Morgan: disparada das ações de Azul e Gol foi exagerada e consolidação não deve acontecer em breve no setor

Além de consolidação, analistas veem que salto nos dois últimos dias também foi reação a notícias positivas sobre demanda - mas cenário segue desafiador

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Em meio a rumores no setor aéreo, um dos mais afetados pela pandemia do coronavírus, as ações de Azul (AZUL4) e Gol (GOLL4) registram uma semana de altos e baixos, com destaque para o movimento registrado nas últimas três sessões. Os papéis AZUL4 saltaram, entre terça e quarta, quase 16%, enquanto GOLL4 teve ganhos de um pouco mais de 10%; na sessão desta quinta, em realização, os ativos da Azul caem cerca de 3% e da Gol têm baixa de 2%, mas ainda bem longe de reverter a disparada dos pregões anteriores. Os ativos da Latam Airlines negociados nos EUA, por sua vez, fecharam a sessão da véspera em queda de 5,39%, mas chegaram a ter perdas de mais de 20% durante a sessão; nesta quinta, as perdas continuam, com baixa de mais de 6%.

De acordo com Josh Milberg e Jorge Lourenção, analistas do Morgan Stanley, as fortes movimentações das ações, especificamente na véspera (quando a Azul saltou 11,3%), desafiam “explicações fáceis”. Para eles, tal desempenho não pode ser justificado apenas pela notícia da Azul em consolidar o mercado e buscar a compra dos ativos da Latam Brasil, que movimentou o mercado nas últimas sessões. De qualquer forma, o movimento foi considerado exagerado pelos analistas.

O Morgan destaca que a notícia do interesse definitivo da Azul em adquirir a operação da Latam no Brasil foi divulgada na noite de segunda-feira, com o anúncio da Latam em encerrar o acordo de compartilhamento de voos. Porém, a perspectiva de uma combinação Azul-Latam estava no radar desde que as duas companhias aéreas estabeleceram o “codeshare” no ano passado.

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Além disso, a administração da Latam já foi bastante incisiva ao dizer que não está interessada em vender sua operação no Brasil para a Azul. Para os analistas, esse parece ser um grande obstáculo, considerando que deve refletir a posição de alguns ou de todos os principais acionistas da Latam, como a família Cueto, que também faz parte de um dos grupos que forneceu o financiamento DIP (“debtor in possession”) – – ou seja, credores que possuem preferência quando a Latam começar a pagar suas dívidas da recuperação judicial.

A estratégia da Azul para adquirir os ativos da Latam é se organizar com os arrendadores de aviões credores do grupo chileno. Para que a estratégia tenha sucesso, é necessário que a Azul obtenha um consenso com os credores da Latam que ajudaram a compor o programa DIP da empresa.

Além disso, apontam os analistas, não está claro se a Azul irá de fato apresentar uma proposta competitiva para adquirir a operação da Latam no Brasil como parte do processo do capítulo de recuperação judicial da companhia aérea chilena, e um desafio importante está relacionado ao tempo. Isso porque qualquer proposta que a Azul fizer dependerá da aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), enquanto o período de exclusividade para apresentar o plano de reorganização da Latam se estende até 30 de junho de 2021.

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“É claro que não se pode descartar um cenário potencial em que uma combinação Azul-Latam ocorra mais adiante no futuro (depois que Latam emergir da proteção de recuperação judicial nos EUA). Também é importante notar que a administração da Azul não descartou a possibilidade potencial de uma combinação Azul-Gol, embora a Azul tenha uma sobreposição de rota maior com a Gol (portanto, mais risco de oposição antitruste) e suas frotas não sejam complementares”, destacam os analistas, ressaltando que não possuem conhecimento sobre qualquer negócio em potencial.

Outros fatores no radar

Assim, mais do que uma potencial notícia de consolidação, que pode ter impulsionado as ações da Azul e da Gol na quarta-feira, os papéis também foram impactados por outros temas, como os indícios de recuperação do mercado.

Os analistas citam alguns anúncios sobre isso: no início da semana, a Latam comunicou planos para contratar novos integrantes para a tripulação e para aumentar significativamente sua frota. A Azul projeta reservas futuras em linha com os níveis pré-pandêmicos. Já a Gol destacou na véspera uma melhora significativa em suas vendas de viagens para o mercado aéreo doméstico em maio.

