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Na noite de segunda-feira (28), um anúncio entre duas grandes companhias do setor de proteínas chamou atenção do mercado, ainda que estivesse no radar do mercado.
A Minerva (BEEF3) anunciou a compra de 16 plantas da Marfrig (MRFG3) por R$ 7,5 bilhões, transação que levará a Minerva ao segundo lugar em abate de bovinos no Brasil, atrás apenas da JBS (JBSS3).
Das 16 plantas, 11 são no Brasil, 3 no Uruguai, 1 na Argentina e 1 no Chile. Nos últimos 12 meses, a receita líquida estimada das plantas adquiridas foi de R$ 18,0 bilhões, com lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) de R$ 1,5 bilhão, representando uma margem Ebitda (Ebitda sobre receita) de 8,3%.
Conforme destacam várias casas de análise, o negócio é transformacional para as duas companhias em seus objetivos, mas a reação de curto prazo na Bolsa foi bastante diferente entre elas, como já era apontado em análises realizadas antes da abertura do mercado nesta terça.
As ações MRFG3 saltaram 10,70% (R$ 7,45), depois de uma alta máxima de 15,16% (R$ 7,65), enquanto BEEF3 despencou 18,26% (R$ 8,91). Uma questão principal ronda as duas empresas: a alavancagem. Enquanto Marfrig tem alívio nesses termos com a operação, a preocupação aumenta sobre a Minerva, o que justifica o desempenho, ainda que a visão seja positiva mais no longo prazo para as duas companhias.
A XP ressalta que a Minerva aumentará sua capacidade de abate em 12,9 mil cabeças de gado e 6,5 mil cabeças de cordeiro por dia, ou em 43%.
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O pagamento da aquisição será feito 100% em dinheiro, com adiantamento de R$ 1,5 bilhão (23% do valor de mercado – já realizado), enquanto o valor restante de R$ 6,0 bilhões será pago somente mediante autorização dos órgãos reguladores. Para os R$ 6,0 bilhões restantes, a Minerva conta com o compromisso de um banco que financiará a aquisição.
A Eleven vê a transação como positiva e transformacional para a Minerva dada a expansão da capacidade atual o que proporciona benefícios de escala para a companhia. A Minerva ganha um poder de barganha ainda maior com fornecedores, reforçando o posicionamento de liderança na América Latina, além de aumento da exposição em mercados premium, aponta.
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“Além da evolução das margens, esperamos também ganhos de sinergia com a unificação de estruturas de custos de vendas, gerais e administrativos das operações adquiridas, que devem permitir uma maior rentabilidade”, apontam os analistas da casa de research.
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Atualmente, as plantas apresentaram margem Ebitda de 8,3%, 0,8 ponto percentual (p.p.) menor do que a da Minerva no mesmo período. Com a conclusão da transação, a companhia passará a operar a um nível de alavancagem de 3,7 vezes a dívida Líquida/Ebitda dos úlimos doze meses, indicador que a Minerva estima que deve chegar a 2,6 vezes em 2024 (abaixo da alavancagem atual de 2,7 vezes da Minerva), considerando os ganhos de sinergia e a geração de caixa da companhia consolidada.
“Reforçamos BEEF3 como a nossa top pick no setor de proteínas dado o reforço no seu footprint [presença] diversificada dentro da América do Sul, agora com a entrada do Chile, focando cada vez mais na exportação direta de carne in natura, onde a empresa já provou sua aptidão”, apontam os analistas.
Além disso, segue com a expectativa de um ciclo muito positivo para os frigoríficos no Brasil, com os preços da carcaça apresentando quedas que chegam a 29% na base anual.
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O JPMorgan vê que o acordo de R$ 7,5 bilhões representa uma oportunidade estratégica para a Minerva complementar a sua atuação, estando a iniciativa bem alinhada com a estratégia de diversificação da empresa, uma vez que incorporam ativos complementares às suas operações existentes na América do Sul.
Já a Marfrig manterá as principais fábricas de hambúrgueres, processados e de maior valor agregado, decisão que sustenta os movimentos da gestão nos últimos anos, tendo como exemplo mais notório a aquisição da BRF (BRFS3), aponta a XP.
“Além de ficar mais leve e caminhar para negócios com margens maiores, o cheque de R$ 7,5 bilhões é uma notícia bem-vinda num momento em que liquidez e alavancagem se tornaram uma preocupação”, avaliam os analistas da XP.
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No entanto, ponderam, mesmo com a entrada de caixa estimada da aquisição, preveem que a alavancagem ainda estará em um nível pouco convidativo ao final de 2023, com um risco negativo como resultado da diminuição das margens da National Beef.
A Eleven também entende que a aquisição é positiva para a Marfrig, pois a companhia passa a focar em produtos processados após a aquisição da BRF. Ainda, os R$ 7,5 bilhões que a Marfrig deverá receber da Minerva ajudará a Marfrig a reduzir a alavancagem atual, que se encontrava em 3,7 vezes a dívida Líquida /Ebitda e, com os juros elevados, pressionou a última linha do resultado nos trimestres recentes.
