Mercado de fundos deve ter um 2011 de forte captação e mais espaço da renda fixa

Oportunidades trazidas com alta do juro, versatilidade dos multimercados e stock picking devem ser referências na gestão

Thiago Salomão

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SÃO PAULO – A indústria brasileira de fundos caminha para fechar 2010 com captação líquida recorde pelo segundo ano consecutivo, ritmo que deverá ser mantido em 2011, acreditam especialistas. Diante da expectativa de mais um ano volátil para os mercados, saiba quais categorias poderão se destacar nos próximos 12 meses, bem como os cuidados que deverão ser tomados para conseguir tirar proveito desse ambiente – não só pelos investidores, mas também pelos gestores de fundos.

Num contexto geral, a expectativa de especialistas do mercado de fundos é que 2011 não fuja muito do que foi 2010. A economia norte-americana deverá manter-se em tímida recuperação, enquanto as economias europeias continuarão assombrando os investidores com problemas envolvendo a dívida fiscal de muitos de seus países. Todas essas incertezas lá fora deverão continuar disseminando volatilidade nos mercados ao longo do ano, exigindo muita atenção e disciplina dos gestores.

“Vai ser um ano muito desafiador para o gestor na hora da tomada de decisão. Ele terá que ter muita parcimônia e disciplina na hora de tomar suas escolhas”, diz Marcelo Lubliner, sócio responsável pela área de relacionamento com investidores no asset management da Mauá Investimentos. Por conta da forte volatilidade esperada, Lubliner ressalta que é preciso ter muita consciência das atitudes tomadas, para não acabar “seguindo os mercados” – ou seja, comprando depois que subiu e vendendo depois que caiu.

Confira os cinco tópicos destacados pelos especialistas para o mercado de fundos em 2011:

I) Fundos “conservadores” e o provável aumento na Selic em 2011
II) Fundos de ações: mais “stock picking”, menos fundos de índice e setoriais
III) Volatilidade deve colocar fundos multimercados em evidência
IV) Novas medidas do governo não deverão assustar investidores estrangeiros
V) Forte captação líquida esperada em 2011: como atrair novos cotistas?
 


I) Fundos “conservadores” e o provável aumento na Selic em 2011

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No front doméstico, o principal foco de preocupação do governo no próximo ano deverá girar em torno da inflação, que caminha para fechar 2010 não muito abaixo do teto da meta – em novembro, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) acumulava variação positiva de 5,63% em 12 meses. Com isso, as expectativas de que o Copom (Comitê de Política Monetária) retome o ciclo de alta nos juros em 2011 ganham forças nos mercados. A última edição do relatório Focus mostra estimativa de que a Selic suba 1,5 ponto percentual ao longo do ano que vem.

Em meio a esse cenário, os fundos mais conservadores deverão ter uma performance significativamente melhor da que foi vista em 2010. “Os investidores que não são muito propensos ao risco poderão ter uma oportunidade muito boa nos fundos de renda fixa, que têm um risco muito baixo e podem ter uma rentabilidade bem razoável, em torno de 11% ou 11,5%”, afirma Paulo Betrassi, sócio gestor da Leme Investimentos, destacando também as aplicações lastreadas em índices de inflação.

O diretor da área de investimentos do Bradesco, Marcos Daré, chama atenção para os fundos referenciados DI. Como esses fundos seguem a trajetória do CDI (Certificado de Depósito Bancário) e, por sua vez, o CDI acompanha a Selic, eles deverão ter uma elevação natural na rentabilidade em 2011, se confirmada a previsão de alta no juro brasileiro, explica.

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Já Eliana Vincensi, gerente nacional de produtos para ativos de terceiros da Caixa Econômica Federal, também destaca os fundos que possuem como benchmark o título público NTN-B (Notas do Tesouro Nacional – série B), lastreado na variação do IPCA. Contudo, ela ressalta que esse cenário vale apenas para 2011, tendo em vista que, em um horizonte maior de tempo, a tendência é de que juro básico do País apresente uma trajetória de queda.


