Este ano foi marcado por turbulências no mercado acionário, na macroeconomia e na política. Mas existe um setor que se expande faz anos, acelerado mais recentemente pela pandemia do novo coronavírus: o das startups.
Apenas entre janeiro e novembro deste ano, as startups brasileiras captaram US$ 8,85 bilhões com investidores (cerca de R$ 50,45 bilhões na cotação atual). O valor representou quase o triplo dos US$ 3,1 bilhões captados ao longo de todo o ano de 2020.
Os dados são da empresa de inovação Distrito, que estimou que a marca do triplo chegará até o Ano Novo. Aparentemente, a previsão já se concretizou: grandes rodadas de investimento feitas em dezembro já somaram mais R$ 3,36 bilhões à conta de 2021.
Foram R$ 170 milhões para a Shopper, R$ 110 milhões para a Sami, R$ 260 milhões para o Arquivei, R$ 1 bilhão para o Olist, R$ 121 milhões para a Conta Simples, R$ 724 milhões para a Alice, R$ 204 milhões para a Ambar e R$ 769,5 milhões para a Facily. Apenas com esses aportes, o total captado pelas startups brasileiras se eleva para cerca de US$ 9,44 bilhões em 2021, mais do que o triplo dos US$ 3,1 bilhões de 2020.
Para Monica Saggioro e Michael Nicklas, sócios respectivamente dos fundos de investimentos Maya Capital e Valor Capital Group, os números atuais são consequência de um ciclo virtuoso iniciado há alguns anos no país.
“Os melhores talentos estão migrando para tecnologia, geram excelentes negócios e inspiram mais talentos a fundarem startups ou se juntar a elas”, diz Monica. “Os casos de sucesso atraem mais capital qualificado, tanto nacional quanto internacional, o que por sua vez torna mais atraente o ato de empreender”, acrescenta Nicklas.
Já para Daniel Ibri, sócio do fundo de venture capital Mindset Ventures, dois fatores explicam o fluxo de investimentos para startups: excesso de liquidez e otimismo com tecnologia. “O momento de baixas taxas de juros motivou investidores e canalizarem capital a aplicações que ofereciam ganhos maiores do que a renda fixa em longo prazo”, diz Ibri. “A liquidez se juntou ao otimismo com o mercado de tecnologia. Vimos uma empolgação em mercados públicos e privados por aqui desde o ano passado, evidenciada nos IPOs das techs.”
Todos esses fatores aconteceram também em diversos países. Mesmo assim, o investimento nas startups brasileiras cresceu acima da média mundial em 2021. A base de dados Crunchbase apontou que US$ 332 bilhões foram investidos mundialmente em negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos ao longo de 2020, mas que o número já está em US$ 637 bilhões em 2021. Ou seja, o volume mundial de aportes quase dobrou ano sobre ano, enquanto o volume brasileiro triplicou.
O Brasil se tornou neste ano o sétimo maior mercado mundial em termos de investimento para suas startups, segundo um levantamento feito entre novembro de 2020 e outubro de 2021 pelo Crunchbase. O país ainda precisa ultrapassar países com menor população, como França, Alemanha e Reino Unido.
Os setores mais quentes entre as startups
Entre janeiro e novembro deste ano, as startups que acumularam o maior volume de investimentos atuaram com serviços financeiros (fintech), varejo (retailtech), imóveis (real estate), educação (edtech) e mobilidade.
“O que temos em comum nestes setores é o tamanho dos mercados sendo endereçados. São indústrias que compõem uma participação relevante do PIB, e também com um enorme espaço para criação de soluções resolvendo problemas igualmente grandes”, diz Nicklas.
No caso das fintechs, o mercado grande se uniu a uma infraestrutura financeira e tecnológica já bem desenvolvida, segundo Ibri. “As fintechs mostram como um cenário de concentração de players e serviços caros e ruins se torna um prato cheio para startups”.
Já no caso do varejo, o sócio da Mindset Ventures credita o volume de investimentos ao cenário de isolamento social. “A pandemia provocou um grande interesse em e-commerce e em soluções tecnológicas para o varejo em geral. Mas não acredito que retailtech vai se manter nessa segunda posição no longo prazo.”
