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O mercado de crédito está prestes a dar um salto importante no país. O segmento de antecipação de recebíveis, que movimenta trilhões de reais a cada ano, deve passar por uma transformação com a entrada em operação das duplicatas escriturais.
As duplicatas escriturais (ou eletrônicas) foram regulamentadas pelo Banco Central em 2020, por meio da resolução 4.815. Elas são como documentos eletrônicos, disponíveis em câmaras de registro, que contêm as informações de empresas que tomaram empréstimos por meio de linhas de antecipação de recebíveis.
É o caso, por exemplo, de lojistas que têm pagamentos a receber no futuro, mas pedem a antecipação para ter acesso a esses recursos num prazo mais curto.
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Hoje, antes da entrada em vigor da nova regra – a expectativa do mercado é que ela comece a valer nas próximas semanas, com a aprovação de todos os requerimentos técnicos pelo BC –, as duplicatas são negociadas sem um registro central.
Existe, assim, risco de fraude e de múltiplas negociações. A possibilidade de ocorrer uma “triplicata” torna essas operações onerosas pela dúvida gerada em quem oferece o financiamento sobre sua duplicidade e existência de lastro.
“O novo sistema elimina a assimetria de informação”, diz Mardilson Queiroz, consultor do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro (Denor) do BC.
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“Qualquer um vai poder enxergar se existe ou não a duplicata para negociá-la. Vai dar maior qualidade ao ativo, desde o escriturador, que vai fazer nascer a duplicata, até a registradora, que terá poder de cartório para dizer quem é o dono da emissão”, completa. Ou seja, tem-se a transparência e garantia de que a operação de fato existe.
Maior acesso a crédito
Queiroz, do BC, lembra ainda que, ao tornar visível toda a carteira de duplicatas do lojista, esta informação fica disponível a outros agentes que podem oferecer crédito a ele, o que aumenta a competição.
“O BC aumentou o perímetro regulatório e autorizou as fintech de crédito a participarem dessas operações. Até o final de fevereiro eram 36 já autorizadas”, diz Queiroz.
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Uma dessas fintechs é a da CERC (Central de Recebíveis), primeira registradora de recebíveis de crédito autorizada pelo BC. Nas contas de seu sócio e fundador, Marcelo Maziero, o mercado de recebíveis de duplicatas tende a atingir R$ 5,2 trilhões.
Hoje, esse é um mercado que movimenta R$ 2,8 trilhões por ano, somando-se recebíveis de duplicatas e de cartões de crédito, excluindo as antecipações feitas pelas próprias credenciadoras.
“Com as duplicatas eletrônicas não existe a não existência da liquidação. Está em registro e ninguém bota a mão naquele ativo. Isso deve baratear e expandir drasticamente o crédito que terá os recebíveis como garantia”, explica Carlos Maggioli, CEO da fintech Quasar Flash International, uma plataforma para desconto de recebíveis de duplicatas,
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Já aconteceu na Bolsa
Para Maggioli, é possível comparar o potencial da regulamentação desse mercado de recebíveis com a revolução que ocorreu com o mercado acionário na década de 90. Naquela época, entrou em vigor a lei 8.021, que estabeleceu que as ações das companhias fossem mantidas em contas depósito, criando assim as ações escriturais.
Antes disso, as ações eram nominativas e guardadas em papel, o que também abria espaço para fraudes.
A tecnologia, por sua vez, acabou com as assimetrias de informações, fazendo com que um mercado que negociava R$ 100 milhões por dia atingisse R$ 25 bilhões por dia, em média, atualmente.
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A expectativa do mercado é de que até abril deste ano, o BC aprove a convenção de todos os requerimentos técnicos de como irá funcionar a parte operacional das registradoras, das escrituradoras e de liquidação.
Daí para frente, segue o cronograma já definido que estabelece 180 dias para que as operações se tornem obrigatórias e dois anos para que 100% das duplicatas sejam eletrônicas.
O mercado se prepara
A Cerc já vem desempenhando sua função de registradora antes mesmo da entrada em vigor das novas regras. O volume de duplicatas eletrônicas que passa pelo seu sistema hoje representa entre R$ 5 bilhões e R$ 7 bilhões por mês.
“Temos uma centena de bancos, FIDCs e fintechs que usam a Cerc para fazer checagem de dados e registrar suas operações. Mas estamos só no começo, pois as operações via registradora ainda não são obrigatórias”, observa Maziero. FIDCs são fundos de direitos creditórios que investem em papéis cujo lastro são créditos a receber.
Mas não é só a Cerc que está se antecipando. A XP, pioneira no segmento de plataforma aberta de investimentos no país, diz que o novo modelo combina com o seu DNA.
“Num modelo de acesso via antecipação de recebíveis, oferecer isso para o nosso ecossistema é como colocar oxigênio lá. Tanto para provedores como para clientes. Pensa nas empresas que oferecem credito imobiliário. Elas fazem parte do nosso ecossistema, porque estruturamos FIDCs para participar disso”, explica Rodrigo Moreira, head da XP Empresas.
O executivo diz que a maior competição em recebíveis pode gerar ‘players’ que oferecem antecipação. “O FIDC faz a securitização e muitas empresas que buscam funding fazem isso por meio do FIDC. Estamos atentos a esta oportunidade de mercado”, observa Moreira.
De olho no novo cenário, a Quasar Flash está criando um banco digital com foco em concessão de crédito utilizando como garantia recebíveis tanto de duplicatas quanto de cartões de crédito.
Oportunidade também vista por fintechs que já criaram caminhos alternativos para operar nessas transações. Líber e Monkey colocaram em seus marketplaces sacados (termo técnico deste mercado para designar grandes empresas que compram produtos e serviços) fornecedores (de produtos e serviços) e financiadores (bancos, FIDCs e pessoas físicas).
A ideia foi criar um ambiente controlado e mais seguro para a antecipação de recebíveis. O papel do marketplace é validar com a grande empresa se o recebível de seu fornecedor realmente existe, o que diminui o risco e o custo do crédito, pois o pagamento daquele recebível vai direto para a instituição financiadora da transação.
A Monkey colocou em seu marketplace 60 grandes grupos econômicos, 300 mil fornecedores que integram suas cadeias e 30 investidores (entre bancos e FDICS), que movimentaram R$ 8,5 bilhões de antecipação de recebíveis em 2020. O volume foi mais do que o dobro do ano anterior.
“Até o final de 2021, minha meta é chegar em 100 grupos econômicos, 500 mil fornecedores e movimentar R$ 25 bilhões”, afirma Gustavo Müller, sócio e fundador da Monkey. Com a chegada das novas normas, Müller vê um potencial enorme para o seu negócio, pois poderá colocar dentro da plataforma muitos mais fornecedores sem a necessidade de ter que checar a existência daquela operação com a empresa compradora.
Na visão da Líber, que tem um modelo de negócios e volume de transações parecidos com os da Monkey, o mercado de antecipação de recebíveis vai ficar mais eficiente e mais barato com a duplicata escritural.
“Quem não usava pode começar a usar. Com a duplicata escritural, o aceite e a liquidação resolvidos, as operações de crédito para recebíveis devem dobrar de volume”, avalia Victor Stabile, fundador e CEO da Líber, que movimentou R$ 8 bilhões em seu marketplace em 2020 e espera que este número cresça três vezes este ano.
“Hoje para eu conseguir transacionar duplicata no marketplace dependo da parceria com as grandes empresas para controlar a liquidação. Com a duplicata escritural qualquer empresa poderia entrar no meu ambiente e firmar um acordo sem eu precisar entrar em contato com os fornecedores dela”, explica Stabile.
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