II) Fundos de ações: mais stock picking e setoriais, menos fundos de índice

Passando da renda fixa para a variável, os especialistas esperam que o cenário de volatilidade deva manter a procura por fundos focados em montar posições em ações individuais, em estratégia chamada de stock picking. “Apesar desse ano a gente estar terminando com a bolsa zerada, temos vários ações subindo 40%, 50% no ano”, ressalta Betrassi, que vê nesse tipo de investimento uma estratégia interessante para o investidor que possui maior aceitação pelo risco.

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O sócio gestor da Leme não deixou de ressaltar também alguns setores que podem trazer bons retornos em 2011, tais como o de empresas ligadas a commodities – destacando Vale (VALE3, VALE5) e Gerdau (GGBR4), com a última podendo se beneficiar de uma inesperada recuperação nos EUA – e de companhias ligadas ao consumo interno, como a Lojas Renner (LREN3). “A bolsa deve performar melhor que em 2010, mas essa seletividade ainda será importante”, complementa.

Além desses dois setores, Daré, do Bradesco, também chama atenção para as empresas ligadas à infraestrutura, tendo em vista os eventos que ocorrerão aqui no Brasil nos próximos anos, tais como a Copa do Mundo de 2014 e as Olímpiadas do Rio de Janeiro, em 2016. Esse setor também é tido como preferência por Eliana, da Caixa.

Quem também aposta em uma maior procura por setores ou empresas é Lubliner. Para ele, esses fundos terão uma maior demanda do que os fundos de índice, que são aqueles que tem seu portfólio espelhado em um índice de ação de referência e que, assim como em 2010, não deverão ter um desempenho tão satisfatório no próximo ano, dada a volatilidade que deve ser encarada nos mercados.

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Por fim, a equipe de estrategista do HSBC não deixa de ressaltar os fundos small caps, que atualmente possuem a melhor performance em 2010 entre todas as subcategorias de fundos listadas pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). “Eles tiveram um bom desempenho em 2009 e 2010, e devem continuar em 2011”, prevê a equipe do banco.


III) Volatilidade coloca multimercados em evidência

Uma categoria de fundo que não apenas tem ganhado espaço cada vez mais espaço no mercado brasileiro como também recebeu boas indicações para 2011 é a multimercados. De acordo com os últimos dados da Anbima, a categoria detinha até agosto uma das piores captações líquidas da indústria, mas na reta final desse ano estes fundos melhoraram significativamente, atingindo um saldo líquido positivo de R$ 28,2 bilhões no acumulado em novembro, o segundo maior do País.

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Segundo o HSBC, 2010 mostrou que o investidor precisa diversificar seus investimentos e que, embora os fundos multimercados não tenham tido uma performance tão boa no ano, eles continuam sendo muito bem vistos pelos investidores. “Com a taxa de juro alta, o mercado brasileiro era muito concentrado em renda fixa, e isso tende a mudar. Em 25 anos, a expectativa é que a Selic esteja a 4% ou 4,5% acima da inflação”, afirma o banco, acreditando numa mudança no cenário da indústria brasileira de fundos.

Em meio à busca por uma maior diversificação, essa categoria acaba tendo boa aceitação pelo fato de investir ao mesmo tempo em diversos mercados. “Por poderem atuar com todos os ativos, esses fundos podem ser uma oportunidade interessante”, afirma Bertassi, que prevê para eles um 2011 bem melhor do que foi 2010. Já Daré, do Bradesco, diz que os multimercados estão cada vez mais ganhando o gosto do investidor brasileiro, o que fica evidenciado nas fortes captações líquidas dos últimos meses.

Já Lubliner acredita que 2010 serviu “como um ótimo aprendizado” para esse mercado, sobretudo para a subcategoria multimercados macro. O sócio da Mauá também destaca os fundos “Long & Short“, que montam ao mesmo tempo posições vendidas e compradas, e os fundos de arbitragem, que tiveram uma captação muito boa nesse ano. “Por conta disso, muitas gestoras deverão abrir fundos desse tipo em 2011”, afirma.