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“Reconhecemos que essa recuperação da demanda é um desenvolvimento favorável, mas essa recuperação já estava amplamente nas projeções para o segundo semestre para as companhias aéreas brasileiras. Além disso, ainda há grande incerteza sobre a rentabilidade e vemos um cenário de fluxo de caixa muito desafiador para eles”, apontam os analistas.

Olhando para a Azul especificamente, os analistas lembram de evento recente com a companhia aérea. A sinalização da Azul foi de que, para atingir seu guidance (projeção) de um mínimo de R$ 4 bilhões de lucro antes juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda) no próximo ano, a capacidade / tráfego provavelmente precisaria expandir em torno de 15% versus 2019, o que pode significar um tráfego doméstico cerca de 20% acima dos níveis de 2019 e o segmento internacional mais ou menos estável.

“Inferimos isso com base nas próprias indicações da administração de que os rendimentos e as margens de 2022 seriam moderadamente abaixo dos níveis de 2019. Como resultado, acreditamos que o guidance da Azul não será fácil de alcançar, a menos que o real se recupere ainda mais, considerando que cerca de 25% da capacidade pré-pandemia da Azul era internacional e que mais de 50% de suas receitas correspondiam à demanda corporativa”, avaliam. Porém, mesmo, considerando que esse número de R$ 4 bilhões seja atingido, a ação parece cara para os analistas.

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Já sobre a Latam e a forte queda desde ontem, Milberg e Lourenção apontam que pode ter sido uma reação tardia à notícia de que a companhia em recuperação judicial não estaria interessada em vender sua operação no Brasil para a Azul. “É importante notar que, nos cinco dias anteriores, as ações da Latam subiram cerca de 25%, de modo que a liquidação representou uma realização ante os ganhos recentes”, avaliam.

De qualquer forma, embora reforcem o ceticismo com a operação depois das declarações do CEO da Latam no Brasil,  os analistas consideraram a magnitude das sinergias potenciais em um cenário de hipotético.

Supondo que as sinergias totais fossem da ordem de 5% da receita líquida combinada das companhias aéreas antes da Covid, haveria um impacto positivo de cerca de R$ 1,4 bilhão no nível do Ebitda. Usando um múltiplo de 8 vezes, isso significaria uma criação de valor de mercado mais dívidas (EV) de cerca de R $ 11 bilhões. Se esse valor fosse dividido entre Latam e Azul proporcionalmente aos níveis de receita pré-Covid, isso poderia significar uma criação de EV de cerca de R $ 4,6 bilhões para a Azul, ou 30% do valor de mercado atual da empresa.

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“Nós entendemos que as principais fontes de sinergias, se as duas operações se fundissem, seriam dos custos de combustível e de manutenção (principalmente devido às capacidades de internalização da Azul), folha de pagamento, sistemas de tecnologia da informação e conectividade de rotas”, apontam.

Em relatório divulgado na véspera, o Itaú BBA apontou que, olhando para uma possível fusão entre Azul e Latam, essas sinergias poderiam levar a um valor adicional entre R$ 5,60 e R$ 27,90 por ativo AZUL4 para os atuais acionistas, pressupondo uma operação baseada em ações.  Assumindo a economia decorrente de uma fusão, os analistas calcularam as sinergias como uma proporção das receitas combinadas da nova empresa entre 1% e 5%. Com base nessa faixa de sinergia, estimam que um negócio entre a Azul e a Latam resultaria em um valor incremental de EV entre R$ 2,5 bilhões e R$ 12,5 bilhões. Eles também fizeram análise de sensibilidade para uma possível fusão entre Azul e Gol (veja mais clicando aqui).

Os analistas do Morgan Stanley possuem uma visão bastante cética com relação as aéreas: a recomendação é underweight (exposição abaixo da média do mercado) para os ADRs (recibo de ações negociados nos EUA) das aéreas Gol e Azul, além das ações da Latam negociadas nos EUA. Para a Azul, o preço-alvo é de US$ 15,20, ou 42,5% do fechamento da quarta-feira. Para os ADRs da Gol, o preço-alvo é de US$ 5,90, ou queda de 43,4%. Para Latam, o target é de US$ 3,50, ou um valor 24,6% em relação ao fechamento de US$ 2,81 da véspera.

Vendo com ceticismo uma consolidação no curto prazo, as projeções não mudaram. “Embora uma hipotética combinação Azul e Latam possa gerar bilhões de sinergias, essa perspectiva não é nova e está longe de haver certeza de que ela se concretizará”, destacam.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.