Ainda, Ibri acredita que as startups de imóveis bombaram por uma situação parecida com a das fintechs: um mercado grande, mas ainda tradicional e com serviços caros e ruins. “É um segmento que pode ser muito transformado pelo uso da tecnologia. Mas vejo menos espaço para diversas startups do que nos serviços financeiros. Não dá para ter dezenas de portais imobiliários.”
A Maya Capital aportou em startups brasileiras nos cinco setores com maior volume de investimentos. “Todos foram afetados pela pandemia e tiveram que se reinventar. Mudanças de comportamento levam à geração de soluções inovadoras para acompanhar as necessidades criadas. Algumas dores são mais óbvias do que outras, assim como alguns problemas têm uma possibilidade mais clara de solução e de potencial de monetização”, diz Monica.
Com o amadurecimento de alguns setores, a lista pode se transformar nos próximos anos. Em número de rodadas, o destaque já muda a partir da terceira posição: serviços financeiros, varejo, saúde (healthtech), educação e marketing (martech).
Para Ibri, essa diferença reflete o interesse futuro dos investidores: uma parte relevante das rodadas são de estágio inicial, que não acrescentam muito para o ranking de volume de investimento. “Healthtech é um mercado que começou alguns anos depois das fintechs e tem bastante regulação. Então ainda não temos tantas empresas maduras. Mas deve ganhar força em volume de investimento nos próximos anos”, exemplifica.
Já Nicklas diz que o número de rodadas reflete uma mudança de momento no mercado. “Existiu uma alteração na dinâmica mercadológica que deu justificativa para soluções que resolvam problemas nesses setores – como uma mudança regulatória, uma nova tendência, um maior nível de digitalização, um maior engajamento de empreendedores ou um novo comportamento do consumidor.”
2022: empolgação e cautela
O cenário do próximo ano está mais desafiador para as startups: os estímulos monetários começaram a ser cortados e as taxas de juros começaram a subir em alguns países, como nos Estados Unidos e no próprio Brasil. Ibri defende que juros em alta não se traduzem em uma migração em massa do venture capital (VC) para a renda fixa, até porque os VCs veem retornos que podem levar até dez anos. “Muitos fundos captaram recursos recentemente e têm um mandato de investimentos a ser cumprido.”
O sócio da Mindset Ventures diz que a tendência macroeconômica fará o investidor analisar com mais cautela o custo de oportunidade de cada startup – mas que os bons números de investimento em negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos devem se manter pelo menos no primeiro semestre de 2022.
No segundo semestre, a eleição presidencial pode atrapalhar os aportes especificamente no Brasil. “O investidor vai esperar para ver o que acontecerá no país. Foi o que vimos no começo da pandemia do novo coronavírus, com algumas equipes de venture capital dando férias coletivas.”
“O cenário de 2022 será diferente por conta das incertezas das variações da Covid-19, mas especialmente por ser um ano eleitoral. A eleição trará maior incerteza para todos os mercados, inclusive o de venture capital“, concorda Nicklas, do Valor Capital Group.
Além de condições macroeconômicas, investidores globais também refletem sobre até onde vai valorização das empresas de tecnologia. No mercado acionário brasileiro, alguns gestores reconheceram que pagaram caro demais em operações que incluíam os IPOs das techs.
“Empolgação é um sentimento volátil, especialmente no mercado de tecnologia. Tanto que boa parte das ações no segmento de tecnologia por aqui despencaram desde seus IPOs”, diz Ibri.
Para Monica, da Maya Capital, a tecnologia se mostra mais resiliente do que outros setores durante crises, incluindo a causada pela pandemia do novo coronavírus. “A capacidade e velocidade de adaptação dessas empresas as torna mais atrativas. Esperamos que o investimento nas startups brasileiras continue crescendo em ritmo acelerado, acima da média dos mercados, dada a oportunidade de disrupção significativa em diversos segmentos. A combinação entre os melhores talentos, grandes dores ainda não resolvidas e oportunidades de saída gera um ambiente muito favorável para o ecossistema empreendedor.”
“Apesar das incertezas sanitárias e políticas, vemos o mercado de venture capital com estruturas sólidas para continuar crescendo a passos largos”, concorda Nicklas. Ibri projeta que os investimentos em startups para o próximo ano devem crescer entre uma e duas vezes sobre 2021. “Não devemos triplicar mais uma vez, porque já temos uma base relevante. Mas continuaremos a mostrar bons resultados”.