Mudança no voto de Barroso sobre FGTS traz alívio, mas ela é realmente positiva para as ações de construtoras?

Analistas, no geral, apontam julgamento adiado e defesa de Barroso de mudança a partir de 2025 como positivos, mas BBI destaca "sentimentos conflitantes"

Lara Rizério

Empreendimento financiado pelo Minha Casa, Minha Vida
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Mais um capítulo da saga sobre a correção do FGTS e o impacto nas construtoras teve desfecho na última quinta-feira (9).

O ministro Cristiano Zanin pediu vista e adiou mais uma vez o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da ação que questiona se é constitucional a atual forma de correção do saldo das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), dando mais tempo ao governo para buscar uma solução alternativa para a questão.

O processo foi incluído pelo presidente do STF e relator da ação, Luís Roberto Barroso, como o primeiro item da pauta de quinta. Contudo, nos últimos dias o governo e partes interessadas vinham pressionado ministros do STF a conceder mais tempo.

O governo teme impacto sobre o financiamento imobiliário caso haja eventual mudança no indicador de correção do fundo, enquanto executivos de construtoras já disseram que uma alteração poderá afetar a capacidade de compra da casa própria pela população de baixa renda.

No setor imobiliário, uma das leituras é de que a mudança pode inviabilizar o uso do FGTS no financiamento de moradias populares, porque os recursos emprestados precisariam receber pelo menos a remuneração da poupança, o que elevaria o custo na ponta final.

A ação em julgamento no Supremo discute se deve permanecer o rendimento do FGTS em 3% mais a Taxa Referencial (hoje em 0,15%) ao ano ou se ele será substituído por outro fator de correção.

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O julgamento começou em 20 de abril, quando Barroso defendeu em seu voto que os valores do fundo sejam remunerados com rendimento no mínimo igual ao da caderneta de poupança. Na ocasião, ele foi acompanhado pelo ministro André Mendonça.

Desta forma, além do julgamento adiado dando mais tempo ao governo, outro desdobramento fez com que as construtoras reagissem positivamente, ainda que haja divergências entre analistas sobre o efeito no setor.

Na retomada do julgamento nesta quinta, Barroso, propôs uma mudança em seu voto, ou uma modulação: : (i) os depósitos existentes do FGTS recebem o total dos lucros do fundo (não precisando corresponder ao rendimento da conta poupança); enquanto (ii) os novos depósitos (a partir de 2025) recebem a mesma remuneração que as contas poupança. Ele foi acompanhado por Mendonça.

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O ministro Nunes Marques, que havia pedido vista na época do início do julgamento, votou na sequência e também seguiu o relator pela alteração do cálculo de correção do FGTS.

Contudo, na sequência o ministro Zanin – que foi o primeiro indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao STF em seu novo mandato –  pediu vista e adiou o julgamento por até 90 dias.

O advogado-geral da União, Jorge Messias, comemorou a nova manifestação de Barroso, dizendo que mostra que houve uma sensibilidade com a argumentação apresentada pela AGU e com os números levantados pela Caixa Econômica Federal.

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“Avaliamos que já temos uma vitória, ainda que parcial e preliminar, porque tudo indica que se caminha para a inexistência de passivo para as contas do Tesouro Nacional”, afirmou, acrescentando que o pedido de vista tem um aspecto positivo ao permitir que o governo tenha mais tempo para apresentar uma proposta de acordo, e ainda permite que os ministros possam “refletir um pouco mais sobre a melhor solução de base constitucional para um assunto tão importante para os trabalhadores”.

O julgamento teve impacto no mercado. Na véspera, as ações de construtoras de baixa renda chegaram a subir forte durante a tarde e depois do pedido de vista, para depois fecharem com ganhos mais modestos. MRV (MRVE3) subiu 2,48%, Plano&Plano (PLPL3) avançou 4,63%, Tenda (TEND3) avançou 6,39%, enquanto Direcional (DIRR3) e Cury (CURY3) fecharam estáveis.

O Itaú BBA destacou os desdobramentos de ontem no Supremo (modulação de Barroso e pedido de visto) como positivos, uma vez que: i) é improvável que afete as condições do programa habitacional no curto prazo – as condições ainda são confortáveis até 2026, na visão do banco; ii) dá ao governo mais tempo para planear potenciais alternativas de financiamento a longo prazo; e iii) torna menos provável o pior cenário apresentado anteriormente pelo banco – uma redução de 30% no programa Minha Casa Minha Vida (MCMV).

