Os bastidores da criação do Itaú Unibanco, contada pelo dono da casa onde tudo foi fechado

Membro do conselho de administração do Itaú Unibanco, Israel Vainboim conta como foram preparados os principais negócios fechados nos últimos 40 anos pela instituição

João Sandrini

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Nos últimos 40 anos, Israel Vainboim acompanhou a evolução do sistema financeiro brasileiro de uma posição privilegiada. O engenheiro e administrador presidiu o Unibanco de 1998 a 2002 e a Unibanco Holdings de 2002 a 2008. Após a fusão que criou o maior banco privado brasileiro, se tornou membro do conselho de administração do Itaú Unibanco (ITUB4).

O executivo manteve uma relação tão próxima com a família controladora do Unibanco que a fusão com o Itaú foi negociada e assinada por Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal na sala de sua casa, no Morumbi.

Vainboim lançou recentemente o livro “Lições de Arquitetura Financeira” (editora Gente), em que revela como foram preparados os principais negócios fechados pelo Unibanco nas últimas quatro décadas. O InfoMoney conversou com Vainboim em sua casa e relata a seguir os principais trechos da entrevista:

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O início do namoro

Israel Vainboim: A ideia de fazer uma fusão entre Itaú e Unibanco foi discutida pela primeira vez quando eles vieram nos procurar para comprar o Banespa [privatizado em 2000]. Eu não via muito sentido em um negócio conjunto. O Unibanco precisava crescer para diminuir o custo por cliente. Mas fazia mais sentido integrar o Banespa ao Itaú, que era maior.

Aí pensamos: por que não juntar Itaú e Unibanco ao invés de entrar na aventura do Banespa? Nem precisava fazer conta para saber que isso geraria um valor espetacular. Só precisávamos encontrar uma fórmula para definir como compartilhar o controle.

Eu dizia que o Pedro e o Roberto tinham que namorar. Eles começaram a se reunir aqui em casa a sós. O Pedro me ligava perguntando se podia usar o hotel e eles vinham. Não deu certo porque o Pedro não estava tranquilo com a ideia de o Roberto ser presidente. A gente chegou a cogitar dois copresidentes, como no Citigroup à época.

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A decisão mais importante

IV: Foram necessários quase dez anos para que o Pedro concluísse que esse negócio só sairia se houvesse só um executivo principal e que deveria ser o Roberto. Ele achava que sabia ser presidente de banco, mas considerava o Roberto melhor que ele.

A ideia inicial era que o Pedro se tornasse vice-presidente do conselho porque o Olavo Setubal [pai do Roberto] ainda era vivo. A gente achava uma sacanagem tirar o Olavo da presidência do conselho naquela idade. Mas quando o Olavo soube que o Pedro estava disposto a abrir mão da presidência-executiva, ele mesmo disse que renunciaria.

Nada disso aconteceu porque o negócio demorou em ser fechado, e o Olavo morreu meses antes da fusão. Já o Roberto estava muito atraído pela ideia de tornar o Itaú o maior banco privado brasileiro. A liderança do Bradesco sempre foi um engasgo para ele.

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Os catalisadores da fusão

IV: A decisão do Pedro de abrir mão do controle acontece muito em razão da compra do Real pelo [holandês] ABN. Ali ficou uma impressão que os grandes bancos estrangeiros viriam comprar os brasileiros e que seria preciso estar forte para enfrentar a concorrência.

Na reta final, a crise de 2008 também teve um papel importante. As instituições do mundo inteiro estavam fragilizadas. Os bancos brasileiros não eram tão frágeis, não tinham títulos de hipotecas nem a alavancagem dos americanos e europeus. Mas quando um banco francês perde a confiança no rival que está do outro lado da rua, por que ele vai emprestar dinheiro ao Itaú ou ao Unibanco?

