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SÃO PAULO – O aumento da popularidade das criptomoedas nos últimos anos levou à criação de uma série de empresas ligadas a esse mercado: desde corretoras (chamadas de exchanges) até associações de criptoeconomia e consultorias para criação de tokens (moedas digitais) e uso da tecnologia blockchain.
Surgiram também problemas. O Grupo Bitcoin Banco, após denunciar um golpe que teria sofrido, congelou os saques em sua plataforma e deixou de pagar os clientes, levando ao bloqueio de bens do dono do grupo. Recentemente, a empresa passou a usar seu braço de comércio virtual para tentar quitar dívidas vendendo produtos como iPhones e até motos.
Um caso que continua nebuloso – e sem solução – é o da Atlas Quantum, empresa especializada em arbitragem de criptomoedas e que, desde a segunda quinzena de agosto, está com dificuldades para pagar seus clientes.
A Atlas não é uma corretora (exchange), mas uma plataforma que usa um sistema de arbitragem para operar com Bitcoin. Ou seja, usando um serviço que a empresa chama de Quantum, que nada mais é que um robô que faz operações rápidas, ela compra e vende a criptomoeda em diferentes exchanges para ganhar na diferença de preço entre estas corretoras.
Com isso, o investidor não ganha exatamente com a alta do Bitcoin, mas sim com o lucro obtido destas operações de compra e venda. Diante disso, os rendimentos destas arbitragens se tornam ainda melhores em momentos de maior volatilidade do mercado, como ocorreu principalmente entre 2017 e 2018.
Para realizar essas operações, a Atlas cobra 50% sobre o rendimento obtido. Até pouco tempo, a empresa se gabava de não ter tido um único dia de prejuízo desde março de 2017 – nem mesmo em meio à derrocada do Bitcoin de US$ 20 mil para US$ 6 mil entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018. Segundo a companhia, em 2018, um ano marcado por forte correção dos preços, o rendimento líquido aos investidores foi de 62%.
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Resultados assim geraram um misto de desconfiança e admiração no mercado. De um lado, a Atlas foi a primeira companhia a usar o sistema de operações de alta frequência (HFT, na sigla em inglês) em Bitcoin, mas ela nunca deixou claro como seu algoritmo funciona, o que sempre gerou dúvidas em especialistas.
A má fase começou no início deste ano, quando a empresa foi processada por um vazamento de dados de 264 mil clientes. O caso, porém, foi resolvido sem grandes danos para a empresa. Nos meses seguintes, a companhia passou a fazer um marketing mais agressivo, com um comercial em horário nobre na televisão.
E foi por conta destas propagandas que ela chamou atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que, numa decisão de 13 de agosto, determinou que a Atlas e seu CEO Rodrigo Marques dos Santos deixassem de ofertar títulos ou contratos de investimento coletivo.
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Segundo a CVM, o problema não foi a oferta de Bitcoins, mas o investimento em um sistema que faz arbitragem de criptoativos, o Quantum. E isso, de acordo com o órgão, configura Contrato de Investimento Coletivo (CIC), que só podem ser ofertados publicamente mediante registro ou dispensa na CVM.
Santos, em comunicado divulgado no YouTube, jogou na decisão da CVM a culpa de todos os problemas da empresa. Segundo o fundador da Atlas, essa decisão de 13 de agosto desencadeou uma onda de saques, o que levou as exchanges com as quais a empresa trabalha, por medida de segurança, a bloquearem os pedidos de resgate.
A Atlas, que até então praticava o prazo de um dia para saques, passou a levar 30 dias para processar essas operações. Porém, a cada dia, surgem mais casos de pessoas que simplesmente não estão recebendo.
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Segundo matéria publicada pela BBC Brasil no fim de setembro, por duas vezes a Polícia Militar foi chamada na sede da Atlas, em São Paulo, por conta de clientes que estavam tentando reaver seu dinheiro após conseguirem liminares da Justiça. Mas nem isso adiantou.
Santos, porém, afirmou em notas e pelo Youtube que não há problema financeiro na empresa. Ele cita um relatório da consultoria Grant Thorton que monstra que a companhia, em 2 de agosto, tinha cerca de 15,3 mil bitcoins e quase US$ 35 milhões em dólares na exchanges. A questão, diz ele, é que estes valores foram bloqueados.