Considerando o cenário mais baixo da faixa divulgada pela Marfrig, os números-chave implícitos nas plantas adquiridas são: receita líquida de cerca de R$ 11,8 bilhões e Ebitda de R$ 738,4 milhões (margem de 10,0%), implicando em um múltiplo de saída de cerca de 10 vezes o EV/Ebitda (valor da firma sobre Ebitda).
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Já no fato relevante de Minerva, a empresa espera que as plantas adquiridas adicionem um Ebitda potencial de até R$ 1,5 bilhão, ao mesmo tempo em que destaca que as sinergias de despesas gerais e administrativas poderiam aumentar ainda mais a margem Ebitda em 150-200 pontos-base no Ebitda consolidado em 18 meses. “Somos de opinião que a referida divergência pode advir das estimativas de margens e volumes”, avalia a XP.
Impacto no preço-alvo e reação de curto prazo na Bolsa
A Eleven entende que a transação poderá acrescentar até R$ 4 no preço alvo para a ação da Minerva, atualmente em R$ 13, ou potencial de valorização de 19% frente o fechamento da véspera. Porém, espera a aprovação da transação pelos órgãos competentes para incorporar os números em nossos modelos.
“Dito isso, mantemos nossa recomendação de compra em função do cenário favorável, alavancagem comportada e expectativa de margem de dois dígitos para os próximos trimestres e agora com mais sinergias para capturar, mantendo o preço-alvo”, aponta.
Já a XP já havia destacado em relatório antes da abertura do mercado esperar uma reação de curto prazo mais negativa para BEEF3 na Bolsa justamente por conta da visão de uma maior alavancagem para a Minerva.
“Temos pouca visibilidade sobre o que será a nova Marfrig, mas esperamos que as ações da Marfrig reajam positivamente refletindo o alívio da alavancagem e considerando o short interest [percentual de ações de uma empresa que estão alugadas e vendidas a descoberto] do papel de 20%, enquanto as ações da Minerva deverão ser afetadas negativamente com a visão negativa dos investidores sobre maior alavancagem”, avaliaram os analistas.
Na mesma linha, o Itaú BBA apontou que o acordo poderá desencadear uma reavaliação das ações da Marfrig, em termos de redução de risco do balanço e melhoria do mix.
As implicações do acordo para a tese de investimento da Marfrig são duplas, na visão da casa: i) o impacto imediato da desalavancagem poderia levar a uma menor percepção de risco para o balanço da empresa, diminuindo potencialmente o custo de capital próprio da Marfrig; e ii) seu potencial de conversão de Ebitda em fluxo de caixa livre para o acionista (FCFE, do inglês “Free Cash Flow to Equity”) poderá melhorar à medida que produtos de valor agregado ganhem espaço na estrutura da Marfrig.
Ambos os efeitos poderiam levar a uma percepção mais favorável dos múltiplos justos da Marfrig no futuro. “Após o acordo, veríamos a alavancagem da Marfrig diminuindo de 4,1 vezes para 3,1 vezes. Neste sentido, consideramos o momento do negócio ideal, dada a rápida deterioração das expectativas de rentabilidade para os EUA para carne bovina devido à desaceleração do ciclo pecuário na região”, aponta a casa.
Os analistas acreditam que a melhoria do balanço patrimonial da Marfrig provavelmente a deixará em melhor posição. “Não descartamos as incertezas e os desafios que a empresa enfrenta devido à ciclicidade negativa nos EUA, mas o acordo deve abordar os principais retrocessos na tese de investimento de curto prazo da empresa, que estão relacionados com os níveis de alavancagem”, avalia o BBA.
Já a Minerva parece estar redobrando sua aposta na retomada do ciclo pecuário brasileiro e em sua capacidade de execução.
Assim como fez com os ativos da JBS no Mercosul em 2017, a empresa voltou a aumentar sua capacidade de abate na América do Sul. Para a Minerva, os analistas veem o negócio como uma aposta na capacidade da empresa de melhorar a rentabilidade dos seus novos ativos para algo mais próximo do nível de suas operações consolidadas – ou seja, como uma aposta na sua capacidade de execução, que já foi testada antes.
Assim, enquanto para a Marfrig os analistas veem a transação como uma variável de redução de risco, para a Minerva ela é vista como uma aposta no risco da tendência positiva do ciclo pecuário brasileiro.
Se o crescimento esperado do Ebitda da Minerva for concretizado, veem a transação se materializando em um múltiplo EV/Ebitda de 5 vezes – justo para atingir metas de longo prazo. “No entanto, notamos que alguns investidores poderão observar um aumento do risco de execução no curtíssimo prazo”, aponta.
O Goldman Sachs vê mérito estratégico na proposta de aquisição de alguns ativos da Marfrig, pois consolidaria a Minerva como um dos maiores produtores de carne bovina do mundo (4,4% de participação global), ao mesmo tempo que reforçaria sua estratégia de diversificação. “Porém, estamos surpresos com a magnitude dessa transação. Acreditamos que parte da tese de investimento do BEEF3 é apoiada pelo seu pagamento de dividendos e esperamos uma reação negativa das ações às notícias”, aponta o banco.