O sistema financeiro mundial travou. Houve uma desvalorização do real muito grande. Os bancos fazem hedge cambial de seu capital no exterior. A desvalorização acelerada do real obrigava os bancos a aumentar o depósito de margem na BM&F devido a seus hedges. De uma hora para outra, o sistema financeiro brasileiro teve que entregar muito dinheiro à BM&F. Quando o mercado percebeu, começou a ficar preocupado com um problema de liquidez. A visão de que uma fusão construiria uma instituição muito poderosa num momento de dificuldades pareceu muito atraente.

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O ataque especulativo

IV: Havia no mercado muita fofoca de que os exportadores tinham derivativos tóxicos no balanço. Aquilo foi feito preponderantemente pelos bancos estrangeiros. Os bancos brasileiros fizeram um pouco disso também, mas, a essa altura, se dizia que o Itaú e o Unibanco tinham muito. Para piorar, o BC divulgou uma resolução que permitia que os bancos públicos entrassem no capital dos privados. Isso permitiu que o BB comprasse parte do banco Votorantim e que a Caixa entrasse no Panamericano.

Mas aquela resolução criou um nível de especulação enorme. O mercado se perguntava qual banco brasileiro poderia precisar de capital ou eventualmente de socorro de um estatal. Todo mundo sabia que o Itaú e o Unibanco tinham mais capital no exterior e mais hedge na BM&F. Arriscaria dizer que um terço do capital do Unibanco estava lá fora. O Bradesco tinha menos. Os bancos estrangeiros tinham mais derivativos, mas, como seus balanços estavam em outras moedas, não precisavam fazer hedge. Então houve muito tumulto.

Em ocasiões anteriores, quando havia uma crise, os correntistas tiravam dinheiro de bancos médios e traziam para os grandes. Mas, com esses boatos circulando, o dinheiro não vinha. O caixa em dólares havia secado e o caixa em reais estava indo para a BM&F. Os bancos começaram a enxergar uma falta de capacidade de operar, e, quando um banco não consegue emprestar dinheiro, isso vai para a boca do povo no dia seguinte.

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O BC estava extremamente preocupado. Cheguei a ir conversar em um domingo com o [Henrique] Meirelles [então presidente do BC] para mostrar que nossa posição de liquidez era razoável, mas declinante. A gente nunca entrou no redesconto, mas queria saber como isso poderia ser feito caso fosse necessário.

Nesse mesmo dia, houve uma reunião com uns 20 bancos na sede do BC em São Paulo, que foi fundamental para a solução dos casos Sadia e Aracruz. Se os bancos decidissem liquidar os derivativos e cobrar as garantias dos contratos, quebravam as empresas. O BC insistiu para que o Deutsche Bank e o JPMorgan não executassem as garantias, renegociassem os contratos e dessem 10 anos de prazo. O BNDES foi fundamental ao garantir que viabilizaria a fusão entre Sadia e Perdigão.

O aval do governo

IV: A fusão foi acertada num sábado [01/11/2008] e decidimos comunicar o governo. Por acaso, o Roberto tinha marcado uma reunião com o Meirelles no domingo em Brasília. Ficou combinado que o Pedro iria com o Roberto nessa reunião, mas, para não chamar a atenção, eles viajariam em aviões diferentes. Quando os dois chegaram juntos à casa do Meirelles, ele logo entendeu do que se tratava e teve uma reação muito boa.

O Fernando Moreira Salles e o Alfredo Setubal foram falar com o [Guido] Mantega [ministro da Fazenda] em São Paulo. Não houve nenhum tipo de resistência. A única observação que o ministro fez foi que ficaríamos maiores que o Banco do Brasil.

Já o Lula tinha uma viagem marcada ao exterior, mas uma pessoa do nosso grupo conseguiu marcar uma reunião com ele no aeroporto de São Paulo. O contrato só foi assinado domingo à tarde, depois que os três haviam sido comunicados. A crise facilitou porque deu uma grande tranquilidade ao governo.

O novo banco 

IV: Os resultados do Itaú Unibanco estão aparecendo. O poder econômico do banco é impressionante. Em todos os mercados em que operamos, temos 15% a 20% de participação. Isso é irreproduzível.

