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É evidente a contradição que vive a política nacional. De um lado, vê-se a proliferação de candidaturas que, paradoxalmente, tornam o centro rarefeito de força política capaz de tornar mais racional as necessárias modificações na política (partidária e congressual), na economia e na gestão das políticas sociais. A candidatura de Joaquim Barbosa, prócer do denominado mensalão, é mais um sinal de que o espólio de Lula será disputado intensamente. Enquanto isso o nobre presidiário de Curitiba lidera as pesquisas de opinião.
De outro lado, vê-se que essa disputa é vincada por substancial inutilidade. Infelizmente ainda não é generalizadamente percebido que a construção de candidaturas no topo da pirâmide do processo político, em especial a presidência da República, resultará, de forma implacável, em mitigação do poder das urnas pelas máquinas dos partidos políticos no Congresso. Presidente que sai banhado pelos votos das urnas e não tem votos no Congresso acaba ou no exílio político dentro do próprio governo ou termina em algum trauma tal qual o impeachment. Note-se que “partido político” no Brasil significa “franquia do tipo ‘comercial’, liderada por alguém ou por algum grupo de poder que organiza mandatados para negociar interesses próprios que distam substancialmente daquilo que seriam “políticas públicas” ou “políticas republicanas”. Escambo e mais escambo. Os escândalos corroboram essa verdade.
Há ainda os “movimentos sociais”, bem conectados com as “redes sociais”, mas que não estão a praticar o contraditório com a realidade do país. Uma coisa é emitir sinais de participação e fazer demonstrações na Avenida Paulista ou em Copacabana. Outra coisa é construir um conjunto de políticas, ou seja, um programa político que abranja a maioria social e política (eleitores) do Brasil. Isso é feito pelo enraizamento das lideranças em problemas concretos e soluções viáveis. Com efeito: para esses movimentos a política é mera ideologia e não uma realidade. Trata-se de caso bem diverso, por exemplo, de Emmanuel Macron, atual presidente da França, que tornou o movimento “Em Marcha” em um partido político que foi capaz de aglutinar de socialistas modernos à centro-direita e, assim, viabilizar programas reformistas que estão sendo implantados na França, mesmo que sem a intensidade prometida. Houve no caso francês o exercício pleno do contraditório social. As redes sociais são mídia (meio) e não fim. Essa é a natureza do internetismo, para usar termo cunhado pelo Prof. Marcos Peixoto de Mello Gonçalves.
Na ausência de unidade básica que permita acreditar que o centro político emitirá, após as eleições de 2018, sinais suficientes para mudar o cenário brasileiro, os riscos políticos do país estão crescendo e não diminuindo, como certas hostes estão a pregar. É erro grosseiro, a meu ver, dos analistas de plantão e do tal do “mercado” acreditar que estamos a formar um cenário mais favorável às políticas “racionais” que se espera do próximo governo. Na verdade, estamos em estágio meramente declamatório de vontades que não se concretizarão em políticas transformadoras porque tais “vontades” não são aquelas que se apuram nas ruas ou nas urnas. O que se vê no cenário eleitoral são proposições absolutamente populistas das elites incapazes de exercer dominação republicana, forjadas para a conquista de um povo funcionalmente ignorante ou, alternativamente, uma esquerda atrasada, inerte e desfocada em relação às mudanças que o mundo registra, calcada na ideia de que o fortalecimento do Estado decadente do país seja solução ideal – aqui conta com o integral apoio da forças da burocracia do Estado, interessadas em seus próprios privilégios.
Do perigoso Jair à Manuela, passando por Marina, Joaquim, Ciro, Geraldo, Álvaro, e tantos mais há evidente rebeldia no linguajar. Até mesmo, vê-se certa construção racional de propostas. Algumas de vanguarda, a maioria de certa retaguarda ou puro atraso – ainda não se descobriu que estamos na era digital e não na mecânica pesada do século passado. Ocorre que os interesses por detrás do discurso não casam com visões não especulativas e práticas consistentes. A inserção do país no mundo, de fato, depende da superação de desafios objetivos em relação ao papel do Estado na economia, os temas da previdência social e do trabalho, a estabilidade fiscal e monetária, a superação da ignorância funcional, programas contra a violência e a pobreza, etc. e etc. Aqui não cabe tergiversação eleitoreira, “emocionalismo” televisivo ou mero despojo de linguagem coloquial. Os “interessados” nesses temas não conseguem fazer distinção razoável sobre como alcançar esses objetivos. A democracia formal do Brasil é bem moderna, até tem identificação digital. O que falta é identidade política entre as aspirações do povo e a razoabilidade de se alcançar os objetivos das políticas.
Sejamos sinceros: é mais fácil amealhar votos por meio de pregação estatista, aquela que dá empregos bem remunerados e estáveis que por meio do chamamento da sociedade ao empreendedorismo e à construção de uma economia nova e renovada. O Brasil é campo fácil para o populismo, para as facilidades do Estado, inclusos aí aqueles que tem benefícios fiscais e estão mamando nas tetas oligárquicas-patrimonialistas do Erário.
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O centro político do Brasil é retrógrado, a esquerda é atrasadíssima e, serenamente, a direita cresce à sombra da violência, da falta de justiça social e penal.
A aglutinação de candidaturas a tentar se apropriar da herança lulista (ou será de seu butim?) não é sinal de vitalidade democrática. É sinal da inconsistência de nosso sistema eleitoral e partidário que fraciona o interesse social entre os detentores do poder formal dos detentores das franquias políticas, no caso, os partidos.
Não há saídas fáceis para a situação brasileira. Essa é a única constatação que me parece visível no momento. Quando constato que há aqueles que creem que temos vida suficiente nas veias das instituições fico deveras assustado. Os riscos estão a aumentar e estamos dispostos a viver a mesma continuidade de sempre: apostar em um presidente “razoável” e depois garantir interesses no dia-a-dia do Congresso. Essa fórmula que agasalha os nossos séculos de patrimonialismo se esgotou completamente. Ou encaramos os temas reais da sociedade e superamos a nossa própria história, ou “nada mais surgirá exceto aquilo que já existia”, como informou Hegel há muito tempo.