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O Goldman Sachs, por sua vez, pontua que, embora não assuma quaisquer resultados como base, o esclarecimento adicional sobre a possível implementação da nova taxa de remuneração poderia reduzir a incerteza para o o segmento de baixa renda.

O Santander avalia ainda que a alteração do índice de remuneração sendo válida somente a partir de 2025 é um ponto positivo para o setor.

“No entanto, consideramos que a distribuição obrigatória de 100% dos lucros sobre depósitos feitos antes de 2025 poderia prejudicar a capacidade do fundo de aumentar o seu capital nos próximos anos (antes que novos depósitos constituam uma parcela maior do total) e, portanto, oferecer forte suporte financeiro quando os retornos estão abaixo da poupança (6,17% + TR, quando a taxa Selic está acima de 8,5%), sem afetar sua capacidade de investir em programas sociais”, avalia o banco.

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Para o Santander, a Caixa Econômica Federal (entidade responsável pela administração do FGTS) e o conselho curador do FGTS farão o possível para manter as condições do MCMV, aumentando as taxas de juros em outras operações de crédito que também têm taxas de juros bem abaixo dos financiamentos fornecidos pelo SBPE e pela taxa Selic.

As notícias são vistas como positivas para construtoras de baixa renda, sendo uma boa oportunidade de compra, também na visão do BTG Pactual.

“A mudança no voto do ministro Barroso é uma alternativa muito melhor do que a proposta inicial, adiando os impactos no FGTS”, avalia o banco.

O BTG destacou ainda ser preciso fazer simulações, mas tudo indicaria que o esgotamento completo do FGTS levaria mais de 20 anos contra cerca de 10 anos pelo voto anterior.

“Sim, o FGTS (e talvez o MCMV) não sobreviverá para sempre sob esta medida, mas ela representa o pior cenário. E como a sessão de votação deverá demorar um pouco para ser retomada, o governo agora tem tempo para encontrar alternativas melhores”, aponta.

O Bradesco BBI, por sua vez, apontou ter sentimentos conflitantes sobre o resultado da votação de ontem para nomes de baixa renda.

Do lado positivo, o ajuste proposto estabelece um período de transição provavelmente longo (5-10 anos) e não implica qualquer interrupção a curto prazo para o programa MCMV. Por outro lado, o melhor cenário para o setor de votar contra qualquer mudança e manter as regras atuais tornou-se significativamente menos provável, uma vez que a reversão da decisão exigirá 6 de 8 votos restantes contra o ministro Barroso (o relator e atual presidente do Supremo Tribunal), avalia.

“Se a mudança se confirmar (o que agora parece provável), a sustentabilidade a longo prazo do fundo exigirá certamente mudanças graduais para pior, incluindo mudanças nas políticas do fundo para a originação de crédito, taxas e/ou subsídios. Poderia ter sido pior, mas isso é totalmente diferente de ver o desdobramento de ontem como positivo para o segmento”, avalia.

Para os analistas do BBI, a combinação dos múltiplos atrativos das ações do segmento (média de 7 vezes o preço sobre o lucro, ou P/L, esperado para 2024 e de 5,5 vezes o projetado para 2025) e a reação positiva do mercado após a sessão sugerem que o mercado estava precificando algo pior. Porém, eles veem um FGTS mais apertado no longo prazo como uma fonte adicional de risco, provavelmente acrescentando alguns níveis às taxas de desconto dos ativos do segmento.

O BTG também ressalta que as ações das companhias de baixa renda estão sendo negociadas a 6 vezes a 7 vezes o P/L de 12 meses, o que já incorpora o pior cenário, por isso a sua visão positiva sobre o setor.

Na visão do Santander, os fundamentos de médio prazo permanecem sólidos, mesmo num cenário em que as alterações propostas por Barroso sejam aprovadas pelo tribunal.

Portanto, reiteram visão positiva para o setor, dado o: (i) valuation atrativo; (ii) potencial de revisão positiva dos lucros, dada a capacidade das empresas de aumentar os preços e melhores perspectivas para os custos de construção; e (iii) proteção contra possíveis mudanças decorrentes da reforma tributária, uma vez que as construtoras permanecerão sob um regime tributário especial com níveis de tributação semelhantes.

Direcional (DIRR3), seguida de Cury (CURY3), continuam sendo os nomes preferidos do banco no segmento.

(com Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.