Minerva (BEEF3) perde R$ 1,4 bi de valor de mercado após aquisição bilionária: companhia fez mau negócio?

A despeito de proporcionar benefícios em termos estratégicos no médio prazo, traz consigo algumas desvantagens e riscos, apontam analistas

Lara Rizério

(Arte: Leonardo Albertino)
(Arte: Leonardo Albertino)

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Um grande negócio pode fazer uma enorme diferença no preço das ações. Com uma queda de 21,10% das ações nas sessões de terça (quando caiu 18,26%) e quarta (quando teve baixa de 3,48%), a Minerva (BEEF3) perdeu cerca de R$ 1,4 bilhão em valor de mercado depois de anunciar a aquisição de ativos da Marfrig (MRFG3) por R$ 7,5 bilhões em 28 de agosto.

No total, são 16 ativos de processamento de carne bovina e de cordeiro pertencentes à Marfrig no Brasil, Uruguai, Argentina e Chile, incluindo 3 instalações atualmente ociosas. Um pagamento inicial de R$ 1,5 bilhão já foi feito e um empréstimo de R$ 6 bilhões está garantido até o fechamento da transação, após todas as aprovações regulatórias e antitruste terem sido concedidas.

Na avaliação do Bradesco BBI, a reação negativa do mercado sugere que o mercado está estimando que a Minerva entregará um lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) de R$ 1,36 bilhão em 2024 para este ativo, inferior aos R$ 1,5 bilhão que a empresa estima, mas significativamente superior aos R$ 750 milhões que este ativo reportou em 2022.

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“Em um cenário em que a Minerva entregue R$ 1,5 bilhão em Ebitda, acreditamos que o preço das ações poderá subir R$ 1,00 por BEEF3, ou 12% acima dos níveis atuais, para se ajustar à liquidação desta semana. Mas há uma grande variedade de cenários que dependerão de quantas sinergias a Minerva conseguir extrair”, avaliam.

O Goldman Sachs também aponta, ao conversar com investidores, que a dimensão da operação, juntamente com a visibilidade limitada em torno dos seus dados financeiros subjacentes, pesaram negativamente no sentimento do mercado. Contudo, apontam os analistas do banco, o mercado já deve ter precificado a maioria dos riscos negativos. Assim, continua com recomendação de compra para ações BEEF3.

“Com base em conversas com investidores, não ouvimos qualquer resposta quanto ao mérito estratégico do negócio, embora os investidores pareçam negativamente surpreendidos com: 1) o tamanho da operação e 2) a visibilidade limitada em torno dos seus aspectos financeiros subjacentes”, avaliam.

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Para o BTG Pactual, há um valor estratégico relevante por trás deste negócio para a Minerva. A transação coloca a companhia em uma posição de liderança no setor de carne bovina da América Latina, crescendo de cerca de 20% para cerca de 34% das exportações de carne bovina da região. A capacidade de processamento de gado aumentará 44%, para mais de 42 mil cabeças/dia, ainda maior que a capacidade da JBS no Brasil, com receitas proforma de pelo menos R$ 46 bilhões/ano.

A empresa tem se destacado historicamente por sua capacidade de arbitragem eficiente entre o gado local e os preços globais da carne bovina, e a nova presença tem a capacidade de melhorar ainda mais isso. “Além disso, com os EUA preparados para reduzir ainda mais a oferta de gado e carne bovina no próximo ano, e com o Brasil vendo uma forte oferta de gado, o Minerva deverá entrar em 2024 em uma posição ainda mais forte”, aponta.

Ver retorno não é tão simples

Contudo, compreender o nível de retorno não é tão simples  Os analistas do BTG ressaltam que o negócio só faz sentido economicamente se a tese do Minerva de vendas incrementais de R$ 18 bilhões e +R$ 1,5 bilhão de Ebitda se concretizar.

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O valor da receita faz sentido se o Minerva aumentar a utilização da capacidade e entregar a mesma receita de R$ 7 mil/abate que obtém nos ativos existentes, bem como uma margem Ebitda de aproximadamente 9%.

Mesmo assim, assumindo R$ 300 milhões de investimentos de manutenção e R$ 800 milhões de custos financeiros, o yield de fluxo de caixa implícito antes dos impostos seria de apenas 5%, bem abaixo do que acreditam que a BEEF3 negocia hoje.

“Além disso, nosso entendimento é que o Minerva está comprando os ativos, não as empresas, o que pode implicar que algum capital de giro adicional possa ser necessário para operar esta capacidade”, avaliam os analistas do banco.

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Ainda assim, em última análise, o potencial de desalavancagem que estimavam para a companhia ainda existe, mas pode ter sido adiado.