Em comunicados, Santos diz ainda que a empresa “está se empenhando ao máximo, com equipes dedicadas em suas operações, para resolver a questão dos saques dos clientes no prazo mais breve possível”. Apesar disso, ele não deu nenhum prazo para regularizar a situação.
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Dados mentirosos?
No dia 18 de setembro, em meio ao aumento da crise, a Atlas decidiu publicar um vídeo em que acessa suas contas em algumas destas exchanges para provar a existência das criptomoedas que tem, mostrando assim que é capaz de pagar seus clientes quando conseguir sacar os valores. Confira:
O problema é que, cerca de uma semana depois, estas corretoras, por meio de comunicados, disseram que os dados mostrados no vídeo da Atlas são mentirosos. O primeiro caso foi o da HitBTC, onde, segundo a Atlas, haveriam cerca de 5 mil bitcoins sob custódia.
No dia 2 de outubro, a exchange usou as redes sociais para afirmar que o vídeo feito pela empresa brasileira era falso e que os números apresentados tinham sido forjados. A corretora também afirmou que a equipe da Atlas não fez nenhum pedido oficial de assistência à plataforma, ou seja, não havia tentado retirar as criptomoedas que tinha lá.
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Respondendo alguns usuários no Twitter, a corretora disse: “Não confirmamos as reivindicações da Atlas Quantum. Nós não bloqueamos nenhuma conta com fundos iguais ou similares aos mostrados no vídeo deles”.
Em seguida, a HitBTC divulgou duas fotos, uma tirada do vídeo da Atlas e outra da página original da plataforma. Nelas, a empresa mostra três inconsistências: que os números referentes ao saldo estão muito próximos do ícone de depósito; que não deveria haver uma vírgula de separação da casa do milhar; e que os saldos das criptomoedas não estão alinhados corretamente. Confira abaixo:
As we have stated we do not confirm claims of Atlas Quantum: https://t.co/zVSjiD1qx8
Moreover, the HitBTC interface in the video has been forged, as detailed here: pic.twitter.com/9VgTUBYNJE— HitBTC (@hitbtc) October 3, 2019
Outra exchange, a Gate.io, também se pronunciou dizendo que os dados apresentados pela Atlas eram falsos. “Gostaríamos de deixar claro que o vídeo publicado recentemente pela Atlas Quantum mostra informações falsas sobre a Gate.io. Nós não temos nenhuma conta bloqueada com este saldo e também não fomos contatados pelo time da Atlas Quantum”, disse a empresa pelo Twitter.
Para piorar, no dia 10 de outubro, a empresa WOW Aceleradora de Startups emitiu um comunicado dizendo que não recebeu os valores de um acordo feito com a Atlas em março deste ano. Este acordo foi um processo de aceleração feito pela WOW em que a empresa de arbitragem recebeu auxílio para desenvolvimento, acesso a investidores anjos, além de um “financiamento na forma de mútuo conversível”.
“Em março de 2019 o controlador da Atlas Quantum propôs a recompra a prazo do mútuo por um valor proporcional ao crescimento da empresa, valor esse que não foi integralmente recebido.”, disse a WOW na nota.
Procurada pelo InfoMoney, a empresa enviou a seguinte nota: “O Atlas Quantum reafirma a veracidade do vídeo e dos documentos apresentados. Em relação às solicitações de saques, a empresa segue trabalhando para a sua normalização. Em breve, serão anunciadas medidas para resgate dos saldos em reais”.
Limbo jurídico
Ainda não se sabe o que motivou os problemas da Atlas. A empresa garante que está trabalhando para resolver a situação e realizar os pagamentos. E essa é a maior esperança para os clientes conseguirem seus investimentos de volta.
Segundo Bruno Meyerhof Salama, advogado e colunista do InfoMoney, “não há muito o que fazer” se um investidor não conseguir resgatar seus recursos ou mesmo se cair em um esquema de pirâmide ou fraude.
O advogado explica que o investidor pode entrar na Justiça, mas, mesmo que ganhe, nada garante que conseguirá reaver seu dinheiro — e isso vale para problemas em qualquer mercado, não apenas no de criptomoedas. “O que costuma acontecer é a empresa não ter recursos, o que leva a responsabilidade para os donos, que passam a responder pelo caso”, afirma.
Salama afirma que a falta de uma regulação específica para o setor de criptomoedas prejudica os investidores no momento da escolha das empresas com as quais quer operar, já que há poucas informações disponíveis.
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