Houve muitas mudanças na administração. Prevaleceram os melhores, independente se eram do Itaú ou do Unibanco. A integração demorou um ou dois anos a mais que o imaginado porque foi feita com muito cuidado. O Roberto também precisou de tempo para se convencer do que precisava ser feito. Uma companhia, quando fica com uma estrutura muito inchada, acaba sendo mal gerida. Era muita gente para dar opinião sobre a mesma coisa. O sujeito da agência, que tem o contato com o cliente, acaba gastando um tempo enorme para prestar contas à administração.

Entre Itaú e Unibanco, tínhamos uma dúzia de sistemas de processamento de transações com cartão. Aí optamos por migrar para um único software internacional. Então já não precisávamos de tanto diretor de cobrança, tanta equipe de sistemas. Esse mesmo processo dos cartões ocorreu em todas as áreas.

Porto Seguro

IV: A operação com a Porto Seguro foi muito parecida com a fusão entre Itaú e Unibanco. Todo mundo queria comprar. Visitei várias vezes o Jayme Garfinkel [controlador da seguradora]. Quando percebi que o Bradesco estava fechando o negócio [em 2009], liguei para o Pedro e o Roberto e perguntei se eles estavam no páreo. Os dois me autorizaram a mandar um recado ao Jayme, por um amigo em comum, de que gostaríamos de conversar se ele não estivesse fechado com o Bradesco. O Jayme respondeu que podia conversar.

Lógico que não dava para almoçarmos num restaurante. Então fizemos um encontro aqui em casa. Ele disse que estava frustrado porque o Bradesco queria ser controlador. A conversa inicial era sobre controle compartilhado, mas a minuta do contrato enviada pelo Bradesco previa que eles teriam uma ação a mais. Como conhecia o Jayme há muitos anos, sabia que o controle era muito importante para ele.

O Jayme herdou a companhia quando o pai morreu. Ele poderia ter vendido, mas decidiu tocá-la. E ele quer que o filho dele tenha essa mesma opção de tocar a companhia se quiser. Já a gente topava ser minoritário. Ele só não aceitou uma reunião com o Roberto porque disse que não queria fazer um leilão entre Bradesco e Itaú. Mas quando as negociações com o Bradesco fracassaram, o Roberto me ligou e perguntou se poderia usar o motel. Eu disse: “não esculhamba, aqui é hotel, mas não é motel” [risos].

O acordo que garantiu ao Itaú Unibanco uma participação de 30% na Porto Seguro saiu rapidamente. Nenhum banco ganhava dinheiro com seguro de automóveis. A Porto Seguro criou uma simpatia com o consumidor e aprendeu a fazer isso. O Jayme ganhava dinheiro, mas agora ganha muito mais. Antes ele tinha os corretores autônomos vendendo os produtos dele, mas agora isso também é feito em 4 mil agências. Se um dia o Jayme quiser vender sua parte na Porto Seguro, somos os compradores naturais.

Bradesco

IV: Em 1973, a União de Bancos [embrião do Unibanco] tentou fazer uma fusão com o Bradesco pela primeira vez. Fazia muito sentido porque a União de Bancos era o maior banco de investimentos naquela época enquanto o Bradesco era o maior banco comercial. Era uma operação muito bem arquitetada, mas mal detalhada

A cultura e a maneira de as pessoas do Bradesco e da União de Bancos funcionarem era muito diferente. A União de Bancos tinha uma diretoria jovem, com pós-graduação. Já o Bradesco era fechado. Um funcionário tinha que começar como contínuo para ser diretor. Faltou trabalharmos melhor esses detalhes.

Depois houve outra tentativa, uns cinco anos antes da fusão com o Itaú. O Unibanco queria uma fusão, mas não aconteceu porque o Bradesco insistia em ser controlador. Também tivemos propostas de fusão de espanhóis, americanos, alemães e franceses.

Devido à distrofia muscular do Pedro, sempre houve um rumor de que a saúde dele levaria o Unibanco a buscar comprador em algum momento. Mas nunca quisemos compartilhar controle com estrangeiros. Um banco como o Santander tem a opção de priorizar a Inglaterra ou os EUA e de não botar dinheiro no Brasil. Não queríamos nos submeter a esse tipo de discussão. Também há perda de agilidade. O Unibanco comprou o Nacional em uma semana. Como um sócio estrangeiro que cocontrolasse o Unibanco permitiria essa fusão?

