Nubank e Inter deixam Bolsa brasileira desfalcada de “techs”: entenda a preferência pelo exterior

Apesar de avanços em governança e da presença de mais investidores, o nosso mercado continua pouco atraente para as empresas de tecnologia

Mitchel Diniz

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Analistas do mercado financeiro seguem intrigados com o fechamento de capital da Nu Holdings, dona do Nubank, no Brasil. Em meados de setembro, a companhia informou que vai cancelar seu registro de empresa aberta junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e migrar seus BDRs NUBR33, recibo de ações negociadas no exterior, para o nível 1 da B3. O argumento de acabar com redundâncias de listagem para ganhos de eficiência, usado pelo banco, continua sendo questionado por agentes do mercado.

“Parece um ganho de eficiência muito pequeno para justificar uma deslistagem no Brasil, achei esquisito”, disse um gestor de fundo de ações, que pede para não ser identificado. De qualquer forma, o movimento do Nubank resulta em uma tech a menos com listagem direta no mercado brasileiro.

Leia mais: Nubank nega que encerrará operações no Brasil

Em junho deste ano, o Banco Inter deixou a carteira do Ibovespa para ingressar na  Nasdaq como Inter & Co. A migração fez parte de uma reorganização societária, cujo objetivo é a expansão dos negócios no exterior. Atualmente, o Inter possui BDRs nível 2 negociados na B3, sob o código INBR32, e segue com registro de companhia aberta na CVM.

A história recente mostra que não há novidade em empresas de crescimento com base em tecnologia preferirem se listar nos Estados Unidos. Mas a migração de companhias que já estavam na Bolsa brasileira evidencia que, apesar de avanços em governança e da presença de mais investidores, o nosso mercado continua pouco atraente para as techs.

“Temos dificuldade em desenvolver um ecossistema. Seria fantástico ter uma Bolsa de tecnologia, com muitas empresas inovadoras e grandes. Mas não conseguimos ser, comparativamente, mais relevante ou interessante. Infelizmente, a gente perde um pouco com isso”, afirma Lucas Ribeiro, analista de ações da Kínitro Capital.

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Para ele, no entanto, os movimentos de Nubank e Inter não são necessariamente negativos para o mercado local, já que ambas continuam investindo no Brasil – inclusive com os recursos que captam no exterior. “E o investidor brasileiro ainda tem chance de surfar na história dessas empresas via BDRs”, diz Ribeiro. De dois anos para cá, as regras para se investir nesse tipo de ativo foram flexibilizadas, dando acesso a pequenos investidores.

No entanto, a falta de grandes empresas de tecnologia diretamente listadas na B3 limita o acesso de fundos de investimentos com mandato para investir somente no Brasil. A Kínitro, atualmente, pode investir até 20% do patrimônio no exterior. “Ter acesso restrito ao setor de tecnologia é difícil, porque as grandes histórias estão nesse segmento”, afirma Ribeiro.

Por que as techs valem mais lá fora?

As empresas de meios de pagamento Stone (STOC31) e Pagseguro (PAGS34) são conhecidas por terem dado o pontapé inicial na listagem de brasileiras na Nasdaq. Em 2018, ambas captaram bilhões de dólares na Bolsa americana, a mesma em que estão listadas gigantes como Apple (AAPL34), Alphabet (GOGL34, dona do Google) e Microsoft (MSFT34). Em 2019, foi a vez da XP (XPBR31) se juntar ao time, estreando na Nasdaq com valuation de US$ 14,9 bilhões.

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“Ser precificado como empresa de tecnologia é bem diferente do que como uma empresa de adquirência ou simplesmente como uma corretora”, explica Conrado Rocha, sócio da Polo Capital. Existem ao menos dois motivos que explicam essa diferença de valuation em relação a uma listagem no mercado local.

O primeiro, a existência de fundos especializados com bilhões de dólares para investir exclusivamente em empresas do setor. Por serem companhias de crescimento, elas queimam caixa no presente para gerar valor no futuro e é dessa expectativa que vem sua precificação.

“O ‘gringo’ está acostumado com esse cenário e a pagar por esse crescimento. Aqui no Brasil, as empresas que são teses de valor são negociadas a valores muito baixos. A cultura do investidor brasileiro está ligada a grandes empresas, de estabilidade”, diz Nícolas Merola, analista da Inv.

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“Com valuations maiores, as empresas conseguem ganhar escala. O interesse do empreendedor é pegar o dinheiro e investir no crescimento, para o valuation se perpetuar. Com precificação baixa, a gestão se comporta diferente, pois precisa mostrar resultado e lucratividade”.

