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A Câmara dos Deputados aprovou na noite de segunda-feira regime de urgência para o projeto de lei que estabelece limites para a taxa de juros cobrada no cartão de crédito, o que significa que a matéria não precisará passar pelas comissões da Casa e deverá ser votada nas próximas sessões em plenário.
De autoria do deputado Elmar Nascimento (União-BA) e relatado pelo deputado Alencar Santana (PT-SP), o projeto prevê prazo de 90 dias para o Conselho Monetário Nacional (CMN) fixar limites aos juros e encargos cobrados no parcelamento da fatura nas modalidades rotativo e parcelado, segundo a Agência Câmara de Notícias.
O CMN é composto pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto; e pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad; e do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.
Caso os limites de juros não sejam fixados dentro deste prazo, a o total cobrado de juros e encargos não poderá ser superior ao valor original da dívida.
Alencar Santana incluiu na proposta todo o texto da medida provisória que cria o programa Desenrola, que visa facilitar a negociação de dívidas de até R$ 5 mil.
O crédito rotativo é oferecido quando o consumidor não paga o valor total da fatura do cartão de crédito até o vencimento. Então, aquele valor excedente que não foi pago é colocado para a fatura do mês seguinte, acrescido de juros, e somado ao valor que já estava previsto para aquela parcela.
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No mês seguinte à opção do crédito rotativo, as instituições financeiras têm que apresentar outra linha de empréstimo com melhores condições para incentivar quitar a dívida e evitar o super endividamento. O parcelamento do valor usado do rotativo é uma das opções geralmente disponibilizadas.
O assunto assim ganha mais uma camada após meses de discussão sobre o tema entre diversos setores do mercado.
Em relatório, a Guide Investimentos apontou que a notícia é negativa para os bancos, setor com maior exposição a modalidade de cartão de crédito rotativo e os com maiores juros na categoria os mais afetados.
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“Resumidamente, hoje a taxa média anual de juros na modalidade é de aproximadamente 440%, ou seja, o limite de 100% poderá reduzir drasticamente a oferta de crédito no cartão pelo setor caso de fato seja aprovada. Com isso, acreditamos que dificilmente a medida não sofrerá alterações, nem que sejam contrapartidas na modelagem do cartão de crédito parcelado ou incentivos/exceções para públicos de maior risco”, aponta a casa.
Isso levando em conta que hoje aproximadamente 40% do consumo no país é realizado via cartões de crédito, algo que seria bem impactado caso os bancos tenham este limite de 100% nos juros médios anuais.
Os mais impactados, segundo a Guide, seriam os públicos de maior risco de crédito, uma vez que a relação risco x retorno na visão bancária ao liberar limite para este segmento poderia inviabilizar novas operações e reduzir as réguas já existentes.
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Em relação aos bancos mais afetados, veem Nubank (ROXO34), Santander (SANB11) e Bradesco (BBDC4) como os principais entre os grandes, principalmente pela maior representatividade do cartão de crédito rotativo dentro da sua operação, além de uma fatia maior de segmentos de maior risco de crédito, em que naturalmente incidem as maiores taxas.
Já os menos afetados, na visão dos analistas, são Banco do Brasil (BBAS3), em que o cartão de crédito rotativo é menos representativo dentro do balanço total, e o Banco ABC (ABCB4), que não atua na linha de crédito, sendo um banco voltado para empresas de maior porte.
Em um relatório quando as discussões sobre o tema se iniciaram, o Morgan Stanley apontou as consequências do limite das taxas de juros rotativos nos cartões de crédito para alguns setores.
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Os analistas do banco destacaram os riscos para as parcelas sem juros, os chamados “parcelados”, pois os bancos precisariam de alguma forma compensar o impacto negativo dos limites de taxas.
Uma solução incluiria a redução dos juros rotativos, mas também a redução do prazo das parcelas. “Dito isto, é altamente improvável que os bancos tentem eliminar totalmente os parcelados, dadas as muitas complexidades que rodeiam esta questão, mas pelo menos poderão tentar reduzir o número de prestações, provavelmente utilizando um calendário de eliminação progressiva plurianual”, apontaram os analistas na ocasião.