Santander

IV: O Santander e o BBVA queriam comprar o Unibanco. Chegamos a conversar de maneira muito superficial com o Santander. As conversas foram sempre muito amistosas porque a filha do Emilio Botin [controlador do banco espanhol], a Ana, era muito amiga de um português que tocava o Santander no Brasil e que também era amigo do Pedro. Mas a gente não aceitou cocontrolar com espanhol.

Também não acredito que o Santander chegou a negociar a venda de sua unidade no Brasil. A situação global dele teria que piorar muito para que isso acontecesse. O Santander é muito grande, vê o Brasil como estratégico e precisava de capital no mundo inteiro. Se os espanhóis conseguissem que o BB ou o Bradesco fossem sócios minoritários dele, ficariam muito satisfeitos. Mas jamais Santander ou Bradesco abririam mão do controle.

Em relação ao BB, seria uma palhaçada eles botarem capital no Santander. Então a estratégia foi a de vender ativos pouco estratégicos e abrir o capital aqui e no México. Isso é uma encrenca porque eles vão ter de recomprar tudo lá na frente devido ao conflito de interesses.

BB e Caixa

IV: A imprensa tem falado que o Arno Augustin [secretário do Tesouro] defende uma fusão entre BB e Caixa. É difícil, mas dá para fazer. É o mesmo dono: o governo. O BB incorpora a Caixa e forma um banco maior. Continuam controladores e podem até vender um lote de ações do novo banco para gerar muito caixa. Agora a Caixa e o BB cresceram enormemente a carteira nos últimos dois anos e devem ter feito uma bobagem atrás da outra.

Como brasileiro, sei que isso é ruim porque o Tesouro terá de fazer um aumento de capital com dinheiro público. Mas essa expansão do BB e da Caixa foi ruim para os bancos privados? Não. Como queríamos depurar nossa carteira, foi ótimo ter alguém querendo dar dinheiro a esses clientes. Do ponto de vista da concorrência, eles ganharam mercado. Não vou dizer que a gente adore isso. Ninguém quer ficar para trás, mas, quando o oba-oba acaba, o banco começa a perder dinheiro.

O BB até tem uma cultura razoavelmente consolidada e bons bancários, apesar de também haver liberação política de crédito. Já a Caixa entende de crédito imobiliário e se meteu a fazer tudo: automóveis, cheque especial, crédito a companhias… Você imaginar que isso não vai dar problema não é realista. Sem falar em Basileia 3 [regra que vai exigir que os bancos tenham mais capital próprio]. O volume de capital que terá de ser injetado ali não está no gibi.

Citi e Banamex

IV: O Citi está há mais de 100 anos no Brasil e perdeu tanta oportunidade. Agora imaginar que eles vão sair é difícil. O que tem relevância para o Citi na América Latina é o mexicano Banamex. Já tentamos comprar o Banamex e estamos dispostos a comprar a qualquer hora. É só eles quererem vender. Estamos dando uma de BBVA e Santander para cima deles. A gente vai lá de vez em quando para saber se eles querem vender. O problema é que, se eles toparem, onde vão aplicar tão bem o dinheiro recebido?

Internacionalização

IV: O Itaú vai internacionalizar. Não estamos abrindo mão de nenhum negócio no Brasil, mas não há muito a comprar aqui. O caminho natural é a América Latina. Lamentavelmente Chile, Colômbia e até Peru são países mais estáveis que o Brasil. Fizemos a fusão de nosso banco no Chile [com a Corpbanca], que tem um pedacinho na Colômbia. No Paraguai e no Uruguai, temos bancos bons. Na Argentina, não temos um grande banco. É difícil ter um banco bom em um país ruim.

Essa matéria foi publicada na edição 49 da revista InfoMoney, referente ao bimestre março/abril de 2014. 

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