista controlador [o governo], por meio do Ministério de Minas e Energia (MME), sobre a existência de informações relevantes que deveriam ser divulgadas ao mercado, e até o momento, não recebeu resposta”.

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Para André Machado, sócio-fundador do Projeto Os 10%, o fato de a Petrobras ter questionado o ministério é um atestado de que o governo deve mudar a política de preços da empresa. “Os executivos da empresa, ao questionar o governo, liquidam a fatura. Eles arbitram essa confusão de ‘vai mexer ou não vai’ ao deixar claro que a própria empresa entende que Bolsonaro falou em mudança e que, portanto, o mercado deve ser formalmente avisado”, diz.

Em relatório, a Guide Investimentos diz que as recentes declarações do presidente representam uma manutenção do risco político sobre a Petrobras e outras estatais. “Não descartamos alguma mudança na política de preços com a entrada no novo presidente da companhia. Vamos acompanhar, mas por enquanto permanecemos com visão neutra para o ativo, até que se tenha maior clareza do posicionamento da nova gestão”, dizem os analistas.

De acordo com compilado da Refinitiv (serviço em tempo real da Reuters) que reúne as recomendações das principais casas de análise, bancos e corretoras do mercado, as ações preferenciais da petroleira (PETR4) têm hoje seis indicações de compra, três neutras e duas de venda. Em janeiro, eram oito recomendações de compra e apenas uma neutra.

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Ainda que a Petrobras ainda tenha mais recomendações de compra do que de venda e neutra, vale notar que no início do ano a recomendação de compra era praticamente unânime.

Cenário pouco favorável

Além da elevação no risco de interferência política, os analistas avaliam que as ações da Petrobras não devem se recuperar tão cedo também por outros três fatores: os preços do petróleo, o cenário doméstico e o cenário externo.

Depois de atingir máximas no patamar dos US$ 70 neste ano, o petróleo do tipo Brent, referência para a Petrobras, está apresentando uma tendência de estabilização em torno dos US$ 60. Com base em parâmetros da análise técnica, Machado acredita em uma tendência de baixa para a commodity.

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“Depois de atingir esse ‘super alvo’ dos US$ 70, o petróleo armou um pivô de baixa e pode corrigir para US$ 57, US$ 54 ou US$ 48”, diz. “Se mesmo no topo de US$ 70 a Petrobras já vinha corrigindo por causa de Bolsonaro, agora que o fantasma da ingerência política está mais forte e o petróleo pode cair é que ela não sobe. Pode esquecer Petrobras aos R$30”, completa.

Adriano Pires já prevê uma cotação em torno de US$ 60 a US$ 65 em média para o Brent em 2021, um preço que reflete um ‘mix’ entre a forte retomada da economia americana, que puxa os preços para cima, e os lockdowns na Europa e a retirada gradual dos cortes de produção da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que puxam o preço para baixo. Ainda que seja um patamar superior à média dos US$ 43 de 2020, é um nível que representa queda sobre o início do ano. Ou seja, não há no petróleo um gatilho capaz de impulsionar as ações da Petrobras.

Vale ressaltar que, no caso da Petrobras, existe uma ambiguidade em relação aos preços do petróleo. “Todo presidente de empresa de petróleo torce para o preço subir para ter mais lucro, mas aqui o presidente da Petrobras torce para o petróleo não subir muito para não perder o emprego”, afirma o diretor do CBIE.

Ele acrescenta que o câmbio também tem contribuído para manter os preços de combustíveis elevados. “Se o petróleo sobe a US$ 70, mas o câmbio vai a R$ 4,50, os combustíveis não sobem tanto. O problema é que com os riscos políticos, o câmbio também tem se mantido valorizado”, diz.

Lá fora, com a recuperação vigorosa da economia americana, o temor sobre aumento da inflação tem pressionado os Treasuries, os títulos do tesouro americano com prazo de dez anos. Com a elevação das taxas desses títulos, considerados os mais líquidos e seguros do mundo, há uma migração de capital da Bolsa para a renda fixa e também de mercados emergentes para o americano. “Essa pressão de saída da Bolsa americana e de emergentes prejudica a Petrobras”, diz Machado.

Internamente, o avanço da pandemia, os atrasos na vacinação e o risco fiscal elevado – com o aumento dos gastos públicos, impasses no Orçamento e reformas travadas – contribuem para afastar o investidor estrangeiro, que tem forte influência sobre o comportamento da Petrobras.

Por essas razões, o analista da XP não recomenda investir na Petrobras nem mesmo para quem pensa na estratégia de comprar na baixa. “Comprar na baixa pode ser muito ilusório porque é o investidor estrangeiro que movimenta a Petrobras, pelo tamanho dos investimentos e pela liquidez. E esse investidor estrangeiro não vai entrar na Petrobras enquanto não mudar a narrativa. Enquanto não houver uma indicação concreta de que tudo isso foi um susto nada vai mudar”, afirma Francisco.

Gás natural

Os analistas do Bradesco BBI divulgaram um relatório comentando as falas de Bolsonaro e especificamente a questão do gás natural. Eles afirmam que os preços do gás caíram dramaticamente recentemente, mas com a recuperação do preço do petróleo e a forte desvalorização do real, os preços se recuperaram aos níveis pré-pandemia.

“A política da Petrobras tem sido repassar o preço da molécula [de gás] para as empresas de distribuição trimestralmente com base em uma média móvel”, afirma o BBI, que além de explicar as razões por trás da alta do gás afirmo que os comentários do presidente “adicionam mais incerteza à tese de investimento” da Petrobras. O banco tem recomendação equivalente à venda para as ações, com preço-alvo de R$ 24 para PETR4.

Pires esclarece que o modelo de definição do preço do gás natural é adotado desde 2008 pela Petrobras, com reajustes trimestrais em função de IGP-M, do dólar e do petróleo. “O câmbio e o Brent influenciam na molécula e o IGP-M afeta a tarifa de transporte do gás. O IGP-M subiu muito nos últimos meses, o petróleo e o dólar também. Então se Bolsonaro ficou surpreso com o reajuste, ele está mal assessorado, não tem novidade nenhuma nos 39% de alta.”

No mesmo discurso em que disse que o reajuste foi “inadmissível”, Bolsonaro afirmou que precisou retirar do Congresso o projeto de lei que alterava a forma de cobrança do ICMS sobre os combustíveis pelos estados, mas que reenviará novamente a proposta em 15 dias.

Para o fundador do CBIE, a estratégia do presidente Jair Bolsonaro é “botar a culpa nos governadores” para que o governo federal não sofra o ônus do aumento dos preços dos combustíveis. “Antes o presidente falava em nova política para gasolina, diesel, botijão, agora para o gás natural também?”, questiona

O especialista diz ainda que o caminho do represamento de preços já foi testado antes e é perigoso. “A Dilma [Rousseff, ex-presidente] segurou o preço da gasolina e do botijão e com isso ganhou a eleição. O risco é Bolsonaro seguir o mesmo caminho para ganhar em 2022. Nesse caso, assim como a Dilma, ele jogaria o problema para o próximo governo. O problema é que são várias bombas-relógio que um dia explodem, vide o que aconteceu com a ex-presidente e o impeachment.”

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Priscila Yazbek

Editora de Finanças do InfoMoney.