IV) Novas medidas do governo não deverão assustar investidores estrangeiros

Em 2010, diversas medidas foram anunciadas pelo governo para inibir a apreciação do real frente ao dólar. Em outubro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a realizar duas elevações no IOF (Imposto Sobre Operações Financeiras) cobrado sobre o investimento estrangeiro no mercado de renda fixa do Brasil – a primeira de 2% para 4% e a segunda de 4% para 6%. Nessa segunda elevação, Mantega também incluiu os fundos multimercados e de ações. Mantega também deixou claro que novas medidas poderão ser anunciadas em 2011 para impedir que a moeda brasileira continue a se valorizar.

As medidas anunciadas e a possibilidade de novas intervenções podem amedrontar o investidor internacional? Para os especialistas, as aplicações de curtíssimo prazo de fato tiveram seus ganhos diluídos pela tributação, mas as aplicações com um horizonte de tempo maior continuam valendo a pena para os estrangeiros, devendo manter o forte fluxo de investimentos vindo de fora do Brasil para os fundos.

“Acho que a alta do IOF tira um pouco a atratividade daqueles especuladores que buscam rentabilidade no curto prazo, mas acho que o fluxo de investidores estrangeiros por ativos mais de longo prazo continua, já que diluem quase que totalmente o IOF de 6%”, acredita Bertassi.

O sócio da Leme não descarta que o governo possa voltar a atuar no câmbio, uma vez que a expectativa é de que o dólar continue a ser pressionado nos próximos meses, o que pode tirar ainda mais a atratividade por investimentos de curto prazo. No entanto, ele acredita que os fundos pré-fixados e os atrelados ao IPCA continuarão a ser uma boa oportunidade para quem enxerga um horizonte de investimento de longo prazo. 


V) Forte captação líquida esperada em 2011: como atrair novos cotistas?

O último boletim da Anbima mostrou que a indústria de fundos acumulou nos primeiros 11 meses de 2010 um ingresso líquido de R$ 114,4 bilhões, número 30,59% maior do que os R$ 87,6 bilhões captados nos 12 meses de 2009. Destaque ainda para o crescimento da pessoa física nesse mercado: de dezembro passado para outubro de 2010, a participação do investidor de varejo passou de R$ 208,1 bilhões para R$ 291,7 bilhões.

Um dos fatores que ajudam a explicar esse movimento é o efetivo aumento visto na renda média do brasileiro ao longo de 2010. “A gente conseguiu perceber isso de uma forma muito clara, não só na demanda dos clientes mas também na efetivação dos recursos por um tempo maior”, explica Marcos Daré, que espera ver uma continuidade dessa tendência em 2011.

Importante player no mercado de varejo de fundos, a Caixa espera atender essa forte demanda explorando a versatilidade que o mercado de fundos proporciona. “Pretendemos alocar novos produtos para atender as necessidades de nossos clientes”, afirma Eliana Vincensi.

Já o diretor da área de investimentos do Bradesco, outro banco com maciça participação nesse mercado, apoia-se na melhoria dos produtos já oferecidos pela instituição, aliando isso ao lançamento de produtos já comercializados no mercado brasileiro, mantendo-se alinhado à concorrência.

Em cima de tudo isso, Daré não deixa de destacar a importância do investidor conhecer seu perfil antes de ir em busca de um investimento, ressaltando o API (Análise de Perfil do Investidor), ferramenta que desde janeiro deste ano a Anbima tornou obrigatória para os bancos aplicarem em seus clientes. “A coisa mais importante é que o cliente conheça o seu perfil, pra que ele não fique desapontado ou se sinta inclinado para aplicar em fundos que não condizem com suas características”, explica o diretor.

Thiago Salomão

Idealizador e apresentador do canal Stock Pickers