Haveria uma pequena, mas não negligenciável, chance de que os bancos proponham um prazo máximo de parcelamento de 3 a 6 meses, em troca de juros rotativos muito mais baixos.
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Eliminar ou reduzir parcelados é uma decisão altamente complexa, aponta, com ramificações nos ecossistemas de cartões e varejo e na economia brasileira em geral; portanto, essa solução pode não ser aceitável em todos os aspectos.
O Morgan destaca duas questões. Em primeiro lugar, reduzir as parcelas sem juros pode acabar prejudicando o consumidor. Dito isto, uma abordagem de eliminação progressiva ao longo de vários anos, que eliminasse as prestações de longo prazo e, ao mesmo tempo, reduzisse as taxas de juro do rotativo, proporcionaria uma transição suave, sem choques no consumo.
Outro ponto é que o corte de parcelas poderia prejudicar a “eletronização” dos pagamentos e a inclusão financeira, aparentemente o oposto do que os reguladores estão tentando fazer. Novos participantes que tentam quebrar o oligopólio em pagamentos (por exemplo, Pagbank PAGS34 e Stone STOC31) poderiam sofrer mudanças significativas em seus modelos de negócios se houvesse mudança nos parcelados.
Para os analistas do Morgan, o pior cenário seria aquele em que o regulador pressionasse os bancos a reduzir significativamente as taxas do rotativo, enquanto os bancos não conseguiriam chegar a um consenso sobre a redução dos parcelados.
“Achamos que isto é muito improvável, pois resultará numa redução materialmente grande na oferta de crédito. Por outro lado, o melhor cenário é aquele com um acordo em toda a indústria para desfazer os parcelados em troca de taxas de juro rotativas muito mais baixas”, apontam.
Para a equipe de análise do banco, o cenário mais provável seria uma redução modesta nas taxas do rotativo sem alterar o restante das características do setor.
Um acordo para reduzir as taxas entre 100 e 200 pontos-base abaixo da média atual da indústria provavelmente apaziguaria todas as partes envolvidas, avalia: 1) levaria a um pequeno impacto na rentabilidade dos emissores de cartões e na oferta de crédito; 2) uma espécie de vitória para os reguladores e o governo; 3) as empresas adquirentes entrantes não perderiam sua principal fonte de lucros; e 4) os titulares dos cartões continuariam a usufruir de um subsídio considerável ao consumo.
“Eliminar ou reduzir parcelados é uma decisão altamente complexa, com ramificações nos ecossistemas de cartões e varejo e na economia brasileira em geral; portanto, essa solução pode não ser aceitável em todos os aspectos. Nosso pensamento é de que reduzir as parcelas sem juros pode acabar prejudicando o consumidor. Dito isto, uma abordagem de eliminação progressiva ao longo de vários anos, que eliminasse as parcelas de longo prazo e reduzisse as taxas de juros proporcionaria uma solução harmoniosa”, avaliaram os analistas do banco americano.
Cabe destacar que, em evento realizado no fim de agosto pelo Santander, Milton Maluhy Filho, presidente do Itaú (ITUB4), falou sobre o tema. Ele apontou que a taxa de juros no rotativo é muito alta e gera um desconforto, mas afirmou que o cartão de crédito tem um papel muito importante no consumo. Além disso, também afirmou que “nunca houve a pretensão de acabar com o parcelado sem juros”.
Mario Leão, presidente do Santander Brasil disse que o problema é complexo e que o tema do rotativo do cartão não pode ser olhado de forma isolada, devendo passar por uma reformulação do cartão como um todo.
Antes disso, em meados do mês, após o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, dizer em sessão no Senado que o possível fim do crédito rotativo ajudaria a reduzir a inadimplência do cartão de crédito, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse ser preciso trabalhar por uma “solução construtiva” que “pode incluir o fim do crédito rotativo”.
“A Febraban entende ser necessária a diluição dos riscos entre os elos da cadeia, hoje concentrados nos bancos emissores que suportam todo o já elevado custo da inadimplência (…). Defendemos que deve ser mantido o cartão de crédito como relevante instrumento para o consumo. Da mesma forma, deve haver o reequilíbrio da grande distorção que só o Brasil tem, com 75% das compras feitas com parcelado sem juros”, declarou na ocasião.