Além de fundos especializados, a cobertura das empresas por analistas é mais robusta. Com um número maior de companhias listadas, os agentes conseguem ter uma base maior de comparação entre as companhias. “É um mercado que também tem histórico de volatilidade menor, enquanto aqui é muito cíclico: vai do bom para captar ao impossível de captar”, diz Lucas Ribeiro, da Kínitro.

Um segundo atrativo para listagem em Bolsa americana é a possibilidade dos fundadores da empresa manterem influência e poder de decisão, mesmo não sendo mais sócios controladores da companhia. Isso é possível graças a uma classe de ação conhecida como super voting stock, que dá direito a mais de um voto ao seu detentor. “Dessa forma a empresa consegue fazer sucessivos aumentos de capital, mantendo o poder político do fundador”, diz Rocha.

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Esse instrumento também já pode ser utilizado no Brasil. No ano passado, a lei das S.As passou por modificações para permitir a existência do supervoto. Pela regra, detentores dessa classe de ação poderá tomar decisões monocráticas ainda que tenha menos de 5% do capital votante da companhia.

“O supervoto lá fora é mais compreendido sob a ótica do investidor. Aqui, se uma companhia faz um roadshow, vai ficar metade do tempo explicando o mecanismo em vez de falar das operações. Há um benefício de usar essa estrutura lá fora. Aqui dentro é mais lento o processo”, avalia o sócio da Polo Capital.

Para Merola, as empresas seguem buscando uma listagem no Novo Mercado da B3, segmento onde a regra “uma ação, um voto” continua prevalecendo. “Aqui, se a empresa não está no Novo Mercado, é penalizada”, diz ele.

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O que falta para mais “techs” se listarem no Brasil?

Hoje 20 empresas de tecnologia da informação – classificação utilizada pela B3 – têm ações listadas na Bolsa brasileira. Uma boa parte delas fez IPO entre 2020 e 2021, quando os juros da nossa economia estavam próximos dos 2%. À época, com a renda fixa dando retornos pouco atraentes, as companhias aproveitaram o maior apetite por risco dos investidores para explorar um território ainda pouco habitado pelas techs – o mercado acionário.

“Empresas menores focam aqui por não conseguirem acessar o mercado internacional. Mas se tivessem dimensão para isso, com certeza teriam se listado lá fora”, diz Ribeiro, da Kínitro. “Muitas empresas também se ‘pintaram’ de tecnologia, mas talvez não sejam de fato”.

Na visão de Merola, da Inv, sem boas empresas, dificilmente haverá fundos de investimentos especializados em tecnologia no Brasil, nos mesmos moldes dos Estados Unidos. “Sem empresas, esses fundos não vão existir. Ainda falta maturação do nosso mercado de capitais, apesar de sermos relevantes em termos globais”, afirma.

Ainda que o ciclo de alta de juros no Brasil pareça ter chegado ao fim, a Selic de 13,75% mantida por tempo indeterminado mantém fechada a janela para novos entrantes, até que a taxa volte a cair.  Rocha, da Polo Capital, acredita que isso é coisa para daqui a um ano. “Acho que não vamos ter um movimento tão forte quanto foi com os juros a 2%, mas é possível ter um ciclo positivo sim”, afirma.

Em março do ano passado, quando os juros ainda estavam historicamente baixos, a Forpus Capital lançou um fundo temático em tecnologia e digitalização. O objetivo do produto era investir em empresas brasileiras na B3 e no exterior, assim como em estrangeiras com atuação no país.

“A gente olha o cenário macroeconômico para decidir as nossas alocações. Lá atrás, a gente via taxas de juros muito baixas e a necessidade das empresas se digitalizarem. Só que a pandemia veio e o cenário mudou muito. O tema tech perdeu um pouco a atratividade e, hoje, faz parte do nosso fundo principal de ações, com escolhas pontuais dentro do setor”, afirma Henrique Aiex, analista da Forpus Capital.

Ele explica que também é possível entrar no tema investindo em empresas que “surfam em tendências de tecnologia”, como as companhias ligadas ao e-commerce.

Além de investidores especializados, Merola, da Inv, acredita que o mercado também precisa de uma Bolsa específica para empresas de tecnologia. “A gente tende a ser taxado como Bolsa das commodities e o que não é desse segmento, acaba sofrendo junto com o tema”, conclui.

Mitchel Diniz

Repórter de Mercados