Entenda porque o estrangeiro sacou R$ 32 bi da Bolsa brasileira e quando pode voltar

Juro americano em alta está no centro da saída de recursos em renda variável globalmente

Rodrigo Petry

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Após quatro meses, a saída de dinheiro estrangeiro da Bolsa brasileira em 2024 já supera os R$ 32 bilhões, marcando uma forte reversão em relação ao ano passado, quando houve o ingresso líquido de R$ 45 bilhões – o que levou o Ibovespa, nos últimos dias de 2023, a registrar seu recorde de pontos, ao superar os 134 mil.

Essa saída, basicamente, é explicada por fatores externos, especialmente por conta dos rumos da política monetária dos EUA. No encerramento de 2023, as apostas de boa parte dos investidores era pelo início do corte de juros pelo Federal Reserve ainda em março. Isso não só deixou de ocorrer, como previsto, como vem sendo adiado – agora se espera para setembro.

No front interno, porém, também há razões para essa saída de dinheiro do mercado secundário da B3. As preocupações fiscais foram elevadas com a mudança da meta para 2025 pelo governo, bem como segue a desconfiança pelo atingimento do déficit fiscal zero neste ano, sem o comprometimento do governo com o corte de despesas e dificuldades com o Congresso.

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Ademais, parte da saída do dinheiro gringo é atribuída a tentativas de intervenções do governo em companhias como Petrobras (PETR4) e Vale (VALE3), onde a União segue com influência nas decisões. Especialmente na mineradora, que tem o maior peso individual sobre Ibovespa, o cenário de investimento se tornou mais complexo, por conta da fraca atividade econômica da China.

Se serve de alívio, esse movimento de saída de recursos das bolsas não é algo exclusivo do Brasil, sendo observado também em outros países, com características semelhantes. Isso porque, estruturalmente, o investimento global em ações sofre a competição da renda fixa americana, com o Treasury (título do governo dos EUA) pagando alto rendimento, sem risco.

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Abaixo, confira o que seis especialistas consultados pelo InfoMoney traçam de perspectivas e explicações para a saída do gringo da B3 e quando pode ocorrer o retorno destes recursos à Bolsa brasileira.

O que explica a saída de fluxo estrangeiro da Bolsa?

Política Monetária dos EUA

“Acredito que a explicação para a forte saída de capital estrangeiro da bolsa brasileira é uma combinação de fatores externos e internos. Mas o primeiro ponto foi a grande mudança que houve na expectativa do mercado em relação à queda da taxa de juros nos Estados Unidos”, diz Lucas Lima, analista da VG Research.

Segundo Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, as incertezas quanto à política monetária americana têm impactado significativamente nos fluxos de capitais. Lima reforça que, em contexto de instabilidade e juros elevados, “é natural que investidores optem por aplicações mais conservadoras, migrando boa parte dos recursos para os EUA, devido à maior segurança da moeda local, além da rentabilidade atrativa dos títulos da dívida norte-americana.” 

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Incertezas geopolíticas

Para a estrategista de ações da XP, Jennie Li, o fluxo de saída de estrangeiro das bolsas é um movimento macro global, já que em meses de alta do rendimento dos títulos do tesouro americano há saídas de recursos estrangeiros das bolsas. Entretanto, ela aponta como causa também os conflitos no Oriente Médio, envolvendo Israel e Irã. Além disso, há a guerra entre Rússia e Ucrânia, que se arrasta desde fevereiro de 2022.

“Houve uma certa acomodação das tensões geopolíticas nas últimas semanas, mas continua como um fator de preocupação, de algo que pode voltar a pressionar a inflação”, diz Jennie. 

Cabe ressaltar que a alta do petróleo eleva os custos globais, de diversas cadeias. Para combater essa alta de preços, o principal remédio é a taxa de juros elevada, o que afasta o investimento em bolsa. 

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“Fica evidente a percepção de que, com taxas de juros mais elevadas, a atratividade para ativos mais arriscados diminui”, reforça Alexandre Reitz, chefe de renda variável do Julius Baer Brasil. “O otimismo com o Brasil, e com os mercados emergentes em geral, parece ser menor em um cenário de taxas de juros ‘higher for longer’ globalmente”, acrescenta Jennie.

