Vantagem cambial? Descubra por que exportadoras nem sempre lucram com alta do dólar

Apesar de possíveis ganhos do lado do faturamento, alta do dólar gera custos operacionais maiores, gastos financeiros superiores e hedge (proteção) cambial pressiona margens

Vitor Azevedo

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A recente alta do dólar frente ao real levou a um burburinho de que algumas companhias exportadoras podem se beneficiar por conta da movimentação do câmbio. A lógica por trás desse pensamento, que aparece quando a moeda local perde força, é simples: as empresas que vendem seus produtos majoritariamente para fora do país ganham mais na troca cambial enquanto mantêm seus custos em reais, o que impulsiona margens. Mas para especialistas, o saldo de uma variação como a recente é mais negativo do que o positivo.

Em um primeiro momento, o que quem acompanha as companhias debate é que a recente alta foi mais especulativa — tanto que o dólar, que tocou R$ 5,70, hoje já opera abaixo dos R$ 5,50. O que se viu nas últimas semanas foi, principalmente, bancos, fundos e companhias montando posições para se “protegerem” no caso uma virada da economia brasileira (temor criado, em grande parte, por falas de políticos). 

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Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), explica que o movimento é “comum”, devido ao fato de o mercado financeiro no Brasil ser relativamente desenvolvido. No entanto, ele não deixa de ser negativo. “Essas convulsões cambiais não são úteis para o mundo produtivo. O mundo produtivo busca a previsibilidade, a confiança e a redução da incerteza”, contextualiza.

Exportadoras costumam já ter vendas contratadas

O fato de a oscilação ter sido muito rápida também não beneficia as companhias. O dólar saiu de um patamar de R$ 5 no começo de abril para, três meses depois, estar mais próximo de R$ 5,50. 

“É pouco tempo para as produtoras. A gente está falando de quatro a cinco meses para as coisas começarem a rodar. Os contratos já estão firmados. Há vínculos de fornecimento de produtos”, explica o especialista do IEDI.

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Muitas empresas já estão com suas produções contratadas e não devem se beneficiar, necessariamente, dessa alta da moeda. Para ele, o provável é que toda insegurança gere mais uma “pausa” nas negociações, com as companhias aguardando a consolidação do cenário para, a partir daí, fecharem negócios. 

Trading

“Um trader de commodities, por exemplo, pode até estar usando o momento para fazer dinheiro, se aproveitando da oportunidade. Mas do ponto de vista do produtor, isso é mais perturbação do que ajuda, pois gera grau de incerteza, dificulta os cálculos”, explica o especialista do IEDI. 

José Augusto de Castro, presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), vai no mesmo caminho. 

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“O exportador não estava programado para isso. Não tem nenhum fato econômico que justifique a elevação da taxa carregada. Então ele se prepara de duas formas: ou ele simplesmente aumenta o seu preço antecipadamente, prevendo alguma surpresa que possa ocorrer, como ocorreu agora, ou simplesmente ele esquece e continua praticando o mesmo preço”, fala de Castro. 

Importação, custos e hedge

No caso das companhias de commodities, elas podem ter algum ganho do lado do faturamento, que será sentido daqui alguns meses. Mas essas empresas, em um cenário de câmbio mais alto, usualmente, também sofrem com custos operacionais maiores (devido a participação de produtos importados em suas cadeias), com o maior gasto financeiro (por conta do endividamento em dólar, bastante comum) e com ferramentas financeiras (fazendo hedge para evitar surpresas com as oscilações, por exemplo).

“Você tem a penetração de importados, como químicos, máquinas e equipamentos eletrônicos em basicamente todas as cadeias”, diz Rafael Cagnin. “Hedge, por sua vez, são caros, e ficam mais caros nesses momentos. Por fim, a pressão financeira, com a deterioração patrimonial, tende a ser mais rápida do que os ganhos com o câmbio no faturamento”.

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Já empresas que trabalham com produtos manufaturados, além de custos maiores e ferramentas financeiras, ainda enfrentam uma pressão do lado dos preços cobrados.

“Essas oscilações, não raro, geram pressões por parte dos compradores. Eles sabem que quando o câmbio sobe, os produtores estão recebendo mais dinheiro. De olho nisso, eles podem pedir um desconto no preço. Mas e se o produtor der o desconto e a cotação cair? O importador não vai concordar com o aumento depois…” debate o executivo da AEB. 

Se o preço do câmbio se estabelecesse, companhias que trabalham com produtos manufaturados poderiam até colocar preços mais competitivos no exterior (ganhando mercado, mas com margens mais enxutos). Mas não é, por enquanto, o caso.

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“Não dá para tirar uma regra de bolso, mas a desvalorização cambial nem sempre é boa. Câmbio para a indústria hoje é uma variável que pode gerar ganhos, mas também pode gerar custo”, fala Rafael Cagnin. “Tudo isso, hoje, significa mais insegurança jurídica”, comenta de Castro.