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*Por Will Gottsegen
Em 23 de março, US$ 620 milhões foram roubados da Ronin (RON), rede associada ao Axie Infinity (AXS), um game em blockchain que paga criptomoedas aos jogadores.
A vulnerabilidade tem a ver com a estrutura do jogo em si, que gira em torno de dinheiro real – tokens não fungíveis (NFT) –, e não com sua moeda padrão. O modelo é conhecido como play-to-earn (jogar para ganhar): e os gamers podem realmente fazer uma grana, desde que “brinquem” corretamente.
Em vez de operar diretamente na já testada e comprovada rede Ethereum (ETH), o Axie Infinity usa a sidechain personalizada Ronin – essencialmente um spin-off do Ethereum destinado a reduzir o congestionamento na cadeia principal. Para interagir com aplicativos criados na Ronin, você precisará portar sua cripto pela rede usando um programa especializado chamado “bridge” (ponte, em inglês).
É nesse local que ocorreu a exploração no mês passado. As blockchains são notoriamente difíceis de serem perturbadas – é quando você está movimentando dinheiro entre as redes que as rachaduras começam a se formar. Um invasor conseguiu roubar cerca de US$ 610 milhões da Poly Network no ano passado indo atrás da ponte. E apenas dois meses atrás, a plataforma de finanças descentralizadas (DeFi) Wormhole teve sua bridge hackeada e perdeu US$ 325 milhões.
No caso da Axie/Ronin, a empresa por trás da rede nem percebeu o hack por cerca de uma semana. Ou, se o fez, decidiu aguardar um tempo para anunciá-lo formalmente: uma postagem no blog revelando as perdas foi publicada somente em 29 de março, seis dias depois que o invasor fugiu com os fundos.
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“É quando mostramos do que somos feitos”, tuitou o cofundador da Axie, Jeff Zirlin, na época. “O caos é uma escada.” (A aparente referência a “Game of Thrones” não foi explicada.)
Esse tipo de irreverência tem sido mais ou menos a mentalidade da equipe do Axie Infinity. A ponte Ronin permanece inativa, o que significa que os jogadores do Axie não podem realmente retirar suas criptomoedas da rede, mas os altos escalões aparentemente decidiram que o show deve continuar. A Sky Mavis, empresa responsável pelo game, disse que planeja reembolsar os jogadores por seus fundos perdidos. Também atrasou em uma semana a próxima grande atualização do jogo, intitulada “Axie Infinity: Origin”.
Mas, como a Axie procura manter seu status como o maior ecossistema de play-to-earn entre as blockchains, o problema de segurança pode ser a menor de suas preocupações.
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Em dezembro, Zirlin descreveu a mecânica do “jogar para ganhar” do Axie Infinity como uma espécie de libertação para o mundo dos jogos online.
“Tudo o que fizemos foi adicionar um sistema de direitos de propriedade aos jogos”, ele me disse, referindo-se à ideia de que os gamers podem realmente “possuir” NFTs do Axie na blockchain. “Então, de certa forma, nós libertamos as pessoas. Nós demos a elas algo que deveriam ter tido o tempo todo.”
Na prática, porém, Axie é uma lição sobre os perigos de jogar para ganhar.
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Embora o game dê aos usuários a possibilidade de ganhar dinheiro, também pode criar dívidas. Para jogar, é preciso ter três NFTs “Axies” (personagens usados nas batalhas), que só podem ser adquiridos no mercado secundário. Os jogadores que não podem pagar os NFTs iniciais (eles normalmente custam algumas centenas de dólares) recorrem às “escolinhas” do jogo. Nelas, “benfeitores ricos” adquirem Axies e emprestam para gamers que não podem comprar um, em troca de uma parte dos lucros.
Chamo isso de sistema de mercado cinza – não é oficialmente sancionado pela Sky Mavis, mas em países como Venezuela e Filipinas tornou-se um modo comum de interação com o jogo. Alguns credores populares recebem até dois terços dos lucros totais, de acordo com o agregador de dados CoinGecko.
Isso é parte do motivo pelo qual a maioria dos jogadores filipinos de Axie ainda ganham abaixo do salário mínimo médio do país, de acordo com um relatório da empresa de pesquisa Naavik. Stephen Diehl, um proeminente crítico do setor cripto, comparou isso à “servidão digital”, embora eu ache que isso possa estar um pouco errado. É mais como um contrato de trabalho especialmente predatório – um trabalho em tempo integral com retornos extremamente baixos.
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“O aluno trabalha diariamente, você divide os lucros”, disse um gerente de escolinha à revista Vice no final de semana. “Todo mundo ganha!”
Esse tipo de atitude torna a analogia à “servidão” fácil de entender. A Sky Mavis foi avaliada em US$ 3 bilhões no ano passado e é apoiada pela gigante de capital de risco Andreessen Horowitz. Como acontece com qualquer outro unicórnio cripto, há dinheiro a ser ganho por meio de especulação. Os tokens do game, o AXS e o Smooth Love Potion ([ativo=SLP]), podem ser negociados em exchanges descentralizadas fora do jogo, e geraram grandes capitalizações de mercado.
Enquanto isso, o modelo de negócios da plataforma – que já foi criticado por sua semelhança com um esquema Ponzi – depende muito desse exército de trabalhadores de baixa renda. Eles criam valor no nível mais baixo do sistema (o próprio jogo) – a maior parte do qual sai de suas mãos. Isso reflete uma hierarquia de poder explícita: aqueles que começam com mais dinheiro sempre acabam ganhando mais dinheiro.
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Um socialista pode dizer que é assim que muitos empregos já funcionam. A diferença está na retórica: Zirlin afirma ter “libertado” seus jogadores quando essencialmente recriou um sistema existente e explorador na blockchain.
Essa também era a promessa da Uber – a ideia de que qualquer um poderia ser motorista, com maior grau de flexibilidade. Você não precisava de uma licença da prefeitura para trabalhar, como no caso dos taxistas, e podia efetivamente definir seus próprios horários. Os motoristas entendiam que eram funcionários, mas a Uber não via dessa forma; a empresa usou uma campanha publicitária maciça para persuadir os eleitores da Califórnia, nos Estados Unidos, a votar “sim” em uma proposta que excluiria os trabalhadores temporários do estado de certas leis trabalhistas, e não teve problemas para conseguir o que queria.
Enquanto o Axie Infinity luta para se recuperar do hack da ponte Ronin, está colocando seus outros problemas fundamentais em segundo plano. Não há nada inerentemente libertador sobre a blockchain.
*Will Gottsegen é repórter de mídia e cultura da CoinDesk.
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