“Com base nos dados do 2T23, vemos agora o índice de alavancagem do Minerva saltando de 2,9 vezes para algo entre 3,3 vezes (cenário otimista) e 3,9 vezes (cenário pessimista). O EV/Ebitda [Enterprise Value = soma do valor de mercado das ações com a dívida líquida/Ebitda] esperado para 2024, que anteriormente víamos atingir 4, vezes, agora oscilaria entre cerca de 4,7 vezes (cenário otimista) e 5,6 vezes (cenário pessimista)”, aponta.

Este último, embora ainda alinhado com o histórico, já seria menos atraente versus alguns dos seus pares. “Nosso maior temor é que esse acordo coloque o Minerva em uma posição semelhante à de quando adquiriu os ativos da JBS na América do Sul em 2017, e que acabou assumindo uma alavancagem muito alta antes que pudesse ser administrada”, destaca o banco.

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A Genial Investimentos também destaca que a aquisição dos ativos por parte da Minerva, a despeito de proporcionar benefícios em termos estratégicos no médio prazo, traz consigo algumas desvantagens e riscos.

Entre eles, enumeram: (i) o já conhecido crescimento na alavancagem da companhia, a qual deve encerrar 2023 em 3,3 vezes a dívida líquida/Ebitda; (ii) forte redução no payout (pagamento de dividendos em relação ao lucro) em 2024, dado que a política da companhia em relação a distribuição de dividendos estabelece um payout de 50% apenas se a alavancagem se encontra igual ou inferior a 2,5 vezes; (iii) risco de execução das sinergias esperadas (como expansão de 150-200 pontos-base na margem EBITDA nos próximos 18 meses), inerente a fusões e aquisições, mas mitigado pelo extenso histórico positivo da gestão, o qual já executou com sucesso 19 aquisições dentro da Minerva nos últimos anos.

Além disso, estão no radar: (iv) necessidade de aprovação em órgãos antitruste, como o Cade no Brasil; (v) valor da aquisição elevado, dado que a Minerva está pagando pelos 16 ativos, um valor superior ao market cap atual da Marfrig, de cerca de 7,1 bilhões; (vi) falta de maior visibilidade a respeito do custo de financiamento da operação e das reais necessidade de capital de giro para promover as operações, que devem colocar uma pressão no fluxo de caixa (FCFE) no curto prazo.

Assim, embora enxergue benefícios para a Minerva no médio e longo prazo, a Genial aponta que os fatores mencionados mostram que também existem várias incertezas e algumas desvantagens para investidores se considerada uma visão mais focada em um horizonte de tempo mais curto, as quais contribuíram para a forte queda das ações pós anúncio da aquisição.

Certamente, avalia, o mercado interpretou de maneira negativa a aquisição, dado que o tamanho surpreende, causando uma desconfiança no quão rápido será para digerir as sinergias e para baixar a alavancagem.

Leia também: Marfrig prega nova fase e aponta motivos da venda de operações à Minerva

“Sabemos que vários investidores minoritários estavam comprados na tese não só pelo momento favorável do ciclo do gado no Brasil, mas também pela política de dividendos agressiva. Então, é compressível que uma parcela relevante do mercado tenha reagido de maneira negativa para as ações de Minerva, que suspendeu os dividendos no 2S23 e deverá cortar pela metade o payout em 2024”, avalia.

Apesar disso, a casa de análise prevê que a aquisição será totalmente assimilada dentro de 12 a 18 meses, devido à abundante oferta de gado no Brasil, maior poder de spread, e favorecimento das margens daqui em diante.

Olhando de um ponto de vista menos reativo e mais fundamentalista, a Genial vê que, apesar de ter pagado caro (EV/Ebitda de 2022 de 10 vezes), a aquisição não teria sido ruim, e deverá se pagar rápido, de forma a retornar a alavancagem para um patamar mais saudável, dentro de 2,5 vezes a relação dívida líquida sobre Ebitda, o que faria a companhia a regularizar o pagamento de dividendos.

A Genial tem recomendação de compra para os ativos BEEF3, com preço-alvo de R$ 17, ou potencial de alta de 98% em relação ao fechamento da véspera, mesma do Goldman Sachs, que possui preço-alvo menor, de R$ 13,50 (upside de 57%) para os ativos. Já o BBI tem recomendação neutra, mas com target de R$ 16 (upside de 86%).

O Safra também recomenda compra, com base na perspectiva positiva para o ciclo favorável do gado no Brasil. Porém, destaca os possíveis impactos da operação.

A Minerva pagou um prêmio de valuation aos ativos adquiridos em relação ao seu próprio múltiplo e deverá ver sua alavancagem aumentar pelo menos no curto prazo. “No entanto, o negócio poderá ser agregador dependendo da execução e das sinergias capturadas, que a administração parece confiante em entregar”, resume.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.