Economia chinesa

Representando mais de 13% da composição do Ibovespa, todo solavanco da economia da China impacta na Vale e, consequentemente, na Bolsa brasileira. As dúvidas sobre o ritmo de expansão da atividade chinesa se refletem no preço do minério de ferro, que se enfraqueceu, o que afeta as receitas da Vale, com sua principal matéria-prima.

“Dúvidas com a performance da China ajudam a explicar uma parte desse fluxo (de saída estrangeiro), lembrando que no primeiro trimestre principalmente a queda da Vale respondeu por uns 50 e poucos por cento da queda do Ibovespa”, diz Bruno Benassi, analista em Renda Variável da Monte Bravo.

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Intervenção do governo

Ainda sobre a Vale, houve um movimento, neste início de ano, de tentativa de retirada do atual CEO, Eduardo Bartolomeo, e o ingresso de um nome indicado pelo governo. Especialmente a tentativa de indicação do ex-ministro da Fazenda petista, Guido Mantega, afastou investidores.

Entretanto, a “mão do governo”, que segue influente nas decisões corporativas, por conta de sua participação acionária, mexeu também com os papéis de Eletrobras (ELET3) e Petrobras. No caso da elétrica, o governo tenta ampliar seu poder de influência nas decisões, reduzido após o processo de capitalização da companhia, em 2022, judicialmente.

Enquanto isso, na Petrobras, investidores sentem mal-estar por conta de iniciativas na linha de controle de preços dos combustíveis. No entanto, a última guinada ocorreu com a tentativa de alteração na política de dividendos extraordinários, em que o governo voltou atrás, após repercussão negativa, e brigas internas de ministros com o CEO da petroleira, Jean Paul Prates, que quase custou sua saída do cargo.

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Preocupação com estabilidade fiscal

Ainda sobre o governo, a deterioração da situação fiscal também ajudou na saída de recursos estrangeiros nestes primeiros quatro meses do ano, afetando a confiança dos investidores sobre a capacidade do governo de conter o déficit das contas públicas e zerá-lo.

Conforme Beto Saadia, economista e diretor de investimentos da Nomos, no Brasil, a questão fiscal está sempre no radar dos investidores, mas sua preocupação se elevou com a mudança da meta fiscal para 2025. “Vamos ter ainda uma conversa sobre a meta de 2024, que também, provavelmente, deve ser mudada”, afirma.

“O risco fiscal e os gastos (das contas públicas) acabam assustando em alguns momentos boa parte dos investidores, ao olharem para a relação risco versus retorno, em um país como o Brasil, em que muitas vezes não se sabe se o governo vai conseguir honrar os compromissos dado o alto nível de despesas (o que eleva as taxas e os prêmios de risco)”, completa Lima, da Ouro Preto.

Segundo Reitz, do Julius Baer Brasil, apesar de contribuir para a saída de investidores estrangeiros, a questão fiscal interfere menos, neste momento, que os fatores externos – como a situação da China e a perspectiva de juros mais elevados, por mais tempo, nos EUA.

Quando o investidor estrangeiro pode voltar ao Brasil?

Como o principal fator de saída do investidor estrangeiro vem sendo a alta taxa de juros nos EUA, a expectativa geral é de que este retorno aconteça conforme indicadores econômicos americanos mostrem maior acomodação.

Na sexta-feira, dados do payroll – emprego americano – vieram abaixo do esperado, o que levou a um movimento de valorização das bolsas globais. Com o payroll mais “normal” em abril, se reacenderam as esperanças de corte dos juros nos EUA em setembro.

“Quanto mais claro ficar em qual mês se dará a redução de juros nos EUA, mais o fluxo estrangeiro poderá voltar ao Brasil, de maneira mais acelerada, com investidores ativando o modo ‘risk on’”, avalia Lucas Lima, da VG Research.

“Uma série de indicadores econômicos mais positivos nos Estados Unidos, indicando uma inflação mais controlada, poderia ser o gatilho para uma reversão no fluxo de capital estrangeiro para a bolsa brasileira”, completa Reitz, do Julius Baer Brasil.

Por fim, Sidney Lima, da Ouro Preto Investimentos, acrescenta que a retomada do investimento estrageiro, para cá, passa também por uma recuperação econômica mais robusta no Brasil.

“Uma estabilização do cenário político e econômico global, com melhora na percepção de risco do Brasil, e políticas monetárias e fiscais que favoreçam o investimento, poderiam atrair novamente os investidores”, conclui.